Momento Filosofia OAB: a filosofia do mito do dado

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30 de agosto2 min. de leitura

Caras e caros colegas,

Hoje abordaremos uma das polarizações mais importantes da filosofia, qual seja: a discussão entre os céticos e os pragmáticos. E o faremos com base no texto Ceticismo, Pragmatismo e a crítica de Sellars ao “Mito do Dado”, de Paulo Margutti, que pretende colocar em contato os pontos comuns ao ceticismo e ao pragmatismo enquanto correntes filosóficas, utilizando-se da crítica de Sellars ao clássico “Mito do Dado”.

A ideia de “Mito do Dado” consiste em uma crítica geral a todas as filosofias baseadas no quadro mental ligado ao que é “dado”, que seria algo com valor filosófico apreendido diretamente pelo sujeito. Trata-se, pois, de um conhecimento que não pressupõe outros conhecimentos. Ou seja, o dado seria autônomo, independendo de processos cognitivos que os produza.

Segundo Sellars, tais teorias partem do pressuposto de que a apreensão sensível de um determinado conteúdo sensorial pode constituir uma forma de conhecimento sem envolver o uso de conceitos. Ou seja, que exclusivamente através dos sentidos seria possível conhecer. Exemplificando: para essa linha filosófica, apreender o conteúdo sensorial vermelho ‘y’ envolve, de algum modo, o conhecimento de que o conteúdo sensorial ‘y’ é vermelho, o que representa um paradoxo.

Em síntese, o “mito do dado” pressupõe que a apreensão do conteúdo sensorial é, ao mesmo tempo, não-cognitiva (enquanto mera sensação, que não envolve a aplicação de conceitos) e cognitiva (enquanto algo mais que a mera sensação, que envolve a aplicação de conceitos). Fazendo com que Sellars conclua que o “conceito de ‘dado’ sensível é um mito e não pode constituir o conteúdo e, portanto, o fundamento do conhecimento empírico” (p. 141).

E o que tal crítica representa no campo do saber filosófico? Bem, para Paulo Margutti, significa tanto a descoberta de que as nossas sensações não possuem valor cognitivo, ao contrário do que pensavam os filósofos tradicionais, quanto a constatação de que a inexistência do “dado sensível” envolve o apelo a interações de tipo causal para explicar como conhecemos o mundo.

Paulo Margutti enfatiza que grande parte da responsabilidade pela mudança de paradigma filosófico se deve a Sellars, por dois motivos principais: primeiro, porque a crítica ao “mito do dado” possui uma dimensão cética de enorme poder desconstrutivo, mas está a serviço de um filósofo sistemático por excelência, cuja obsessão em compatibilizar doutrinas opostas sugere a tendência a algum tipo de ecletismo filosoficamente indesejável; por fim, porque a terminologia filosófica contemporânea está toda ela contaminada pela aceitação mais ou menos implícita do “mito do dado,” fato este que aumenta enormemente os obstáculos de Sellars em sua tarefa de construir com coerência uma abordagem sistemática e, por vezes, gera resultados aparentemente inconsistentes.

É extremamente difícil para o leitor não familiarizado com as discussões epistemológicas mais atuais perceber toda a importância da doutrina de Sellars, mesmo porque as suas ideias não são muito conhecidas no Brasil. A sensação que posso compartilhar ao entrar em contato com suas idéias é que elas representam, ao mesmo tempo, um certo ineditismo, mas também um desafio, levando ao questionamento.

E não é exatamente esse o papel da filosofia? Questionar?

Bem, espero que vocês tenham gostado.

Até breve,

Chiara Ramos

Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012. Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.

 

Referência:

MARGUTTI, Paulo R. Ceticismo, Pragmatismo e a crítica de Sellars ao “Mito do Dado”. Colóquio sobre Ceticismo, Curitiba, 1999, pp. 137-156.

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