Momento Filosofia OAB: O pensamento escolástico sobre a natural hierarquia entre os seres

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pensamento escolásticoGran OAB | Cursos Online
Vivemos em uma sociedade complexa, mundial e multicêntrica, cujos problemas dificilmente podem ser solucionados de forma não reflexiva. Problemas complexos só podem ser solucionados por meio de pensamentos complexos, não redutores. Nesse contexto, as clássicas dicotomias da teoria do direito vivenciam um momento de crise e ressignificação. Em português claro: diante da complexidade atual, tornam-se cada vez mais tênues as linhas que separam o público do privado, o sujeito do objeto, o justo do injusto, e assim por diante.
Nesse contexto, muito se tem discutido sobre os chamados novos sujeitos de direito, dentre os quais destacamos os animais e o meio ambiente. São cada vez mais atuantes e crescentes os movimentos sociais em favor do bem-estar animal, contra a crueldade e a favor do meio ambiente. A cada dia, mais pessoas tornam-se veganas ou vegetarianas e se manifestam contra a escravidão animal.
Nesse contexto, surge a questão: os animais podem ser encarados como sujeitos de direito? Ou seriam objetos a mercê dos seres humanos? Pretendemos levar você à reflexão com uma série de 7 (sete) textos sobre o assunto, começando, para não perder o costume, pelo pensamento grego.
A tradição ocidental, desde muito cedo, excluiu os animais de quaisquer considerações morais, sendo os sofistas gregos os primeiros a se afastarem da perspectiva cosmocêntrica defendida pelos chamados pensadores pré-socráticos ou filósofos da natureza.
Esclarecendo o que se entende por cultura cosmocêntrica, remontamos à Escola de Mileto, para a qual a vida seria uma contínua transformação, defendendo a dinâmica das coisas, a evolução das espécies e, sobretudo, a origem animal do homem, nos mostrando “uma dimensão do pensamento mais originária do que as dicotomias e dualismos que marcaram o desenvolvimento da filosofia ocidental” (UNGER in CARVALHO; GRÜN; TRAJBER, 2009, p. 25).
Neste contexto, o homem seria parte integrante do Cosmos, do Universo, não possuindo qualquer tipo de autonomia diante da imensidão. Mesmo as construções teóricas a respeito da nomos (lei), considerada aspecto essencial da vida civilizada, fundamento da polis grega, desenvolviam-se com base nas leis da natureza.
Diferentemente desta perspectiva cosmocêntrica, sofistas, como Protágoras, debruçaram-se unicamente sobre a questão do homem, fazendo nascer a cultura antropocêntrica, deslocando a questão do conhecimento do cosmos para o homem, que passa a ser referencial de medida para todas as coisas, das que são como são e das que não são como não são (MARCONDES, 2004, p. 44).
Apesar da ferrenha crítica ao relativismo sofista, os filósofos socráticos caminharam em sentindo semelhante no que diz respeito à importância do humanismo, afirmando Sócrates que a questão fundamental da filosofia não corresponderia à compreensão da natureza e de seus fenômenos, mas se relacionaria com o estudo do homem em sociedade. É a famosa máxima do “conhece-te a ti mesmo”, que difunde inquestionavelmente a concepção de conhecimento a partir do próprio homem.
Neste contexto, o homem passa a ser objeto de si mesmo, reconhecendo-se livre, o que não aconteceria, segundo Sócrates, com os animais, que não podem exercitar esse autoconhecimento. Não se sabendo livres, os animais se colocariam na posição de escravos, contentando-se com a escravidão, uma vez que são incapazes de pensar como um “eu”, podendo ser controlados através do medo e da dor (SANTANA, 2006, p. 54).
Mais do que isso, os homens se diferenciariam dos animais por seu espírito. Segundo a concepção socrática, todos os animais possuiriam alma, mas apenas o homem teria um espírito. Além disso, acreditava-se que, no corpo dos animais, teria abrigo a alma de homens não virtuosos.
Trilhando caminho semelhante ao seu mestre, Platão também distingue entre três espécies de alma, que seriam de um lado o desejo e a disposição, presentes nos homens, crianças, escravos e animais, que permite a compreensão de pensamentos simples como “meu senhor está vindo em minha direção”; e, de outro, o pensamento, exclusividade dos homens.
Desta forma, a alma teria o sentido de substância ou causa, sendo vista como “a mais importante atuação de um corpo com uma vida em potência, mas que, diferentemente do espírito, não pode dele separar-se, já que constitui a sua própria atividade.
Mantendo os mesmos pressupostos de Platão quanto à existência da alma, Aristóteles entendeu que o espírito seria uma espécie de alma intelectual, que poderia ser subdividida em espírito passivo, que se relacionaria com a alma sensitiva, e em espírito ativo, que produziria o pensamento, “assim como a luz conduz as cores do estado de potência ao ato” (ARISTÓTELES, 2001, p. 112-113).
Portanto, desprovidos da alma sensitiva, não possuindo intelecção ou raciocínio, os animais não mereceriam qualquer consideração ética. Segundo a concepção aristotélica, os animais possuiriam alma sensitiva, uma vez que possuem sentimentos, mas não possuiriam alma imaginativa, a inteligência, pertencente exclusivamente ao homem, único capaz de elaborar um discurso e de viver na polis.
Sendo assim, a superioridade do homem em relação ao animal se daria, sobretudo, pelo dom da palavra, sendo natural, portanto, o domínio do homem sobre o animal, da mesma forma que também seria natural o domínio de um homem que só tem força física por aquele que tem ideias. Nesse contexto de dominação, o animal se inclui na sociedade de forma equiparada ao escravo. Em suas próprias palavras: “A família se formou da mulher e do boi feito para lavra. O boi serve de escravo aos pobres” (ARISTÓTELES, 1951, p. XLV).
A grande cadeia dos seres criada com base nessa lógica de dominação faz o homem grego aparecer logo após os deuses, que estariam em seu topo, seguido da mulher, das crianças, dos loucos e dos escravos, em ordem decrescente de parcela de espírito racional. Por fim, na base da pirâmide, encontram-se os animais, que não possuiriam espírito. Neste contexto, os seres que se posicionam na base da cadeia existiriam para servir aos que se encontram nos degraus mais elevados. Dessa forma, a posição dada aos animais é ainda mais penosa, uma vez que, embora reconheça que eles sentem dor e prazer, aprendem e experimentam os fenômenos, Aristóteles defende que eles são privados de um mundo espiritual, sendo incapazes de distinguir um ato de justiça e um ato de injustiça, não merecendo qualquer consideração moral (ARISTÓTELES, 2001, p. 114).
Mesmo os estoicos, defensores da ideia de que todos os seres vivos são parte integrante da ratio universal, estando sujeitos ao mesmo Deus e à mesma lei, fizeram a ressalva de que a justiça estaria reservada apenas aos seres racionais, excluindo os animais desse universo.
Conclui-se, portanto, que o patrimônio conceitual da sociedade helênica, ou seja, o conjunto de formas utilizáveis para a função de seleção dos conteúdos de sentido, não possui o tema direito subjetivo animal à disposição para emissão da comunicação. Dito de outra forma, o conceito de direito animal não faz parte dos significados de sentido condensados e reutilizáveis disponíveis para a emissão da comunicação.
E você? Concorda com os gregos?
Espero que tenham gostado. Até a próxima.
Foco, força e fé.
Chiara Ramos


Chiara Ramos – Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
 


 

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