Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
A regra básica de um debate é não interromper o adversário. Mas se você é uma mulher, esta regra é comumente desrespeitada em diversas esferas da sociedade. O que é mais uma face do machismo e tem até nome — os chamados manterrupting ou mansplaining — também chega até a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia e às mulheres que trabalham no Judiciário do Brasil e do mundo.
A interrupção sistemática de mulheres feita por homens, ou apartes na fala das ministras para explicar aquilo que não precisa ser explicado ou o que já seria falado por elas, não é de hoje e, segundo a pesquisa, acontece mesmo quando as mulheres alcançam a mais poderosa posição de sua carreira.
E elas não são interrompidas só por seus colegas de tribunal, não. Por advogados também. Apesar de, segundo a regra, eles serem proibidos de cortar a fala de um juiz, que tem o poder de repreendê-lo imediatamente caso isso aconteça.
Não à toa, Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, citou a pesquisa em questão em sua fala na última quarta-feira (10):
“Foi feita agora uma pesquisa, já dei ciência à ministra Rosa, em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o número de vezes em que as mulheres são aparteadas é 18 vezes maior do que entre os ministros… E a ministra Sotomayor [da Suprema Corte americana] me perguntou: como é lá? Lá, em geral, eu e a ministra Rosa, não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas” – Cármen Lúcia em sessão no STF.
Para chegar a este resultado, foram analisadas discussões da Suprema Corte norte-americana de 1990, 2002 e 2015, com a intenção de descobrir qual foi a evolução histórica desse comportamento. Casos de quatro ministras que chegaram à Suprema Corte norte-americana até o momento foram analisados pelos pesquisadores. São elas: a ex-ministra Sandra Day O’Connor, a ministra Ruth Ginsburg, e ministra Sonia Sotomayor e a ministra Elena Kagan.
Os pesquisadores dizem que:
“Usando uma variedade de técnicas, nós constatamos que, apesar de as ministras falarem menos e usarem menos palavras do que os ministros, elas são interrompidas durante a fase de sustentação oral de forma significativamente maior. Homens interrompem mais do que mulheres e eles interrompem particularmente mulheres mais do que interrompem os homens”
Foi descoberto que interrupções frequentes têm menos a ver com questões de posicionamento político ou de idade. Mas sim, com gênero. A pesquisa determina que o gênero é “aproximadamente 30 vezes mais influente do que a idade” quando se trata de interrupções. De acordo com o estudo, conforme mais mulheres na Corte, maior o hábito de interrupção.
O estudo traz dados específicos de cada período analisado. Em 2015, por exemplo, 65,9% de todas as interrupções prejudicaram as três ministras citadas acima. Em 2002, 45,3% prejudicaram as duas ministras da época. Em 1990, 35,7% das interrupções foram dirigidas a Sandra O’Connor, a única ministra à época.
Em 2015, o estudo aponta que as ministras interromperam os colegas apenas 15% das vezes, enquanto os homens as interromperam 85% das vezes.
Sonia Sotomayor foi interrompida 15 vezes por Anthony Kennedy, 14 vezes por Samuel Alito e 12 vezes por John Robert. Elena Kagan foi interrompida por John Roberts, Samuel Alito e Anthony Kennedy 10 vezes ou mais cada um. Ruth Ginsburg foi interrompida por Kennedy 11 vezes.
Apenas dois ministros foram interrompidos pelos colegas mais de 10 vezes, apesar de haver o dobro de homens do que mulheres na corte. No ano em questão, a Suprema Corte era composta por seis homens e três mulheres. As mulheres interromperam os homens apenas sete vezes, em 2015.
O estudo de Jacobi e Schweers ainda mostra que, quanto à ideologia, os liberais são mais interrompidos pelos conservadores do que ao contrário. Nesse ponto, a idade dos membros tem um papel significativo: juízes mais velhos e conservadores têm muito mais chance de interromper juízas mais jovens e liberais.
Diante deste cenário, com o tempo, o estudo mostra ainda que as ministras encontraram um jeito de diminuir as chances de uma interrupção. Elas mudaram seu jeito se posicionar, evitando expressões que poderiam colocá-las, de certa forma, em um lugar de vulnerabilidade como “gostaria de perguntar”, ao introduzir uma fala.
De acordo com o estudo, as ministras Elena Kagan e Sonia Sotomayor são as mais interrompidas, não só porque são mulheres e mais jovens, mas também porque se expressam de uma maneira mais cortês. Elas costumam usar, no início de suas colocações, frases que precedem uma fala educada e respeitosa como “posso lhe perguntar?” ou “se me permitem observar…”.
Já a ministra Ruth Ginsburg, segundo dados coletados na pesquisa, é a menos interrompida das três atuais ministras. A explicação é que, por ser a mais experiente do grupo, diversas vezes ela faz intervenções mais agressivas, não dando espaço para que interrupções aconteçam.
Para os autores do estudo, todo o cenário descoberto na pesquisa sugere que, em vez de se acostumarem a compartilhar o trabalho com mulheres, homens podem ter se tornado mais hostis à presença delas em ambientes que, tradicionalmente, são feitos e ocupados por eles. Além de silenciar as mulheres, o estudo diz que esse comportamento contribui para o fortalecimento de alianças conservadoras, já que decisões novas e sob a influência das mulheres não aparecem como deveriam.
“Isso é consistente com a literatura da ciência social, que ensina que as elites tradicionais, tais como a dos legisladores, se sentem ameaçadas pela entrada de membros não tradicionais em seu domínio e agem mais agressivamente contra as supostas intrusas, em uma tentativa de proteger seus privilégios”, diz o estudo.
Ou seja: não há espaço para ser cortês no Judiciário.
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