TEMA DE ATUALIZAÇÃO NOS CRIMES AMBIENTAIS: PERSISTE A NECESSIDADE DA DUPLA IMPUTAÇÃO PARA RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL DA PESSOA JURÍDICA?
Prezado candidato ao exame da OAB, hoje trabalharemos com a atualização da jurisprudência no âmbito dos crimes ambientais perpetrados por pessoas jurídicas. A teoria da dupla imputação fora escolhida em razão da mudança de entendimento nos tribunais superiores.
O assunto é atual, polêmico e instigante!
Primeiramente, cabe esclarecer que o coração da tutela ambiental no ordenamento jurídico pátrio é art. 225 da Constituição Federal de 1988. Prevê o referido artigo que:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
- 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I — preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
(…)
III — definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
(…)
VII — proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
Percebe-se que a Constituição de 1988 estabelece que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (artigo 225, §3º, CF).
No que pertine a legislação ordinária, os crimes ambientais estão previstos na Lei nº 9.605 de 1998. O artigo 2º da Lei do Ambiente estabelece que:
“Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la”.
CUIDADO: O diretor, administrador, conselheiro, auditores, gerentes, prepostos e mandatários de Pessoa jurídica, respondem por omissão nos crimes ambientais. Veja que o legislador criou o dever jurídico de agir e de evitar crimes ambientais, o que torna a omissão dessas pessoas penalmente relevante, nos termos do art. 13, §2º, a, CP.
DICA DO JC: os requisitos para responsabilização por omissão são: A ciência da existência do crime e o poder de evitar a pratica do crime.
Destaca-se que a lei em análise apresenta coerência e aspecto positivo, pois seguindo uma tendência moderna do Direito Penal, superou-se o caráter meramente individual da responsabilidade penal até então vigente. Hodiernamente, a pessoa jurídica poderá ser sujeito ativo da relação processual penal nos crime contra o meio ambiente.
Ademais, via de regra, o verdadeiro delinquente ecológico não é a pessoa física, mas a pessoa jurídica que na maioria das vezes objetiva tão somente o lucro, sem preocupar-se com a degradação ambiental e a saúde das pessoas.
Sobre o tema, traz-se à baila um dos maiores desastres ambientais do mundo, o rompimento da barragem da empresa Samarco em Mariana, Minas Gerais. Neste acontecimento, cerca de vinte e cinco mil piscinas olímpicas de lama composta por rejeitos minerais cobriram vilarejos da cidade mineira, mataram dezenas de pessoas e impactaram centenas de desalojados de suas casas. Os impactos sobre o Rio Doce foram imensuráveis.
Ora, por tais razões, há a necessidade de uma efetiva responsabilização criminal da pessoa jurídica. A legislação ordinária tratou do tema no parágrafo único do art. 3° da Lei dos Crimes Ambientais, vejamos:
Art. 3º- As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Observa-se que o legislador (também na visão da jurisprudência) adotou o “Societas Delinquere Potest”, pois a pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime ambiental.
O fundamento está respaldado na chamada teoria da realidade ou da personalidade real, uma vez que as pessoas jurídicas são entes reais, não são meras ficções jurídicas ou meras abstrações legais. Assim, a pessoa jurídica possui capacidade e vontade próprias, independentes das pessoas físicas que as compõem.
Os requisitos para que ocorra a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra o meio ambiente são:
- a) Deve a decisão pela prática do crime partir do representante legal ou do contratual ou de um órgão colegiado da pessoa jurídica;
- b) Que a infração seja praticada no interesse ou benefício da pessoa jurídica.
CUIDADO: A Jurisprudência dos tribunais superiores sempre exigia que a ação penal contra a pessoa jurídica por crime ambiental também tivesse a imputação simultânea da pessoa física responsável.
Na visão antiga dos tribunais, somente haveria a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais se houvesse também a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício.
Trata-se da aplicação da teoria da dupla imputação que consiste no seguinte: impossível imputar o delito ambiental exclusivamente à pessoa jurídica, pois por trás do ato criminoso sempre existe uma pessoa física. Logo, impõe-se descobri-la para que faça parte (necessariamente) do polo passivo da ação penal.
Nesse viés, a denúncia jamais seria recebida se unicamente imputasse o crime à pessoa jurídica.
ATENÇÃO: Esse era o antigo posicionamento da jurisprudência dos tribunais superiores, uma vez que houve mudança de entendimento, vejamos:
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 548.181/PR, no ano de 2013, de relatoria da Ministra Rosa Weber, decidiu que o art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa.
O referido Recurso Extraordinário, interposto pelo Ministério Público Federal, com fundamento na alínea “a” do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que ao julgar o Recurso em Mandado de Segurança nº 16.696/PR, determinou o trancamento de ação penal movida contra a Petrobrás por crime ambiental, uma vez que foi excluída a imputação de condutas criminosas aos dirigentes responsáveis. O fundamento seria a necessidade da dupla imputação – a responsabilização penal da pessoa jurídica só poderia existir se houvesse a imputação simultânea da pessoa física.
MUDANÇA DE ENTENDIMENTO: a Ministra relatora Rosa Weber, segundo seu voto, destacou que o art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação.
Para a ilustre Ministra, as organizações corporativas se caracterizam, atualmente, pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta.
Sustentou ainda que condicionar a aplicação do art. 225, § 3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implicaria indevida restrição da norma constitucional, uma vez que a intenção do constituinte originário foi expressa, não apenas no sentido de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental.
Pelo exposto, restou abandonada a teoria da dupla imputação necessária, eventual ausência de descrição pormenorizada da conduta dos gestores da empresa não resulta no esvaziamento do elemento volitivo do tipo penal (culpa ou dolo) em relação à pessoa jurídica.
DICA DO JC: Atualmente, não se pode subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas.
Em suma, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome.
Por fim, segundo essa nova visão do STF, a Lei de Crimes Ambientais deve ser interpretada à luz dos princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, indicando o acerto da análise que a doutrina e a jurisprudência têm conferido à parte inicial do art. 54, da Lei n. 9.605/1998, de que a mera possibilidade de causar dano à saúde humana é suficiente para configurar o crime de poluição, dada a sua natureza formal ou, ainda, de perigo abstrato.
As decisões do STJ seguem a jurisprudência do pretório excelso sobre o tema. A conduta dos dirigentes tem que ser comprovadamente ilícita, mas a falta desta comprovação não extingue por completo a ação penal.
Bons estudos e mantenha-se atualizado!
Avante!
José Carlos
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José Carlos é professor universitário e advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
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