Pode o presidente da República exonerar o Diretor da Polícia Federal?

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28 de abril4 min. de leitura

Caros alunos, como pudemos observar na internet e nos noticiários nos últimos dias, a situação incômoda que se instalou entre o Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e o então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Fernando Moro – culminando, inclusive, no seu pedido de “exoneração” do Governo, e não de “demissão” (leia mais sobre, clicando aqui) – teve como ponto central a exoneração de Maurício Leite Valeixo, Delegado da Polícia Federal que ocupava, até o dia 24 de abril de 2020, o cargo de Diretor-Geral da instituição.

Deixando de lado as discussões político-partidárias daí decorrentes, isto é, sob a égide tão somente daquilo que nos ensinam o Direito Constitucional e o Direito Administrativo, duas indagações interessantes que estão repercutindo sobre o assunto são as seguintes: afinal, pode o Presidente da República exonerar o Diretor-Geral da Polícia Federal? Se sim, há ou não há necessidade de motivação de tal ato administrativo?

Inicialmente, devemos compreender, ainda que suscintamente, como funciona a organização da administração pública federal, sobretudo da administração direta[1], os agentes públicos e políticos que a compõem, além dos órgãos e entidades públicas a ela relacionadas.

A administração pública direta, em âmbito federal, é composta, em síntese, pela Presidência da República e pelos órgãos a ela diretamente subordinados, quais sejam, os Ministérios. Nesse contexto, fala-se em subordinação na medida em que tais órgãos públicos são originados a partir da técnica da desconcentração, na qual não há a criação de uma nova pessoa jurídica de direito pública, mas apenas a transferência da execução de determinadas atribuições. Aqui, portanto, fala-se em hierarquia, aspecto não observado no âmbito da administração pública indireta[2], em que entidades administrativas (com personalidades jurídicas próprias) são formadas a partir da descentralização.

Segundo ensina Alexandre Mazza[3], o princípio da hierarquia:

“Estabelece as relações de coordenação e subordinação entre órgão da Administração Pública Direta.

A hierarquia é princípio imprescindível para a organização administrativa. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ‘a subordinação hierárquica só existe relativamente às funções administrativas, não em relação às legislativas e judiciais’. Segundo a autora, dessa subordinação decorrem prerrogativas para a Administração, como: a) rever atos dos subordinados; b) delegar e avocar competências; c) punir os subordinados.”

 

Dito isso, passemos à análise do texto Constitucional.

Consoante determina a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 — CRFB/88, em seu art. 76, temos que “[o] Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado”.

Sobre as atribuições do chefe do Poder Executivo Federal, além daquela referente à nomeação e à exoneração de seus Ministros de Estados, interessam especialmente para o nosso estudo as competências – delegáveis – de dispor, por decreto, sobre “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”, e a de “prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei”, previstas nos incisos VI, alínea a, e XXV do art. 84 da CRFB/88 (ler também o parágrafo único desse mesmo artigo).

Vale ressaltar que, segundo entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, a competência presidencial para prover cargos públicos (CRBF/88, art. 84, inciso XXV, primeira parte), segundo a própria lógica do ordenamento jurídico pátrio, também abrange a de desprovê-los. (Cf. RMS 24.128/DF, Primeira Turma, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence, DJ 1º/07/2005.)

Por seu turno, aos Ministros de Estado, “escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos” (art. 87, caput), cabem, dentre outras atribuições, “exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República” e “praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República” (incisos I e IV do parágrafo único desse mesmo artigo).

Outrossim, não se pode deixar de observar que outra peça importante para o nosso estudo é a própria Polícia Federal, órgão público permanente, instituído por lei, organizado e mantido pela União, subordinado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública e de fundamental importância para a segurança pública (vide art. 144, caput, inciso I e § 1º, da CRFB).

Quanto à competência específica para a nomeação (e exoneração) do Diretor-Geral da instituição, isto é, do cargo máximo da Polícia Federal, a Lei nº 9.266/1996 (Reorganiza as classes da Carreira Policial Federal (…) e dá outras providências) dispõe em seu art. 2º-C (cuja redação foi alterada pela Lei 13.047/2014), que “o cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial”.

De modo que, a partir dos apontamentos realizados, tanto sob a ótica da organização da administração pública federal direta quanto a partir da literalidade do dispositivo legal supra, é possível concluir que o Presidente da República, ao decretar, na última sexta-feira, a exoneração do Delegado Federal Maurício Valeixo do cargo que até então ocupava, não excedeu ou usurpou competências, mas agiu dentro da sua esfera de atribuições.

Ocorre que o decreto em comento, tal qual os demais atos administrativos discricionários, também pode ser submetido ao chamado controle judicial sobre o mérito administrativo, o qual se baseia na análise de três aspectos fundamentais, quais sejam: na razoabilidade ou proporcionalidade da decisão; na teoria dos motivos determinantes (isto é, se o ato atendeu aos pressupostos fáticos ensejadores de sua prática); e na ausência de desvio de finalidade, ou seja, na verificação se o ato visou a atender ao interesse público geral[4].

Portanto, como o objetivo do presente artigo, como dito incialmente, era o de ater-se às questões Constitucionais e Administrativas pertinentes ao assunto a fim de fomentar a discussão sob um enfoque unicamente jurídico, veremos, a partir das ações judiciais que já estão sendo movidas em face do ato administrativo praticado pelo Presidente Jair Bolsonaro, qual será o entendimento do Poder Judiciário sobre a matéria, ressaltando apenas que, em caso de anulação, não caberá ao Juiz ou Tribunal resolver o interesse público envolvido, mas sim devolver a questão ao administrador competente para que este adote nova decisão[5].

[1] Mazza, Alexandre. Manual de direito administrativo / Alexandre Mazza. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 278 e 279.

[2] Fundação Getúlio Vargas. Padrão de Respostas. Prova Discursiva. Direito Administrativo. Exame de Ordem 2010.3.

[3]Administração direta é o conjunto de órgãos que integram as pessoas políticas do Estado (União, estados, Distrito Federal e municípios), aos quais foi atribuída a competência para o exercício, de forma centralizada, de atividades administrativas.” (Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. – 21. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo ; MÉTODO, 2013. p. 27 e 28.)

[4]Administração indireta é o conjunto de pessoas jurídicas (desprovidas de autonomia política) que, vinculadas à administração direta, têm a competência para o exercício, de forma descentralizada, de atividades administrativas.” (Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. – 21. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo; MÉTODO, 2013. p. 28.)

[5] Mazza, Alexandre. Manual de direito administrativo / Alexandre Mazza. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 154.

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