O piso remuneratório refere-se à quantia mínima que um servidor pode receber a título de remuneração. O tema transita em caminho diametralmente oposto ao do teto remuneratório, previsto no inciso XI do art. 37 da CF/88.
Não se pense que o piso remuneratório ressente-se de trato normativo constitucional. Este se encontra no § 3º do art. 39, que garante expressamente aos servidores públicos remuneração não inferior ao salário mínimo, que, por sua vez, está disciplinado no art. 7°, IV, da Carta Magna.
O direito infraconstitucional também não ficou alheio quanto ao ponto. O § 5º do art. 41 da Lei nº 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais) prevê que “Nenhum servidor receberá remuneração inferior ao salário mínimo.”
No nível jurisprudencial, a Súmula Vinculante nº 16 propugna a seguinte tese (grifamos): “os artigos 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/98), da Constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público”.
Em outras palavras, a garantia de salário não inferior ao mínimo incide não sobre o vencimento básico (parcelar nuclear da contraprestação financeira do servidor), mas sobre a remuneração, que é a soma do vencimento básico acrescido das vantagens de caráter permanente (e.g.: gratificações e adicionais).
Ilustrativamente, se um servidor percebe remuneração de R$ 800,00, mas o seu vencimento é de apenas R$ 320,00, estará plenamente atendida a garantia de remuneração não inferior ao mínimo, ainda que o vencimento seja inferior a este, pois o que importa é o valor do total nominalmente percebido.
A título de curiosidade, desde 1º de janeiro de 2013, o salário mínimo está fixado em R$ 678,00 pelo Decreto n° 7.872, de 26.12.2012.
Para assegurar a observância do preceito normativo relativo ao piso, no caso de a remuneração do servidor ser inferior ao salário mínimo, o Poder Público deverá complementar a quantia faltante por meio do denominado abono pecuniário complementar.
Exemplificativamente, tendo em vista o valor atual do salário mínimo, se um servidor perceber R$ 488,00 a título de remuneração, deverá ser-lhe pago abono pecuniário no valor de R$ R$ 190,00.
Superado este ponto, passemos ao próximo. Mas, para melhor compreensão do que adiante será exposto, fixemos as premissas de que o salário mínimo deve ser reajustado periodicamente e que, a cada vez que isso ocorre, o valor do abono complementar também é alterado, a fim de garantir que o servidor continuará percebendo, pelo menos, o salário mínimo.
Aproveitando o exemplo anterior, se imaginarmos que o salário mínimo seja reajustado para R$ 698,00, aquele mesmo servidor cuja remuneração é de R$ 488,00, terá o abono de complementação reajustado para R$ R$ 210,00.
A par disso, merece especial referência a Súmula Vinculante n° 15, que ao tratar sobre o abono de complementação, preceituou o seguinte (destacamos): “O cálculo de gratificações e outras vantagens não incide sobre o abono utilizado para se atingir o salário mínimo do servidor público”.
Vale dizer, o abono pecuniário complementar não será levado em consideração para efeito de cálculo de vantagens pecuniárias como gratificações e adicionais que sejam calculados por meio de uma percentagem ou fator incidente sobre o vencimento básico.
Exemplo disso seria a Gratificação de Atividade Legislativa (GAL) dos servidores da Câmara dos Deputados, que nos termos da Lei nº 12.777/12, corresponde ao fator de 1,30 (um inteiro e trinta centésimos), calculado sobre o vencimento do padrão em que o servidor estiver posicionado.
A incidência de vantagens pecuniárias sobre o abono complementar acarretaria vinculação do valor dessas vantagens ao valor do salário mínimo. Isto é, todas as vezes em que o salário mínimo fosse reajustado, as vantagens pecuniárias também o seriam, automaticamente.
A vinculação de vantagens pecuniárias ao salário mínimo, qualquer que seja a finalidade, é vedada pelo inciso IV do art. 7° da Lei Maior. Não é outra a dicção da Súmula Vinculante n° 4 (destacamos): “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”.
Para sermos didáticos, retomemos o penúltimo exemplo: servidor cuja remuneração é de R$ 488,00 e que percebe abono pecuniário de R$ R$ 190,00. Acrescentemos que o vencimento básico deste servidor é de R$ 320,00 e que o restante da remuneração (R$ 168,00) corresponda à gratificação X. Se esta gratificação, que é de 52,5%, passar a ser de 60%, o percentual deve incidir apenas sobre o vencimento básico (R$ 320,00), e não sobre este acrescido do abono (R$ 510,00). Assim, o valor da gratificação X será de R$ 192,00 e o do abono complementar de R$ 166,00. Somando tudo ao vencimento, o valor da remuneração será de R$ 678,00. Portanto, manteve-se atendida a garantia do piso remuneração do salário mínimo.
Por fim, não poderíamos deixar de abordar a Súmula Vinculante nº 6 que, consignando exceção à regra do piso não inferior ao salário mínimo, veiculou o seguinte (destacamos): “não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.” O argumento embasador é que, ao contrário dos servidores públicos, os militares não foram contemplados com a garantia de salário nunca inferior ao mínimo (art. 142, § 3º, VIII, CF/88). Com efeito, na visão do Supremo Tribunal Federal não é inconstitucional os praças perceberem remuneração inferior ao salário mínimo.
Enfim, vale destacar que, de 2008 até os dias atuais, foram editadas apenas 32 súmulas vinculantes. Se somarmos isso ao fato de que o próprio STF têm editadas 736 súmulas “comuns”, concluiremos sem muito esforço que o piso remuneratório, conquanto pouco tratado na literatura jurídica, obteve enfoque especial na jurisprudência ao ponto de ser veiculado em nada menos que quatro súmulas vinculantes.
ELYESLEY SILVA DO NASCIMENTO é professor, servidor da Câmara dos Deputados e autor de livros, com destaque para o “Curso de Direito Administrativo”. Professor do Gran Cursos. Website: www.elyesleysilva.com.br
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