O Direito da Sociedade: A necessária constitucionalização do Direito Administrativo

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22 de maio3 min. de leitura

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O momento constitucional contemporâneo, que alguns convencionaram chamar de neoconstitucionalismo, tem como ideia central a força normativa e a eficácia irradiante do Direito Constitucional. E o que significa isso, Chiara? Significa que a Constituição não é norma política ou mera orientação não vinculante, pelo contrário, é norma fundamental, e todos os demais ramos do direito devem se alinhar às suas diretrizes e princípios.

Nesse contexto, destacamos um outro paradoxo do Direito Administrativo, que é a sua fuga do Direito Constitucional (BAQUER, 1996, 215). Apesar de a Constituição pretender regular a atuação da Administração Pública, com dispositivos expressos, que estabelecem princípios, regras e limitações ao seu funcionamento (no CAPÍTULO VII da Constituição Federal), temos na prática um enorme problema de concretização dessas normas. Para citar um único exemplo, o art. 37, X, prevê que a remuneração dos servidores públicos será revisada anualmente, o que na prática material nunca aconteceu.

Além disso, a formulação teórica do Direito Administrativo se afasta muito da Teoria do Direito Constitucional. Quase não há uma transversalidade entre os dois ramos do Direito, tanto no que se refere às suas teorias, quanto à prática administrativa. Nesse contexto, fala-se em “fuga do Direito Constitucional”, o que se percebe pela ausência de debates acerca da constitucionalização do Direito Administrativo, a exemplo do que ocorre com o Direito Civil, sobretudo a partir do “neoconstitucionalismo”.

O neoconstitucionalismo é um movimento teórico que surge pós-Segunda Guerra Mundial, o que traz uma carga muito ideológica ao movimento, que tenta ser uma contraposição ao positivismo jurídico, que tem como base de sustentação a ideia de que o próprio direito se autofundamenta, promovendo uma cisão entre direito e justiça, entre direito e valor, o que constitui um dos dogmas do positivismo jurídico. Tal cisão permitiu que, no âmbito da Segunda Guerra Mundial, o holocausto alemão fosse entendido como juridicamente válido, como lícito, pois autorizado por autoridades competentes, fundamentado em norma superior válida.

Mesmo diante da dificuldade de caracterização do movimento, costuma-se atribuir ao neoconstitucionalismo, dentre outras particularidades: a reaproximação entre direito e justiça, fundada na filosofia pós-positivista; o reconhecimento da força normativa da constituição; a centralidade da Constituição, com a consequente constitucionalização do direito; a prevalência dos princípios sobre as regras; a substituição da subsunção pelo sopesamento; a prevalência da justiça particular sobre a justiça geral; o protagonismo do judiciário, destacando-se o seu papel no controle de constitucionalidade (RAMOS, 2014).

Como já afirmado, ressalta-se, no contexto contemporâneo, a centralidade da Constituição, como norma que irradia eficácia sobre todo o direito, buscando preservar a dignidade da pessoa humana como pressuposto para garantia dos direitos fundamentais. Sendo assim, mostra-se totalmente incoerente o afastamento do Direito Administrativo dessa perspectiva constitucional, uma vez que a atuação da Administração Pública pode representar a efetivação ou a violação de tais direitos.

Ora, se a teoria do Direito Civil que, teoricamente, regulamenta relações entre sujeitos na mesma posição jurídica passa a incluir a sistemática constitucionalista de proteção dos direitos fundamentais nas suas discussões teóricas, desenvolvendo temáticas relevantes, tais como a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, não se justifica esse distanciamento entre o Direito Administrativo e o Direito Constitucional, uma vez que aquele regulamenta relações verticais, entre Administração e administrados, sendo ainda mais necessária a conexão com os princípios constitucionais.

Alguns autores já tratam da constitucionalização do Direito Administrativo, dentre eles, ressaltamos a contribuição de Luís Roberto Barroso, que, tomando por base a Constituição brasileira, afirma que devem ser considerados três conjuntos de circunstâncias para se compreender a constitucionalização do Direito Administrativo, quais sejam: “a existência de uma vasta quantidade de normas constitucionais voltadas para a disciplina da Administração Pública”, as “transformações sofridas pelo Estado brasileiro nos últimos anos” e a “influência de princípios constitucionais sobre as categorias desse ramo do direito” (BARROSO, 2013, p. 400).

Gustavo Binenbojm, por sua vez, defende que as ideias de centralidade e de supremacia da Constituição representariam “a grande força motriz da mudança de paradigmas do Direito Administrativo na atualidade”, tendo por consequência “a impregnação da atividade administrativa pelos princípios e regras naquela previstos, ensejando uma releitura dos institutos e estruturas da disciplina pela ótica constitucional” (BINENBOJM, 2006, p. 69).

Contudo, as discussões em torno da constitucionalização do Direito Administrativo ainda são embrionárias, merecendo melhor desenvolvimento, sobretudo em razão da complexidade que permeia a relação entre Administração Pública e administrados. A constitucionalização do Direito Administrativo precisa superar o plano semântico e promover mudanças estruturais, que permitam a superação de alguns dogmas ainda prevalentes na prática administrativa, a exemplo do princípio da legalidade, possibilitando a defesa, por mais incoerente que isso possa parecer, de eficácia direta e imediata da constituição a essas relações, no que representaria uma eficácia horizontal dos direitos fundamentais na esfera pública.

Como veremos em outro artigo desta série, a utilização e interpretação do princípio da legalidade estrita, por exemplo, termina invertendo a lógica escalonada do direito, cujo ápice deveria ser indiscutivelmente a Constituição.

Mas essa é uma discussão para outro artigo.

Bem, espero que vocês tenham gostado. Até a próxima.

Foco, força e fé.

 

Chiara Ramos


Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.

 


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