Você sabe qual é o entendimento do supremo tribunal federal a respeito?
Olá, hoje vamos tratar de mais um tema relativo ao Estatuto dos Congressistas, mais especificamente sobre sua extensibilidade aos parlamentares estaduais. Para melhor entendimento, e apenas para revisar rapidamente alguns conceitos precedentes ao assunto, lembre-se de que o tema imunidade parlamentar abrange os conceitos de imunidade material e de imunidade formal.
A respeito da imunidade formal, seus efeitos desaguam na regulação do processo-crime especificamente quanto aos dois pontos seguintes:
1º) A restrição da prisão como espécie de prisão cautelar, sendo possível unicamente a prisão em flagrante se, e somente se, o crime for inafiançável e desde que haja autorização da respectiva Casa do Congresso Nacional pelo voto da maioria de seus membros;
2º) A restrição do próprio processo-crime pelo exercício de um Juízo político da respectiva casa do Congresso Nacional pelo voto da maioria do partido político com representação requerente.
Registre-se que a imunidade formal não exclui o crime, mas apenas impõe a observância das prerrogativas constitucionais acima, visando à proteção da função pública eletiva em si, nunca à pessoa que ocupa o mandato. No fundo, trata-se de uma garantia, segundo a doutrina, ao princípio democrático, já que preserva os mandatários eleitos de eventual insurgência contramajoritária.
Pois bem, já sabemos que a imunidade formal dos parlamentares federais está insculpida no art. 53, §§2º e 3º, da Constituição Federal de 1988.
Vamos revisar as normas também?
Transcrevo abaixo:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
A questão agora é saber ser a regra acima é extensível aos parlamentares ESTADUAIS.
A resposta é sim, de acordo com disposição expressa nesse sentido encontrada também na Constituição Federal, mais especificamente em seu art. 27, § 1º.
Vejamos:
Art. 27. O número de Deputados à Assembleia Legislativa (…).
1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.
Resta claro, portanto, que aos Deputados Estaduais também haverá a possibilidade de as respectivas Assembleias Legislativas RESOLVEREM SOBRE A PRISÃO EM FLAGRANTE, bem como a possibilidade de SUSTAREM O ANDAMENTO DA AÇÃO PENAL até decisão final (de modo que, quanto a essa última hipótese, o Tribunal de Justiça competente para as ações penais deverá dar ciência à Casa correspondente para o exercício de tal prerrogativa).
Sobre esse último ponto, cabe uma lembrança: a Constituição Federal de 1988 não possui regra expressa sobre a competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados para processarem e julgarem os crimes comuns praticados por Deputados Estaduais, mas tal regra é comumente vista nas disposições das Constituições Estaduais. A razão disso está na existência do chamado princípio da SIMETRIA, que se origina não só das bases essenciais dogmáticas do Federalismo Republicano, mas também da letra do art. 25, caput, da CF/88, que assim dispõe:
“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”.
Nada obstante, também relembro que nem sempre a competência prevista nas Constituições Estaduais poderá convergir para o processamento e julgamento de crimes comuns no âmbito do correspondente Tribunal de Justiça.
É que há de se observar, por sua hierarquia normativa, a existência do art. 109, inciso IV, da CF/88, o qual impõe que a proteção a bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas publicas, em face de crimes praticados, ficará a cargo da Justiça Federal.
Logo, se o crime praticado pelo parlamentar estadual atingir o art. 109, inciso IV, da CF/88, isto é, bens, serviços e interesses da União e suas entidades federais, a competência originária será do Tribunal Regional Federal da respectiva Região (por exemplo: se o crime federal for praticado por Deputado Estadual da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, a competência será do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cuja sede é em Brasília[1]).
Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“O TRF é competente para processar e julgar ação penal em que se imputa a deputado estadual a prática de crimes conexos a delitos de competência da Justiça Federal”. [HC 91.266, rel. min. Cezar Peluso, j. 2-3-2010, 2ª T, DJE de 23-4-2010.]= HC 80.612, rel. min. Sydney Sanches, j. 13-2-2001, 1ª T, DJ de 4-5-2001.
Note-se que essa simetria entre parlamentares federais e estaduais, a despeito da existência de regra literal do art. 27, § 1º, da CF/88, como vimos acima, já foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal, que apreciou a questão definitivamente, recentemente (08/05/2019) no julgamento das ADIs 5823, 5824 e 5825.
Vejamos a síntese do julgado extraída do Informativo 939, do STF:
“Deputados Estaduais gozam das mesmas imunidades formais previstas para os parlamentares federais no art. 53 da CF/88” (Informativo 939 do STF)
ADI e imunidade parlamentar – 2
O Plenário, por maioria, indeferiu medidas cautelares em ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 33, § 3º, e 38, §§ 1º, 2º e 3º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, os §§ 2º ao 5º do art. 102 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e a Resolução 577/2017 da respectiva Assembleia Legislativa, bem como contra os §§ 2º ao 5º do art. 29 da Constituição do Estado do Mato Grosso e a Resolução 5.221/2017 da respectiva Assembleia Legislativa.
Os dispositivos constitucionais impugnados estendem aos deputados estaduais as imunidades formais previstas no art. 53 da Constituição Federal (CF) (1) para deputados federais e senadores.
Já as Resoluções revogam prisões cautelares, preventivas e provisórias de deputados estaduais e determinam o pleno retorno aos mandatos parlamentares, com todos os seus consectários.
O Colegiado entendeu que a leitura da Constituição da República revela que, sob os ângulos literal e sistemático, os deputados estaduais têm direito às imunidades formal e material e à inviolabilidade conferidas pelo constituinte aos congressistas, no que estendidas, expressamente, pelo § 1º do art. 27 da CF (2).
Asseverou que o dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas em torno de quais imunidades são abrangidas pela norma extensora. A referência no plural, de cunho genérico, evidencia haver-se conferido a parlamentares estaduais proteção sob os campos material e formal.
Se o constituinte quisesse estabelecer estatuto com menor amplitude para os deputados estaduais, o teria feito expressamente, como fez, no inciso VIII do art. 29 (3), em relação aos vereadores.
A extensão do estatuto dos congressistas federais aos parlamentares estaduais traduz dado significante do pacto federativo. O reconhecimento da importância do Legislativo estadual viabiliza a reprodução, no âmbito regional, da harmonia entre os Poderes da República. É inadequado, portanto, extrair da Constituição Federal proteção reduzida da atividade do Legislativo nos entes federados, como se fosse menor a relevância dos órgãos locais para o robustecimento do Estado Democrático de Direito.
Acrescentou que reconhecer a prerrogativa de o Legislativo sustar decisões judiciais de natureza criminal, precárias e efêmeras, cujo teor resulte em afastamento ou limitação da função parlamentar não implica dar-lhe carta branca. Prestigia-se, ao invés, a Carta Magna, impondo-se a cada qual o desempenho do papel por ela conferido.
Vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Roberto Barroso, que deferiram as medidas cautelares para suspender as normas impugnadas e a eficácia das resoluções.
Prevaleceu, na corrente minoritária, o voto do ministro Edson Fachin. Para ele, as regras constitucionais não conferem ao Poder Legislativo e, no caso, ao Legislativo estadual, a competência de rever atos emanados em sede de prisão preventiva pelo Poder Judiciário. Isso porque a decretação da prisão preventiva e das medidas cautelares alternativas envolve um juízo técnico-jurídico que não pode ser substituído pelo juízo político emitido pelo Legislativo a respeito de prisão em flagrante.
Dessa forma, conferiu interpretação conforme à Constituição, no sentido de que as normas estaduais não vedam ao Poder Judiciário decretar medidas cautelares de natureza penal em desfavor de deputados estaduais, nem conferem poderes às assembleias legislativas para sustar ou revogar os atos judiciais respectivos.
O ministro Dias Toffoli retificou o voto proferido anteriormente para acompanhar a corrente vencedora.
(1) CF/1988: “Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. § 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. § 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora. § 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato. (…)”
(2) CF/1988: “Art. 27. O número de Deputados à Assembleia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze. § 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.”
(3) CF/1988: “Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: (…) VIII – inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município;”
ADI 5823 MC/RN, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.5.2019. (ADI-5823) ADI 5824 MC/RJ, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.5.2019. (ADI-5824) ADI 5825 MC/MT, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.5.2019. (ADI-5825)
A grande questão do julgado acima, em verdade, refletiu a fixação de entendimento firmado não apenas para confirmar a possibilidade de reprodução, nos Estados, das normas previstas no art. 53, §§ 2º e 3º, da CF/88, mas também de lhes dar a mesma interpretação e extensão.
Isso porque, meses antes do julgado acima (06/08/2018), o Supremo Tribunal Federal também julgou a ADI 5526, cujo teor decidiu pela “inaplicabilidade de prisão preventiva prevista no artigo 312 do CPP aos parlamentares federais que, desde a expedição do diploma, somente poderão ser presos em flagrante delito por crime inafiançável”.
Na ADI 5526, por maioria (ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Celso de Mello), deixou-se claro para os parlamentares federais a “incidência do §2º, do artigo 53 da Constituição Federal sempre que as medidas aplicadas impossibilitem, direta ou indiretamente, o pleno e regular exercício do mandato parlamentar”.
Em síntese:
- desde a expedição do diploma, não cabe falar-se em prisão preventiva ou, ainda, qualquer medida cautelar diversa da prisão que implique a impossibilidade o afastamento do exercício do mandato pelo parlamentar, seja ele componente do Legislativo Federal ou Estadual, sem que haja, para tanto, ratificação de decisões judiciais nesse sentido pela respectiva Casa no prazo de 24 horas.
- qualquer ato emanado do Poder Judiciário que houver aplicado medida cautelar que impossibilite direta ou indiretamente o exercício regular do mandato legislativo deve ser submetido ao controle político da Casa Legislativa respectiva, nos termos do art. 53, § 2º, da CF.
Logo, com relação às perguntas feitas no título do presente artigo, temos que a resposta é SIM.
A imunidade formal de deputados e de senadores é extensível a parlamentares estaduais, na mesma amplitude e extensão, tudo nos termos do art. 27, § 1º e 53, §§ 2º e 3º, ambos da CF/88, e, bem assim, com lastro na interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos das ADIs 5526, 5823, 5824 e 5825.
(COPS-UEL/2013/PC-PR/Delegado de Polícia/ADAPTADA) QUESTÃO 74 – Sobre deputados e senadores, assinale a alternativa correta.
a) Eles têm foro privilegiado e devem ser julgados, por crime comum, perante o Superior Tribunal de Justiça.
b) Para serem processados criminalmente, não é preciso prévia licença da Casa a que pertencem, mas essa poderá sustar o andamento da ação penal até decisão final.
c) Eles estão desonerados do dever de testemunhar em juízo, somente sendo obrigados a responder em juízo quando convocados na condição de réu.
d) Podem ser presos, desde que em flagrante de crime inafiançável ou, em ultimo caso, com base em prisão preventiva decretada pelo Poder Judiciário, independentemente de qualquer anuência do Poder Legislativo.
e) Perderão o mandato depois de transitada em julgado a sentença judicial condenatória por quebra de decoro.
Letra b.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>
RAMOS TAVARES, André. Curso de Direito Constitucional. 10ª Edição, Revista e Atualizada, Editora Saraiva – São Paulo.
[1] A Justiça Federal no país é dividida em 5 regiões, diferentemente da organização judiciária da Justiça Estadual, a qual conta com um Tribunal de Justiça para cada Estado Federado.
Thiago Deienno – Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (2011) e Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2013). Foi procurador da Procuradoria – Geral do Município de Uberlândia – MG, lotado no Procon Uberlândia (2012-2016),.Desde setembro de 2016 é defensor público de segunda categoria da DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL, lotado na 1ª Defensoria do Jùri do NAJ Brazlândia.
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