O Juridiquês: Em face de ou contra?

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Pairam muitas dúvidas sobre qual preposição usar quando se quer, na petição inicial, mencionar a existência de disputa entre as partes: EM FACE DE ou CONTRA?
Como seria a forma correta? José move ação contra Joaquim ou José move ação em face de Joaquim?
Do ponto de vista do Português, em face de significa “em virtude de”, “diante de”. E contra significa “em contraposição”.
Assim, sob a ótica gramatical, o correto seria usar a preposição contra, uma vez que, numa demanda, uma das partes do processo litiga em contraposição à outra.
Ocorre que a discussão vai muito além da gramática.
O renomado Prof. José Maria da Costa, em estudo aprofundado do tema, aponta a existência de duas correntes doutrinárias de abordagens distintas:  a corrente moderna e a tradicionalista.
A corrente moderna, adepta do emprego da preposição em face de, apoia-se na teoria angular do processo, segundo a qual o processo vincula três pessoas, sendo elas o autor, o réu e o juiz, e o pedido formulado pelo autor é sempre dirigido contra o Estado e em face do réu.
A corrente tradicionalista, por sua vez, simpatizante da fórmula tradicional mover ação contra, ancora-se na tese de que as partes figuram em juízo sempre como adversários “que se enfrentam em contenda judiciária, uma contra a outra”.
Diante de tais ponderações, qual das correntes adotar?
Impressiona-nos, inicialmente, o fato de que o simples emprego de uma preposição pudesse gerar tamanha discussão doutrinária.
E, a propósito das ricas discussões sobre o tema, convencem-nos as conclusões do eminente Professor José Maria da Costa no sentido de que os argumentos adotados pela corrente moderna evidenciam um “tecnicismo exagerado”, pois a relação processual pressupõe sempre a intermediação do Estado-juiz, mas o autor da ação simplesmente usa um atalho e dirige o pedido diretamente contra o réu, pois este é quem contraria os interesses daquele.
Na doutrina jurídica, usam e defendem o uso do contra nomes como Geraldo Amaral Arruda, Sérgio Bermudes e Barbosa Moreira, entre outros.
A respeito do tema, vale destacar trecho de um artigo doutrinário escrito pelo renomado Sérgio Bermudes, intitulado A Favor do Contra, em que, de forma humorada, ele pontifica: esse empenho de esclarecer, demasiadamente, as coisas só faz confundi-las e baralhá-las, aos olhos do homem comum, destinatário da administração da justiça, que entende, perfeitamente, até por ativismo, que uma ação haja sido proposta contra ele, mas queda perplexo e nervoso, quando ouve dizer que uma ação foi proposta em face dele.
Barbosa Moreira, por sua vez, considera a expressão em face de de acerto duvidoso e incompatível com a tradição de que o autor vai a juízo contra o réu.
E não nos esqueçamos também dos gramáticos Francisco Fernandes e Celso Pedro Luft, citados no artigo do Professor José Maria da Costa, os quais simplesmente ignoram o uso da preposição em face de, nesses casos.
E a preferência pelo contra não fica apenas no âmbito doutrinário, mas também do legislativo, pois o uso corrente na legislação brasileira é da preposição contra para indicar a existência de contenda entre as partes.
Veja exemplos, na legislação do emprego das preposições contra e em face dê:

Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida (art. 9º, CPC).

A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade (art. 48, CPP).

Em caso de urgência, o diretor do estabelecimento penal poderá determinar a remoção do sentenciado, comunicando imediatamente a providência ao juiz, que, em face da perícia médica, ratificará ou revogará a medida (art. 682, § 1º, CPP).

(…) o controle poderá ser exercido pelos órgãos da União, em face da legislação específica (art. 551, § 1º, CLT).

O Professor José Maria da Costa confessa que usa o contra, mas não condena o em face de.
De minha parte, eu também sou “a favor do contra”, mas não censuro o em face de até porque o uso de uma preposição pela outra, se pecado for, é apenas venial e não acarreta nenhuma penalização de ordem processual.
É sempre bom lembrar que, em matéria de Direito, não há verdades absolutas, e que sobre praticamente tudo há mais de uma corrente doutrinária a se considerar.
E você? Já decidiu qual corrente prefere adotar?
Por hoje é isso.
Espero que a dica seja útil e valiosa.
Um abraço da Professora Mara Saad.
 


Mara-Saad
Mara Saad – Formada em Letras pela Universidade de Brasília (UnB) e em Direito pelo UniCEUB, com especialização em Direito Processual Civil pelo ICAT – Instituto de Cooperação e Assistência Técnica do Centro Universitário do Distrito Federal, hoje UDF. Servidora Pública aposentada no cargo de Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, onde exerceu durante mais de vinte anos assessoria de magistrado. Autora dos livros para concursos “TJDFT em Esquemas” e “STF em Esquemas”, ambos detidos ao ensino dos Regimentos Internos e legislação correlata dos respectivos Tribunais. Exerce atualmente a docência no Instituto de Formação Judiciária Luiz Vicente Cernicchiaro do TJDFT, ministrando cursos de Técnicas de Redação Jurídica com vistas à capacitação e ao aperfeiçoamento dos servidores da Casa.
 


 

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