Lesão corporal gravíssima pela provocação de aborto: Mais um equívoco da reforma do Código Penal Militar

Cícero Coimbra, renomado autor de Direito Penal Militar, analisa as alterações promovidas pela Lei n. 14.688/2023 no Código Penal Militar, destacando discrepâncias e possíveis inconstitucionalidades.

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19 de Janeiro12 min. de leitura

Cícero Robson Coimbra Neves[1]

Como se sabe, a Lei n. 14.688[2], de 20 de setembro de 2023, alterou vários dispositivos do Código Penal Militar (CPM)[3], alcançando a Parte Geral e a Parte Especial do Código. Não é de agora, também é sabido, que essa reforma do Código Castrense sofre críticas, porquanto não parece ter havido do “legislador reformador” uma visão global, sistêmica, do Direito Penal, pemitindo alterações na lei penal militar que significaram retrocesso na tutela de direitos fundamentais, ou um déficit de punibilidade em relação à legislação penal comum.

Nesta construção, pretende-se apontar mais uma falha, uma alteração que traz grande defasagem acerca da resposta penal, em desfavor do Direito Penal Militar, quando comparado ao Código Penal comum (CP)[4].

Ao alterar o crime de lesão corporal no CPM, a Lei 14.688/2023, primeiro, alterou o § 1º do art. 209, na chamada lesão corporal grave, acrescendo-lhe a produção dolosa do resultado aceleração de parto, para torná-la aproximada à previsão do § 1º do art. 129 do Código Penal comum, especificamente em seu inciso IV. Frise-se, os resultados produzidos, pelo CPM, são dolosos, o que fica evidente não apenas pela grafia da fórmula “produz, dolosamente” no § 1º, como também da análise do § 3º do art. 209, que grafa pena menor, de detenção de um a quatro anos, se os resultados dos §§ 1º e 2º forem produzidos culposamente. Essa fórmula, é bom que se alerte, não existe no Código Penal comum – por isso, foi dito acima “para torná-la aproximada à previsão do § 1º do art. 129 do Código Penal comum”, não idêntica –, o que trará uma diferença considerável na produção do resultado aborto, como se verá adiante, no estudo da lesão gravíssima.

O § 1º do artigo 209 do Código Penal Militar, sob a rubrica lesão grave, na redação original dispunha que a produção dolosa de “perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função, ou incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias”, resultava na pena de reclusão de até cinco anos. Agora incluiu-se a aceleração de parto como resultado qualificador do crime, mantendo-se inalterada a pena, ou seja, reclusão de até cinco anos, obtendo-se a pena mínima na omissão do preceito secundário do tipo penal especial, pela previsão do art. 58 do CPM. Chega-se à conclusão, dessa forma, de que a pena para a lesão corporal grave é de reclusão de um a cinco anos.

Seu § 2º do art. 209 cuida da chamada lesão corporal gravíssima, dispondo: “se se produz, dolosamente, enfermidade incurável, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, incapacidade permanente para o trabalho, ou deformidade duradoura”. Cominava, e ainda comina, a pena de reclusão de dois a oito anos, portanto, outro caso de lesão corporal qualificada. Repita-se que, na dicção do § 2º – assim como na do § 1º, como já apontado – a produção do resultado deve ser dolosa – “produz, dolosamente”, diz a lei penal militar –, matriz diversa, insista-se, daquela prevista no Código Penal comum.

Na mesma linha do § 1º, buscando uma equiparação à lei penal comum, a Lei n. 14.688/2023 alterou o § 2º do art. 209 do CPM, acrescentando a provocação do aborto como resultado a qualificar o delito, aproximando a redação ao inciso V do § 2º do art. 129 do Código Penal comum. Ressalte-se que a matriz do tipo penal comum não grafa a palavra “dolosamente”, o que permite maior liberdade interpretativa, colocando luzes em um problema no Código Penal Militar em relação à produção de aborto, surgido com a reforma desse Código.

Com a edição da Lei n. 14.688/2023, portanto, a provocação de aborto passou a qualificar a lesão corporal no CPM, mas há um problema na expressa previsão do Código Penal Militar em relação ao Código Penal comum. Neste, a provocação do aborto apresenta-se como resultado culposo, embora se exija que o agente conheça o estado de gravidez da vítima, o que é possível porque a matriz do § 1º do art. 129 do CP não traz expressamente a provocação dolosa, como o faz o CPM, chancelado, ademais, pela disposição do § 3º do art. 209. Nesse sentido, destaque-se a lição de Rogério Sanches Cunha:

e) Aborto: por fim, considera-se de natureza gravíssima a lesão se dela resulta o abortamento (V). Aqui, pune-se a lesão a título de dolo e o abortamento (interrupção da gravidez) a título de culpa (crime preterdoloso ou preterintencional). Não se confunde com o art. 127, 1ª parte, retratando esta situação completamente oposta.

A diferença está retratada, de maneira ímpar, nas lições de Nélson Hungria:

“Há que se distinguir entre a hipótese do inciso V do § 2º do art. 129 e a do art. 127, 1ª parte, pois há uma inversão de situações: na primeira, a lesão é querida e o aborto não; na segunda, é que é o resultado visado, enquanto a lesão não é querida, nem mesmo eventualmente”.

É indispensável que o agente tenha conhecimento da gravidez da vítima (ou que sua ignorância tenha sido inescusável), jamais querendo ou aceitando o resultado mais grave, caso em que haveria o abortamento criminoso (art. 125 do CP)[5].

Nessa mesma linha está Victor Rios Gonçalves:

O aborto deve ter sido consequência culposa do ato agressivo. Com efeito, a lesão gravíssima em análise é exclusivamente preterdolosa, pressupondo dolo na lesão e culpa no aborto, na medida em que, se o agente atua com dolo em relação à provocação do aborto, responde por crime mais grave, de aborto sem o consentimento da gestante (art. 125 do CP).

O agente deve saber que a vítima está grávida para que não ocorra punição decorrente de responsabilidade objetiva.

Vejam-se os seguintes julgados: “Para a configuração do delito previsto no art. 129, § 2º, V, do CP, é indispensável que o agente tenha conhecimento da gravidez da vítima ou que sua ignorância quanto a ela seja inescusável” (TJSP — Rel. Cunha Camargo — RT 556/317); “Indispensável ao reconhecimento do delito do art. 129, § 2º, V, do CP, é a existência de laudo médico-pericial que estabeleça nexo causal entre as lesões sofridas pela vítima e o abortamento” (Tacrim-SP — Rel. Baptista Garcia — Jutacrim 49/278) [6].

Pois bem, partindo-se para exemplos de simples visualização no Direito Penal comum, pode-se idealizar as seguintes situações: a) imaginando que um agente tenha dolo de praticar aborto em uma gestante e passe a agredi-la, estará sujeito, no Código Penal, a uma pena de reclusão de três a dez anos; b) caso lhe inflija, culposamente, lesões corporais que, em decorrência da conduta, provoquem abortamento, conhecerá majoração de um terço, pela primeira parte do art. 127 do Código Penal comum; c) caso as lesões na gestante sejam dolosas e não abarcadas pelo curso causal da provocação do aborto, poderá haver, de acordo com o caso concreto, concurso de crimes, considerando-se o crime de aborto do art. 125 e o crime de lesão corporal do art. 129, em uma de suas modalidades; por exemplo, o agente pode mutilar o braço da gestante, querendo, primeiro, provocar-lhe lesão corporal gravíssima e, depois, praticar nova agressão diretamente provocadora de aborto; d) caso o agente deseje provocar lesões corporais em uma vítima gestante, conhecendo esse seu estado de gravidez, mas não queira o abortamento, mas este ocorra, somente nesse caso é que haverá a subsunção da conduta no inciso V do § 2º do art. 129 do CP, como lesão corporal gravíssima, com pena de reclusão de dois a oito anos.

No caso do Código Penal Militar, com matriz diversa, a provocação de lesão corporal e do aborto no mesmo contexto, sendo ambos desejados, sofrerá resposta bem aquém daquela vislumbrada no Código Penal. Verifica-se, na aplicação dessa matriz, pela expressa previsão da construção “produz, dolosamente…aborto”, trazida pela Lei n. 14.688/2023, combinando-se o § 3º do art. 209, também alterado pela lei reformadora de 2023, uma evidente proteção deficiente, pois, a priori, a provocação do aborto na lesão corporal não é culposa, mas dolosa, não significando modalidade preterdolosa. Pior, a preterdolosa, pelo § 3º do art. 209 do CPM conhecerá uma pena abstrata significativamente menor. Assim, um militar da ativa que, no interior do quartel, passe a agredir uma gestante, também militar da ativa, querendo provocar-lhe lesão corporal com a consequência do aborto – este também desejado –, pode ter sua conduta subsumida no § 2º do art. 209 do CPM, com pena em abstrato de reclusão de dois a oito anos, ou seja, menor do que aquela a que estaria sujeito com a aplicação do Código Penal comum, que seria de reclusão de três a dez anos, isso se não resultar uma lesão corporal culposa na gestante, quando conheceria a majoração de um terço. Mais, ainda, o delito, doloso na provocação do aborto, por estar como forma qualificada de lesão corporal, estaria fora da competência do Tribunal do Júri, uma outra grande impropriedade.

Naturalmente, não se pode admitir por adequada essa interpretação no Direito Penal Militar, pois se o abortamento era desejado pelo agente, configurando-se crime doloso (contra a vida), a subsunção deve ser em crime de aborto e não de lesão corporal com resultado abortamento, em regra, processado e julgado no Tribunal do Júri, mesmo se tratando de crime militar (art.9º, § 1º, do CPM).

Mas a discrepância ainda segue na conduta preterdolosa. Caso o aborto seja um resultado não desejado, o militar autor do fato sairia da matriz do § 2º do art. 209 do CPM – cuja pena, aí sim, lhe seria adequada, como o é a do Código Penal comum, com reclusão de dois a oito anos – e teria sua conduta subsumida no § 3º do mesmo artigo, na chamada lesão qualificada pelo resultado, decaindo ainda mais a resposta penal, ficando sujeito a uma pena de detenção de um a quatro anos.

Assim, caminharia melhor o legislador reformador se, na redação de 2023, retirasse a expressão dolosamente do § 2º do art. 209 do CPM – e também do § 1º do mesmo artigo –, além de revogar o § 3º, igualando as redações dos Códigos Penais, evitando respostas penais díspares.

Enquanto esta falha não é corrigida, a melhor compreensão é a interpretação no sentido de que a expressão “dolosamente” mostra-se inconstitucional em relação à provocação do aborto no § 2º do art. 209 do CPM, justamente por ofensa ao princípio de vedação à proteção deficiente. Também se mostra inconstitucional, sob esse prisma, o § 3º do art. 209, afinal, sabe-se que

o princípio da proporcionalidade tradicionalmente traduz-se na proibição do excesso/ubermassverbot (garantismo negativo). Entretanto, atualmente a doutrina vem apontando uma nova face da proporcionalidade, qual seja, a proibição da proteção deficiente (garantismo positivo). O sistema de proteção dos direitos fundamentais se expressa em proteção negativa (proteção do indivíduo frente ao poder do Estado) e proteção positiva (proteção, por meio do Estado, dos direitos fundamentais contra ataques e ameaças provenientes de terceiros)[7].

Nesse viés, tem-se que não se pode mais aceitar normas penais que apresentem tutela insuficiente de direitos consagrados como bens jurídicos, mormente de relevo constitucional evidente, como no caso em estudo. Tais normas devem ser afastadas pela busca de soluções consentâneas com a ordem constitucional. Isso é mais gritante ainda quando a norma penal militar, aquela que pretensamente deveria conter condutas ilícitas de agentes públicos que assimilam a condição de garantidores de bens jurídicos dos cidadãos, apresenta um déficit de punibilidade em relação à norma penal comum.

Em uma frase, se a repressão penal deve ser mais rígida diante da prática de crimes, deve ser em relação àquele que preserva a ordem pública tanto de forma perene (art. 144, § 5º da Constituição Federal) quanto eventualmente (art. 142 da Constituição Federal). Verdade que não são apenas eles os jurisdicionados, mas principalmente eles o são em âmbito da Justiça Militar da União e somente eles o são nas Justiças Militares dos Estados e do Distrito Federal, o que dá relevo ao argumento.  

Dessa maneira, o § 2º do art. 209 do CPM, como lesão corporal gravíssima, deve ficar restrita ao abortamento culposo, sabendo o agente do estado de gravidez da vítima. Nos casos de provocação dolosa, sendo inconstitucional a fórmula expressa no CPM, deve-se aplicar o art. 125, combinando-se, quando o caso, o art. 127, ambos do CP, como crime militar extravagante, quando presente uma das hipóteses das alíneas do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar.

Esta linha de raciocínio pode, por exemplo, ser sustentada no controle difuso de constitucionalidade, enquanto não se corrige a deformidade apontada, buscando-se forma proporcional de aplicação do Direito Penal Militar no caso concreto.

O mesmo problema aqui apontado ocorre na lesão corporal qualificada do § 1º do art. 209 do CPM, quando há por resultado o perigo de vida, em que a produção dolosa desse resultado há de levar a subsunção para, minimamente, a tentativa de homicídio simples, com pena cominada de seis a vinte anos de reclusão, ainda que se conheça a redução de um a dois terços do parágrafo único do art. 30 do CPM, e não de reclusão de um a cinco anos, como na lesão corporal grave.

Viu-se que o § 3º do art. 209 do CPM também traz um problema quando conjugado com a provocação dolosa do aborto na pretensa lesão corporal gravíssima. Mas ele, o § 3º, também foi alterado pela Lei n. 14.688/2023. Na rubrica antiga, o § 3º do art. 209 do CPM trazia as chamadas lesões qualificadas pelo resultado e, hoje, apenas colocou a rubrica no singular, mudando um pouco a estrutura do dispositivo. Na redação original, cominava-se pena de detenção de um a quatro anos se “os resultados previstos nos §§ 1º e 2º forem causados culposamente”, ou seja, consagrava-se as formas preterdolosas dos resultados previstos nas lesões corporais grave e gravíssima, o que ratificava que a produção do resultado nos §§ 1º e 2º era dolosa. O mesmo parágrafo previa, ainda, pena de reclusão de até oito anos – pela aplicação do art. 58 do CPM, seria reclusão de um a oito anos – se “da lesão resultar morte e as circunstâncias evidenciarem que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”, em outra modalidade preterdolosa.

Agora, após a Lei n. 14.688/2023, houve uma cisão no § 3º, que em sua nova redação dispõe que, se os resultados previstos nos §§ 1º e 2º do art. 209 forem causados culposamente, a pena será de detenção de um a quatro anos, ou seja, nada de substancial mudou, consagrando-se, nesse parágrafo, espécies preterdolosas e ratificando espécies dolosas no resultado nos §§ 1º e 2º, devolvendo o problema discutido acima, na provocação dolosa do aborto. Nessa cisão do antigo § 3º, surge o § 3º-A para tratar de forma destacada o resultado morte, também culposo (forma preterdolosa), dispondo que se da “lesão resultar morte e as circunstâncias evidenciarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo”, a pena será de reclusão de quatro a doze anos, equiparando a resposta ao § 3º do art. 129 do Código Penal comum.

Ainda que o § 3º do art. 209 do CPM, sem par no Código Penal, estabeleça pena menor do que aquela conferida aos §§ 1º e 2º, constitui, sim, uma forma qualificada, em razão de aumentar os limites das penas mínima e máxima do preceito secundário do tipo penal simples, no caput do art. 209. Tem-se a modalidade preterdolosa, ou seja, a provocação de uma lesão estava compreendida na representação feita pelo agente, mas não o resultado de extrema proporção contido na lesão corporal grave ou gravíssima.

Sustentou-se acima que o § 3º seria inconstitucional em relação à provocação do aborto, na lesão corporal prevista no § 2º do art. 209, mas será que também o seria em relação aos demais resultados dos §§ 1º e 2º?

Para responder a essa questão, entenda-se que as formas qualificadas dos §§ 1º e 2º do art. 209, ao menos em sua descrição objetiva, estão equiparadas às formas dos §§ 1º e 2º do art. 129 do Código Penal comum. Nesse Código, já se assinalou, não há a matriz de que os resultados devem ser praticados dolosamente, enquanto que no CPM há a previsão expressa nos §§ 1º e 2º, com a ratificação do § 3º, todos do art. 209.

Sem a expressa vinculação da prática dolosa do resultado, também como dito, no Código Penal comum há uma maior liberdade para a interpretação das formas qualificadas, que podem ser assimiladas sob a forma dolosa e preterdolosa, ou seja, com o resultado produzido dolosa ou culposamente. Nesse sentido, vejamos as lições de Rogerio Sanches Cunha, ao comentar o § 1º do art. 129 do CP:

O presente parágrafo traz lesões qualificadas pelo resultado, podendo o evento ser querido ou aceito pelo agente (dolo, direto ou eventual) ou culposamente provocado (culpa), hipótese configuradora de preterdolo. Excepcionalmente, porém, algumas qualificadoras são punidas somente a título de preterdolo, pois, se dolosas também no consequente, outro será o delito. São elas o perigo de vida (§ 1º, II) e abortamento (§ 2º, V), que logo analisaremos[8].

Vê-se, de pronto, que, com a liberdade que se tem no Código Penal comum, a doutrina elege uma premissa bem coerente: se no resultado consequente houver dolo e esse resultado, por si só, configurar delito autônomo, deverá haver subsunção no delito específico.

Sob esse prisma, os §§ 1º e 2º seriam inconstitucionais, diante da vedação à proteção deficiente, como acima se sustentou, para os resultados perigo de vida e abortamento, de maneira que esses resultados seriam compreendidos apenas sob a forma culposa, tornado inconstitucional o § 3º também nesses casos, por grafar uma pena muito aquém daquela permitida no Código Penal comum. Em suma, para esses dois resultados, culposos, dever-se-ia aplicar as penas dos §§ 1º e 2º do art. 209, e não a matriz do § 3º do mesmo artigo. Para os demais resultados, o § 3º traz uma resposta penal muito menor que a do Direito Penal comum, nos casos de resultado culposo, acentuando o déficit comparativo, o que pode ser visto sob aspectos diversos.

Exemplificativamente, na lesão corporal que cause inutilização de membro, com resultado provocado dolosamente, a resposta penal será igual nos dois Códigos, pois será aplicada a matriz do § 2º do art. 209 do CPM e do inciso III do § 2º do art. 129 do CP, em ambos os casos, com pena de reclusão de dois a oito anos. Porém, no caso de resultado culposo, no Código Penal comum, a resposta penal será a mesma, enquanto no Código Penal Militar será chamada a aplicação do § 3º, em que a pena será de detenção de um a quatro anos.

Esta distinção, como assinalado, pode ser enxergada sob aspectos diversos: não pode haver resposta penal diversa em situações análogas na comparação entre código penal comum e militar, o que leva a uma sensação de que há uma proteção deficiente no Código Penal Militar. Por outro veio, o resultado culposo não merece a mesma pena que o resultado doloso e, nessa linha, caminhou bem o CPM ao diferenciar a resposta penal, graduando-a à luz do princípio da culpabilidade.

Parece que a segunda visão tem maior apelo e será difícil convencer que a norma penal militar vai de encontro a princípios constitucionais, diversamente do que ocorre nos casos da subsunção, mais adequada nos crimes de aborto e homicídio tentado, em que a argumentação pode parecer próxima, mas é diversa.

Enfim, resta evidente que a alteração nos dispositivos apontados traz um desequilíbrio, um hiato grande entre as respostas penais do Código Penal Militar e do Código Penal comum, e espera-se que esta análise possa fomentar debates mais aprofundados sobre o tema e futura correção da norma penal militar.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Marcelo André de. Direito penal: parte geral. 2. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011.

BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm. Acesso em: 16 jan. 2024.

BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 16 jan. 2024.

__________. Presidência da República. Lei n. 14.688, de 20 de setembro de 2023. Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=14688&ano=2023&ato=650ETSq50MZpWT33a. Acesso em: 16 jan. 2024.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial. Salvador: Juspodivm, 2020.

GONÇALVES, Victor Eduardo R. Direito penal: parte especial. (Coleção Esquematizado). São Paulo: Saraiva, 2023. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553627345/. Acesso em: 24 dez. 2023.

NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar. Salvador: Jus Podivm, 2023.


[1] Promotor de Justiça Militar. Mestre e doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Ciências Policias de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

[2] BRASIL. Presidência da República. Lei n. 14.688, de 20 de setembro de 2023. Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=14688&ano=2023&ato=650ETSq50MZpWT33a. Acesso em: 16 jan. 2024.

[3] BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm. Acesso em: 16 jan. 2024.

[4] BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 16 jan. 2024.

[5] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 131.

[6] GONÇALVES, Victor Eduardo R. Direito penal: parte especial. (Coleção Esquematizado). São Paulo: Saraiva, 2023, p. 91.

[7] AZEVEDO, Marcelo André de. Direito penal: parte geral. 2. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011, p. 67.

[8] CUNHA. Manual de direito penal, op. cit., p. 125.

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