Medida Provisória para retaliação unilateral na OMC em caso de “apelação no vazio” pela parte perdedora

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04 de fevereiro4 min. de leitura

Extra, extra, meus queridos!

Tudo na paz?

Trago notícias fresquinhas para vocês.

Vocês lembram das nossas aulas de Comércio Internacional, em que eu falava que o Órgão de Apelação da OMC estava esvaziada porque o governo dos EUA não indicava juízes para este Tribunal?

Pois é. Este Órgão de Apelação que é o conhecido Tribunal da OMC ainda está totalmente inoperante. Mesmo assim, alguns países que perdem disputas estão “malandramente” apelando para esta corte esvaziada, ainda que saibam que não há juízes para julgarem o caso em segunda instância. Essa então é a chamada “apelação no vazio”, ficando o processo num limbo jurídico, sem que o país ganhador possa solicitar retaliação dentro da OMC para fazer valer a decisão…

Logicamente os países que fazem isso não são partes daquele mecanismo de arbitragem interina provisória, feito fora da OMC (MPIA – Multi-Party Interim Appeal Arrangement), pois caso o fossem, teríamos um segundo grau de decisão, ainda que fora da OMC.

Para contornar a situação dos países “malandros”, que buscam não aplicar as recomendações dos painéis, o Brasil, no dia 27 de janeiro de 2022, publicou a Medida Provisória (MP) nº 1.098, de 26 de janeiro de 2022, que permite uma retaliação de forma unilateral pelo Brasil. Assim, mesmo num caso de apelação pendente de análise (e consequentemente sem autorização da OMC para retaliar), o Brasil poderá de forma unilateral usar da retaliação (suspensão de concessões da OMC) como instrumento de pressão.

A MP, portanto, dispõe sobre procedimentos de suspensão de concessões ou de outras obrigações na hipótese de descumprimento de obrigações multilaterais por membro da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Na primeira parte ela aborda justamente da competência da Camex para suspender concessões num caso normal, isto é, com painel ou apelação circulados e adotados entre os membros (com autorização do Órgão de Solução de Controvérsias pelo não cumprimento da decisão).

Além disso, traz para a Camex a competência para dispor sobre suspensão de concessões (retaliação) quando houver apelação pela parte perdedora, que não possa ser analisada (no vazio), e depois de esgotado prazo de 60 dias da notificação de intenção de suspensão de concessões:

Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre procedimentos de suspensão de concessões ou de outras obrigações na hipótese de descumprimento de obrigações multilaterais por membro da Organização Mundial do Comércio – OMC.

Art. 2º Compete à Câmara de Comércio Exterior – CAMEX suspender concessões ou outras obrigações do País, nas seguintes hipóteses de descumprimento de obrigações multilaterais por membro da OMC:

I – quando a República Federativa do Brasil for autorizada pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC a suspender a aplicação de concessões ou de outras obrigações para o referido membro previstas em acordos da OMC; ou

II – quando o relatório de grupo especial da OMC confirmar, no todo ou em parte, as alegações apresentadas pela República Federativa do Brasil, na condição de parte demandante, desde que:

a) exista apelação pelo membro da OMC, na condição de parte demandada, nos termos do disposto no Artigo 17 do Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias, constante do Anexo 2 à Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, promulgada pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994;

b) a apelação não possa ser apreciada pelo Órgão de Apelação ou o relatório deste último não possa ser aprovado pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC; e

c) tenha decorrido o prazo de sessenta dias após notificação da República Federativa do Brasil ao membro da OMC demandado sobre a intenção de suspensão de concessões ou de outras obrigações.

Parágrafo único. Na hipótese prevista no inciso II do caput, a suspensão de concessões ou de outras obrigações não será superior à anulação ou aos prejuízos causados aos benefícios comerciais do País pelo referido Membro da OMC.

Art. 3º No que se refere a medidas de suspensão de concessão ou de outras obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual, será observado o disposto na Lei nº 12.270, de 2010. [grifou-se]

 

Ademais, a MP altera a Lei nº 12.270, de 24 de junho de 2010, que foi criada para permitir a retaliação no caso do algodão, ganho pelo Brasil contra os EUA. Da mesma forma que o artigo anterior, aqui, a MP altera o marco legal da retaliação (Lei nº 12.270/2010), passando a constar a possibilidade de suspensão de concessões de forma unilateral pelo Brasil. Para tanto, é preciso 3 (três) condições: (i) que haja apelação pela parte perdedora; (ii) que este recurso não possa ser analisada pelo Órgão de Apelação (no vazio); e, (iii) que se esgote o prazo de 60 dias da notificação de intenção de suspensão de concessões:

 

Art. 4º A Lei nº 12.270, de 2010, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre medidas de suspensão de concessões ou de outras obrigações do País relativas aos direitos de propriedade intelectual e outros, na hipótese de descumprimento de obrigações multilaterais por membro da Organização Mundial do Comércio – OMC, nas seguintes hipóteses:

I – a República Federativa do Brasil for autorizada pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC a suspender a aplicação de concessões ou de outras obrigações para o referido membro previstas em acordos da OMC; ou

II – o relatório de grupo especial da OMC confirmar, no todo ou em parte, as alegações apresentadas pela República Federativa do Brasil, na condição de parte demandante, desde que:

a) exista apelação pelo membro da OMC, na condição de parte demandada, nos termos do Artigo 17 do Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias, constante do Anexo 2 à Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, promulgada pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994;

b) a apelação não possa ser apreciada pelo Órgão de Apelação ou o relatório deste último não possa ser aprovado pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC; e

c) tenha decorrido o prazo de sessenta dias após notificação da República Federativa do Brasil ao membro da OMC demandado sobre a intenção de suspensão de concessões ou de outras obrigações.

Parágrafo único. Na hipótese prevista no inciso II do caput, a suspensão de concessões ou de outras obrigações não será superior à anulação ou aos prejuízos causados aos benefícios comerciais do País pelo referido membro da OMC.” (NR)

“Art. 10. As medidas de que trata esta Lei terão prazo determinado e serão adotadas somente enquanto perdurar a autorização do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, na hipótese prevista no inciso I do caput do art. 1º, ou enquanto não puder ser concluída apelação nos termos do disposto no Artigo 17 do Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias, na hipótese prevista no inciso II do caput do art. 1º.

……………………………………………………………………………………………………………..” (NR)

Art. 5º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

 

Na prática, a MP permite ao país retaliar nos casos contra Indonésia (disputa do frango) e Índia (disputa do açúcar), servindo como elemento de pressão contra esses países para se porem em conformidade à decisão da OMC de primeira instância (painel), em que pese essa pressão por meio da retaliação não tenha sido legitimada por autorização do Órgão de Solução de Controvérsias.

Por fim, cumpre destacar que, tal como prescreve as normas de retaliação da OMC, essa suspensão das concessões como forma de retaliação não pode ultrapassar o montante dos prejuízos causados ou benefícios comerciais obtidos pelo país que aplicou a medida reprovada pela OMC.

E aí?

Gostaram da novidade?

Será que os países perdedores agora irão cumprir com a decisão da OMC?

Aguardemos cenas dos próximos capítulos.

Aquele abraço!

 

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04 de fevereiro4 min. de leitura