FINALMENTE PACIFICOU! Afinal, é possível ou não a conversão do flagrante em preventiva de ofício pelo magistrado?

Veja o que decidiu a 3ª Seção do STJ sobre o tema!

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Olá pessoal, tudo certo?

Muito já foi falado e escrito acerca desse tema, mas – recentemente – vivemos novos capítulos. Vamos compreender.

O Supremo Tribunal Federal, especialmente através de sua 2ª Turma (HC 188.888/MG[1]),  reconheceu a impossibilidade jurídica de o magistrado, mesmo fora do contexto da audiência de custódia, decretar, de ofício, a prisão preventiva de qualquer pessoa submetida a atos de persecução criminal (inquérito policial, procedimento de investigação criminal ou processo judicial), “tendo em vista as inovações introduzidas nessa matéria pela recentíssima Lei nº 13.964/2019 (“Lei Anticrime”), que deu particular destaque ao sistema acusatório adotado pela Constituição, negando ao Juiz competência para a imposição, ex officio, dessa modalidade de privação cautelar da liberdade individual do cidadão (CPP, art. 282, §§ 2º e 4º, c/c art. 311).

O tema, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, era controverso, com posições antagônicas entre a 5ª e 6ª Turmas. Mantendo o entendimento anterior à Lei Anticrime, a 6ª Turma se manifestou recentemente, de forma unânime, indicando que o magistrado poderia converter a prisão em flagrante em preventiva, DE OFÍCIO (HC 583.995). Segundo esse colegiado, não houve alteração da realidade com a edição da Lei Anticrime. Comparando à impossibilidade de decretação da prisão cautelar de ofício, entendeu ser diversa a situação em que o juiz converte, por força de comando legal, a prisão em flagrante em alguma(s) medida(s) cautelar(es) de natureza pessoal, inclusive a prisão preventiva, porquanto, nesta hipótese, regulada pelo art. 310 do CPP, o autuado já foi preso em flagrante delito e é trazido à presença da autoridade judiciária competente, após a lavratura de um auto de prisão em flagrante, como determina a lei processual penal, para o controle da legalidade e da necessidade da prisão, bem como da observância dos direitos do preso, especialmente o de não sofrer coação ou força abusiva pelos agentes estatais responsáveis por sua prisão e guarda. Não haveria em tal situação, uma atividade propriamente oficiosa do juiz, porque, a rigor, não apenas a lei obriga o ato judicial, mas também, de um certo modo, há o encaminhamento, pela autoridade policial, do auto de prisão em flagrante para sua acurada análise, na expectativa, derivada do dispositivo legal (art. 310 do CPP), de que o juiz, após ouvir o autuado, adote uma das providências ali previstas, inclusive a de manter o flagranciado preso, já agora sob o título da prisão preventiva[2].

Diferentemente, 5ª Turma julgando o HC 590.039, reconheceu também que esse comportamento oficioso é ILEGAL, após a Lei Anticrime. Nessa perspectiva, a Lei n. 13.964/2019 promoveu diversas alterações processuais, deixando clara a intenção do legislador de retirar do Magistrado qualquer possibilidade de decretação ex officio da prisão preventiva. O anterior posicionamento da Corte, no sentido de que “não há nulidade na hipótese em que o magistrado, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva”, merece nova ponderação em razão das modificações trazidas pela referida Lei n 13.964/2019, já que parece evidente a intenção legislativa de buscar a efetivação do sistema penal acusatório. A partir das inovações trazidas pelo Pacote Anticrime, tornou-se inadmissível a conversão, de ofício, da prisão em flagrante em preventiva. Portanto, a prisão preventiva somente poderá ser decretada mediante requerimento do Ministério Público, do assistente ou querelante, ou da autoridade policial (art. 311 do CPP), o que não ocorreu na hipótese dos presentes autos[3].

E QUAL É A NOVIDADE, PEDRO?

É que a 3ª Seção – que reúne os Ministros da 5ª e 6ª Turma – se alinhou ao entendimento da impossibilidade, invalidando a conversão automática feita pelo Judiciário, após prisão de suspeito em flagrante (RHC 131.263).

Para a maioria dos Ministros, mesmo que o inciso II do artigo 310 do CPP, que trata da audiência de custódia, permita converter a prisão em flagrante em preventiva se presentes os requisitos do artigo 312 e se outras cautelares se revelarem insuficientes, é preciso que haja alguma representação.

A não ocorrência da audiência de custódia por qualquer razão ou eventual ausência do representante do Ministério Público NÃO AUTORIZA que o juiz converta a prisão sem que haja o pedido — pedido este que, inclusive, pode ser formulado independentemente da audiência.

Atualizem seus materiais! Espero que tenham gostado! Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

[1] (…)  A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz dos arts. 282, §§ 2º e 4º, e 311, do mesmo estatuto processual penal, a significar que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP. Magistério doutrinário. Jurisprudência. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE – NATUREZA JURÍDICA – ELEMENTOS QUE O INTEGRAM – FUNÇÃO PROCESSUAL – O auto de prisão em flagrante, lavrado por agentes do Estado, qualifica-se como ato de formal documentação que consubstancia, considerados os elementos que o compõem, relatório das circunstâncias de fato e de direito aptas a justificar a captura do agente do fato delituoso nas hipóteses previstas em lei (CPP, art. 302), tendo por precípua finalidade evidenciar – como providência necessária e imprescindível que é – a regularidade e a legalidade da privação cautelar da liberdade do autor do evento criminoso, o que impõe ao Estado, em sua elaboração, a observância de estrito respeito às normas previstas na legislação processual penal, sob pena de caracterização de injusto gravame ao “status libertatis” da pessoa posta sob custódia do Poder Público. Doutrina. – Mostra-se inconcebível que um ato de natureza meramente descritiva, como o é o auto de prisão em flagrante, limitado a relatar o contexto fático-jurídico da prisão, permita que dele infira-se, por implicitude, a existência de representação tácita da autoridade policial, objetivando, no âmbito da audiência de custódia, a conversão da prisão em flagrante do paciente em prisão preventiva. – A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, no contexto da audiência de custódia, somente se legitima se e quando houver, por parte do Ministério Público ou da autoridade policial (ou do querelante, quando for o caso), pedido expresso e inequívoco dirigido ao Juízo competente, pois não se presume – independentemente da gravidade em abstrato do crime – a configuração dos pressupostos e dos fundamentos a que se refere o art. 312 do Código de Processo Penal, que hão de ser adequada e motivadamente comprovados em cada situação ocorrente. Doutrina. (…). – Inexiste, em nosso sistema jurídico, em matéria processual penal, o poder geral de cautela dos Juízes, notadamente em tema de privação e/ou de restrição da liberdade das pessoas, vedada, em consequência, em face dos postulados constitucionais da tipicidade processual e da legalidade estrita, a adoção, em detrimento do investigado, do acusado ou do réu, de provimentos cautelares inominados ou atípicos. O processo penal como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica das pessoas sob persecução criminal. Doutrina. Precedentes: HC 173.791/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 173.800/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 186.209- -MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g. (HC 188888, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 06/10/2020).

[2] HC 583.995/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2020.

[3] HC 590.039/GO, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2020.

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