A icterícia é um dos problemas mais frequentes durante o período neonatal e corresponde à expressão clínica da hiperbilirrubinemia. Na maioria das vezes, o achado reflete uma adaptação neonatal ao metabolismo da bilirrubina e é denominada de fisiológica. A hiperbilirrubinemia pode ser direta ou indireta, mas para entender melhor esse assunto, precisamos falar um pouco sobre o metabolismo desse pigmento. Para este artigo, tomaremos como referencial teórico o volume 3 da publicação do Ministério da Saúde, intitulada Atenção à Saúde do Recém-nascido: guia para profissionais de saúde, de 2014.
Quando os eritrócitos sofrem lise nas células fagocíticas presentes no baço, fígado e medula óssea, é liberada a biliverdina, que é convertida em bilirrubina pela enzima biliverdina redutase. Essa bilirrubina, chamada de indireta, é lipossolúvel e será conjugada no fígado, tornando-se um composto polar (hidrossolúvel) passível de eliminação nas fezes, por meio da bile. Quando ocorre elevação dos níveis de bililrrubina – direta ou indireta – o recém-nascido apresenta icterícia. A publicação do Ministério da Saúde sobre a Atenção à Saúde do Recém-nascido trata da icterícia neonatal decorrente da hiperbilirrubinemia indireta.
Por vezes, a hiperbilirrubinemia indireta decorre de um processo patológico, podendo-se alcançar concentrações elevadas de bilirrubinas lesivas ao cérebro, instalando-se o quadro de encefalopatia bilirrubínica. O termo kernicterus é reservado à forma crônica da doença, com sequelas clínicas permanentes resultantes da toxicidade da bilirrubina.
De acordo com os níveis de bilirrubina total (BT), a hiperbilirrubinemia pode ser classificada como:
- Significante, quando BT sérica > 15-17mg\dl.
- Grave, quando BT sérica > 25mg\dl
- Extrema, quando BT sérica > 30mg\dl
A hiperbilirrubinemia significante, presente nas primeiras semanas de vida, é comum no RN pré-termo tardio e a termo. Pode estar associada à oferta láctea inadequada, perda elevada de peso e desidratação. Deve-se ressaltar que presença de icterícia nas primeiras 24h de vida e valores de bilirrubina total acima de 12mg/dl, independente da idade pós-natal, devem ser sempre investigados.
Etiologia
De acordo com as fases do metabolismo da bilirrubina, as principais causas de icterícia por hiperbilirrubinemia indireta estão catalogadas no quadro abaixo:
Avaliação Clínica
A hiperbilirrubinemia indireta apresenta progressão cefalocaudal.
Em RNs a termo saudáveis, a constatação de icterícia somente na face (zona 1) está associada a valores de BI que variam de 4 a 8 mg/dL; e a presença de icterícia desde a cabeça até a cicatriz umbilical (zona 2) corresponde a valores desde 5 até 12 mg/dL. Já os RNs a termo com icterícia até os joelhos e cotovelos (zona 3) podem apresentar BI superior a 15 mg/dL.
Fatores de risco
Entre os principais eventos relacionados ao desenvolvimento da hiperbilirrubinemia indireta significante, podem ser destacados:
Icterícia nas primeiras 24 horas de vida
- Doença hemolítica por Rh (antígeno D – Mãe negativo e RN positivo), ABO (mãe O ou RN A ou B), antígenos irregulares (c, e, E, Kell, outros)
- Idade gestacional de 35 ou 36 semanas (independentemente do peso ao nascer)
- Dificuldade no aleitamento materno exclusivo ou perda de peso >7% em relação ao peso de nascimento
- Irmão com icterícia neonatal tratado com fototerapia
- Descendência asiática
- Presença de cefalo-hematoma ou equimoses
- Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase
- BT (sérica ou transcutânea) na zona de alto risco (>percentil 95) ou intermediária superior (percentis 75 a 95) antes da alta hospitalar.
Tratamento
As formas de terapia mais utilizadas no tratamento da hiperbilirrubinemia indireta compreendem a fototerapia e a exsanguineotransfusão, e, em alguns casos, a imunoglobulina standard endovenosa.
Para este artigo, falaremos especificamente da fototerapia, por ser a forma de tratamento mais abordada nas questões de concursos para a enfermagem.
Fototerapia
A eficácia da fototerapia depende principalmente dos seguintes fatores:
- Comprimento de onda da luz.
- Irradiância espectral.
- Superfície corpórea exposta à luz.
O comprimento de onda ideal para a absorção da bilirrubina-albumina compreende a faixa azul de 425 a 475 nm. A intensidade da luz, verificada por meio da irradiância espectral (mW/cm2/nm), é medida com radiômetros (existem de fabricação nacional). No colchão em que se encontra o RN, considera-se um retângulo de 30 x 60 cm e mede-se a irradiância nas quatro pontas e no centro, sendo então calculada a média dos cinco pontos.
A irradiância de cada aparelho de fototerapia em uso deve ser avaliada antes do uso e diariamente para a determinação do seu declínio e indicação da troca de lâmpadas.
Considera-se a irradiância de 8 – 10 mW/cm2/nm como convencional e a de 30 mW/cm2/nm, disponível na maior superfície corporal possível, como fototerapia de alta intensidade. A irradiância é inversamente proporcional à distância entre as lâmpadas e o RN (quanto menor a distância entre a luz e o RN, maior é a irradiância e a eficácia da fototerapia). A proximidade excessiva da fonte pode causar queimaduras. Por isso, é importante respeitar as orientações dos fabricantes.
Existem diversos aparelhos de fototerapia disponíveis no mercado nacional com diferentes tipos de lâmpadas. Em RN a termo ou pré-termo tardio com peso acima de 2.000 g, em berço comum, recomenda-se fototerapia convencional superior ou inferior (reversa) com 6 a 8 lâmpadas fluorescentes brancas e/ou azuis especiais, com irradiância mínima de 8 a 10 mW/cm2/nm. Quando a bilirrubinemia é superior ao percentil 95 no nomograma de Bhutani et al.,15 é preferível introduzir fototerapia de alta intensidade, por meio de um aparelho de fototerapia superior e outro inferior (reversa), de preferência com lâmpadas azuis especiais, para aumentar a irradiância e a superfície corpórea exposta à luz, melhorando, assim, a eficácia da fototerapia.
Já nos RNs pré-termo com peso ao nascer abaixo de 2.000 g que permanecem em incubadoras, além da fototerapia convencional superior, é possível utilizar o spot com
Super-LED (lighting-emitting diodes), posicionado acima da parede da incubadora, ou o colchão de fibra óptica sob o dorso da criança, possibilitando a utilização de fototerapia dupla, se necessária.
O uso de spot com lâmpada halógena deve ser evitado. Se utilizado, deve-se tomar especial cuidado com a distância mínima preconizada de 50 cm do RN; existe a possibilidade de queimaduras quando instalado a distância inferior.
Os principais cuidados durante o uso de fototerapia, elencados pelo Ministério da Saúde, são:
- Verificar a temperatura corporal a cada três horas para detectar hipotermia ou hipertermia, e o peso diariamente.
- Aumentar a oferta hídrica, pelo aumento da temperatura com consequente aumento do consumo de oxigênio, frequência respiratória, fluxo sanguíneo na pele e perdas insensíveis de água.
- Proteger os olhos com cobertura radiopaca por meio de camadas de veludo negro ou papel carbono negro envolto em gaze.
- Cobrir a solução parenteral com papel alumínio ou utilizar extensores impermeáveis à luz para evitar alteração das propriedades da solução.
- Descontinuar a fototerapia durante a alimentação, inclusive com a retirada da cobertura dos olhos, desde que a bilirrubinemia não esteja muito elevada
Para fecharmos a parte teórica, segue um quadro com os principais tipos de aparelhos de fototerapia e cuidados. Caso queira ler o material completo, o guia do Ministério da Saúde pode ser baixado nesse link aqui:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_recem_nascido_v3.pdf
Vamos ver, agora, como esse assunto cai nas provas? Prontos para as questões? Então vamos lá.
- (CESGRANRIO – 2016)
Qual conduta de enfermagem é INADEQUADA como cuidado ao recém-nascido com icterícia hemolítica e em fototerapia por hiperbilirrubinemia neonatal?
Parte superior do formulário
a) Colocar protetores oculares.
b) Realizar mudança de decúbito.
c) Suspender a amamentação.
d) Aumentar a ingesta hídrica em 30%.
e) Controlar, rigosamente, a temperatura.
- VUNESP – 2015
A fototerapia é o tratamento indicado para os casos de hiperbilirrubinemia não hemolítica em neonatos. As principais intervenções que devem ser realizadas para evitar complicações durante o seu uso são:
Parte superior do formulário
a) Proteger os olhos do neonato com venda apropriada, medir a intensidade da luz com radiômetro e fazer equilíbrio hídrico rigoroso.
b) Interromper a fototerapia por 15 minutos a cada oito horas, mudar o decúbito do recém-nascido a cada quatro horas e alimentar o neonato com leite materno exclusivo.
c) Proteger os olhos do neonato com venda apropriada, hidratar com ingestão de água, somente a cada quatro horas e promover a motilidade gastrintestinal por meio de alimentação.
d) Despir o recém-nascido, deixando-o apenas com fralda, alimentar o neonato com leite materno e não realizar mudança de decúbito do recém-nascido.
e) Medir a intensidade da luz com radiômetro, estimular as evacuações através de estimulação anal e hidratar com ingestão de água a cada duas horas.
- INSTITUTO AOCP – 2015
Sobre a Hiperbilirrubinemia neonatal, é correto afirmar que
Parte superior do formulário
a) a Zona I da icterícia compreende a cabeça e o tórax.
b) a icterícia fisiológica tem início antes das primeiras 24 horas de vida.
c) a zona 5 da icterícia compreende as palmas das mãos e as plantas dos pés.
d) uma das causas da icterícia fisiológica é devido à diminuição da oferta de oxigênio para o fígado durante a ligadura do cordão umbilical.
e) são cuidados específicos para RN em fototerapia: proteção ocular, proteção das gônadas em meninos, controle de temperatura e balanço hídrico.
- UFPB – 2012
No caso de tratamento com fototerapia, o RN deve ser colocado nu sob a fonte de luz e reposicionado frequentemente para expor todas as áreas de superfície corporal.Parte superior do formulário
( )Certo ( )Errado
- UFPB – 2012
Na avaliação da icterícia, não se faz necessário observar a cor da pele do neonato da cabeça aos pés, a cor das escleróticas e membranas mucosas.
( )Certo ( )Errado
Gabarito
- C
- Parte superior do formulárioA
- D
- Errado
- Errado
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Fernanda Coelho – Enfermeira graduada e licenciada pela Universidade Federal de Goiás, especialista em enfermagem do trabalho pela Universidade Anhanguera. Trabalhou por 8 anos no Programa de Ortopedia e Reabilitação Infantil do Hospital Sarah Brasília. Atualmente é servidora efetiva da SES DF, tendo assumido o cargo após a segunda aprovação. Foi preceptora no programa de residência em enfermagem – clínica médica. Escritora. Publicou o livro infantil chamado A Encantadora de Palavras, pela Editora Literata e ocasionalmente publica crônicas no blog de mesmo nome.
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Muito esclarecedor, até mesmo para nós leigos.
Uma dúvida: com a fototerapia há mudança de cor das fezes do RN?