Exercício arbitrário das próprias razões: crime formal ou material? Controvérsia doutrinária e (recentíssima) decisão do STJ!

Olá pessoal, tudo bem?

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10 de março3 min. de leitura

Hoje vamos falar sobre a decisão exarada no REsp 1.860.791, da lavra da 6ª Turma do STJ, veiculada no Informativo 685 da Corte.

O tema de fundo se vinculava à natureza do delito tipificado no art. 345 do CPB (exercício arbitrário das próprias razões). De acordo com o dispositivo, o crime consiste em “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”, sendo punido com detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência, ressalvando que se não houver emprego de violência, somente se procede mediante queixa (ação penal privada).

Considerando que se trata de um tipo penal menos estudado do que deveria, parece-me válido fazer uma rápida revisão acerca das principais características a ele inerentes. Vamos lá?

OBJETO MATERIAL É a pessoa ou a coisa contra a qual a conduta é dirigida.
 

NÚCLEO DO TIPO:

“fazer”

 

 

 

 

NÚCLEO DO TIPO:

“fazer”

O sujeito despreza o estado, ao agir por conta própria.

É compatível com qualquer meio de execução (forma livre).

Pretensão é um direito que o sujeito tem (legítima) ou acredita ter (supostamente legítima). Em regra, a pretensão pertence ao próprio indivíduo, mas pode pertencer a terceiro, quando atua como representante legal ou mandatário. Neste crime, ela deve ser passível de satisfação em juízo, sob pena de atipicidade.

Elementos normativos do tipo:

– “legítima”, característica a ser aferida no caso concreto. Também abrange a pretensão “supostamente legítima”, desde que haja uma aparência de direito (teoria da putatividade ou da aparência), uma fumaça do bom direito;

– “salvo quando a lei o permite”: autotutela de um direito. Ex.: legítima defesa, desforço imediato para proteção da possa (art. 1.210, §1º, CC). Nada mais é que o exercício regular de um direito, excludente de ilicitude (art. 23, III, CP).

SUJEITO ATIVO Crime comum ou geral: pode ser cometido por qualquer pessoa.
SUJEITO PASSIVO Imediato: o Estado.

Mediato: a pessoa física ou jurídica lesada.

ELEMENTO SUBJETIVO Dolo + finalidade específica (para satisfazer pretensão, embora legítima).

Não admite culpa.

 

CONSUMAÇÃO

Divergência doutrinária.

Material: o crime se consuma com a satisfação da pretensão; não obtido o resultado pretendido, haverá tentativa.

Formal: consuma-se ainda que a pretensão não venha a ser satisfeita.

É JUSTAMENTE ESSE PONTO QUE VAMOS ESCLARECER À LUZ DO PRECEDENTE OBJETO DO PRESENTE TEXTO.

TENTATIVA É possível.
AÇÃO PENAL Regra: privada;

Exceção: emprego de violência (física apenas) – p. ún.

 

CONCURSO MATERIAL OBRIGATÓRIO

Se o crime for cometido mediante violência, a lei impõe o concurso material obrigatório entre o art. 345 e o crime resultante da violência.

Se da violência resultar vias de fato, não haverá concurso de crime, pois essa contravenção penal é sempre absolvida como meio de execução (subsidiariedade expressa).

A ameaça também é absolvida pela coação e não determina o cumulo material.

LEI 9.099/95 Crime de menor potencial ofensivo, de competência do JECrim, compatível com a Lei 9.099/95.

Realizada essa recapitulação, retomemos o ponto fulcral do texto.

Consoante se verificou, há forte controvérsia no que tange à qualificação do crime de exercício arbitrário das próprias razões ser (i) formal ou (ii) material.

Apesar de reconhecer a controvérsia no âmbito doutrinário, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça indicou que seu entendimento recai no sentido de que o crime do art. 345 do Código Penal Brasileiro é de natureza FORMAL, por se entender suficiente para a consumação que os atos voltados a fazer justiça com as próprias mãos tenham visado a tal pretensão, não sendo imprescindível sua satisfação exitosa. Se isso acontecer, estaremos diante de mero exaurimento.

Dentre outros, essa é a posição sustentada por Guilherme de Souza Nucci. Segundo ele, ao comentar o tipo em questão, “trata-se de crime comum (aquele que pode ser cometido por qualquer pessoa); FORMAL (que não exige, para sua consumação, resultado naturalístico, consistente na efetiva satisfação da pretensão). Há posição em sentido contrário, considerando material a infração penal, necessitando, para a consumação, que o agente satisfaça a pretensão” (NUCCI, GUILHERME de Souza. Código Penal Comentado. 20ª. Ed., revista atualizada e reformulada. Forense: Rio de Janeiro, 2020, item 104.).

Em sentido oposto – e que apesar de importante parece-nos minoritário – há os ensinamentos de Mirabete e Nelson Hungria, vaticinando a natureza material do referido delito. Ou seja, não havendo êxito da realização de “fazer justiças com as próprias mãos”, não teríamos o delito consumado.

Entretanto, seguindo o entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de se tratar de crime formal, uma vez praticados todos os atos executórios, resta consumado o delito, a despeito de o autor da conduta não ter logrado êxito em sua pretensão, que, no caso analisado, era a de pegar o celular de propriedade da vítima, a fim de satisfazer dívida que esta possuía com agente.

Ótimo tema para ser explorado em uma prova dissertativa.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido. Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

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