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O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido da imprescindibilidade da decisão final na esfera administrativa para a instauração de processo criminal que envolva os delitos contra a ordem tributária, previstos no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137, de 1990.
Sobre o tema, a Súmula Vinculante 24 dispõe que:
Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
Nesse viés, os crimes previstos no art. 1º da Lei n. 8.137 de 1990 são de natureza material, exigindo-se, para a sua tipificação, a constituição definitiva do crédito tributário para o desencadeamento da ação penal.
Segundo o STF, carece de justa causa qualquer ato investigatório ou persecutório judicial antes do pronunciamento definitivo da administração fazendária no tocante ao débito fiscal de responsabilidade do contribuinte.
Este entendimento fora fixado na ADI 1.571, que reafirmou a jurisprudência da corte no sentido de que a constituição definitiva do crédito tributário configura condição necessária para o início da persecutio criminis.
Quanto ao crime de descaminho, entendemos que seja uma espécie do gênero crimes contra a ordem tributária, pois o objeto jurídico é também o erário público (arrecadação de tributos).
O crime de descaminho está previsto no artigo 334 do CP:
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Quanto ao crime em tela, segundo entendimento dos tribunais superiores, não se aplica a Súmula Vinculante 24, pois o delito se consuma com o ato de iludir o pagamento de imposto devido pela entrada ou saída de mercadoria no País, não se fazendo necessária a apuração administrativo-fiscal do montante que deixou de ser recolhido para sua configuração.
Destarte, a norma estampada no art. 334 do Código Penal visa tutelar, em primeiro plano, a integridade do sistema de controle de entrada e saída de mercadorias do País, e o agente que ilude o controle aduaneiro para importar mercadorias sem o pagamento dos impostos devidos comete o delito independentemente da apuração administrativo-fiscal do valor do imposto sonegado.
A fundamentação é no sentido de que o crime de descaminho é formal ou de consumação antecipada (e não crime material).
Nessa linha, a jurisprudência do STF:
HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS DE INFORMÁTICA E DE TELECOMUNICAÇÕES. SIMULAÇÃO DE OPERAÇÕES COMERCIAIS. MERCADORIAS IMPORTADAS DE FORMA IRREGULAR. DESNECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em considerar excepcional o trancamento da ação penal pela via processualmente acanhada do habeas corpus (HC 86.786, da minha relatoria; HC 84.841, da relatoria do ministro Marco Aurélio). Habeas corpus que se revela como trilha de verdadeiro atalho, somente admitida quando de logo avulta o desatendimento das coordenadas objetivas dos arts. 41 e 395 do CPP. 2. Quanto aos delitos tributários materiais, esta nossa Corte dá pela necessidade do lançamento definitivo do tributo devido, como condição de caracterização do crime. Tal direção interpretativa está assentada na ideia-força de que, para a consumação dos crimes tributários descritos nos cinco incisos do art. 1º da Lei 8.137/1990, é imprescindível a ocorrência do resultado supressão ou redução de tributo. Resultado aferido, tão-somente, após a constituição definitiva do crédito tributário. (Súmula Vinculante 24). 3. Por outra volta, a consumação do delito de descaminho e a posterior abertura de processo-crime não estão a depender da constituição administrativa do débito fiscal. Primeiro, porque o delito de descaminho é rigorosamente formal, de modo a prescindir da ocorrência do resultado naturalístico. Segundo, porque a conduta materializadora desse crime é “iludir” o Estado quanto ao pagamento do imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. E iludir não significa outra coisa senão fraudar, burlar, escamotear. Condutas, essas, minuciosamente narradas na inicial acusatória. 4. Acresce que, na concreta situação dos autos, o paciente se acha denunciado pelo descaminho, na forma da alínea “c” do § 1º do art. 334 do Código Penal. Delito que tem como elementos nucleares as seguintes condutas: vender, expor à venda, manter em depósito e utilizar mercadoria estrangeira introduzida clandestinamente no País ou importada fraudulentamente. Pelo que não há necessidade de uma definitiva constituição administrativa do imposto devido para, e só então, ter-se por consumado o delito. 5. Ordem denegada.” HC nº 99740, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, julgado em 23/11/2010. (grifei)
Neste mesmo sentido, há precedente da corte mais recente:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO APTA A MODIFICÁ-LA. MANUTENÇÃO DA NEGATIVA DE SEGUIMENTO. DESCAMINHO. CRIME FORMAL. CONSTITUIÇÃO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DESNECESSIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 2. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado no sentido de que o delito de descaminho constitui crime formal e, por essa razão, a ausência de lançamento tributário é desinfluente à tipificação da conduta. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (RHC nº 135.549-AgR/BA, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 22/9/2017). (grifei)
Pelo exposto, restou consolidado que a constituição definitiva do crédito tributário não é pressuposto ou condição objetiva de punibilidade para que seja instaurado o processo criminal pela prática de descaminho.
O crime previsto no artigo 334 do CP é de natureza formal, uma vez que não se exige o efetivo prejuízo ao erário para a sua configuração. O delito restará consumado com a conduta de iludir o pagamento de imposto devido pela entrada ou saída de mercadoria no País.
José Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
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