Guerreiras e guerreiros!
Vamos conversar hoje sobre algumas particularidades envolvendo a idade no direito penal.
A partir do conceito analítico tripartido de crime, a culpabilidade figura como o terceiro substrato ou elemento do crime, sendo que integram a culpabilidade, ao lado da potencial consciência da ilicitude e da exigibilidade de conduta diversa, a imputabilidade.
A imputabilidade é aferida no momento da conduta (ação ou omissão), de modo que adotamos, em relação ao tempo do crime, a TEORIA DA ATIVIDADE. Em relação à imputabilidade, examinados dois elementos, a saber, o elemento intelectivo (higidez psíquica que permita ao agente ter consciência do caráter ilícito do fato) e volitivo (análise sobre se o agente domina a sua vontade, ou seja, se exerce controle sobre o entendimento do caráter ilícito do fato, e se consegue se determinar de acordo com este entendimento). Ou seja, a imputabilidade traduz a capacidade de imputação, qual seja, a possibilidade de ser imposta ou atribuída responsabilidade penal a alguém pelo cometimento de um delito.
Eis aqui a nossa primeira faixa etária no direito penal: o maior de 18 anos é imputável, figurando em relação a ele presunção de imputabilidade (critério biológico – art. 228 da CF e art. 27 do CP).
Ou seja, é possível que uma pessoa maior de 18 anos não seja considerada imputável, acaso existam hipóteses de inimputabilidade que afastam a mencionada presunção, por exemplo, doença mental com a aferição de que ao tempo da conduta o agente revelava-se incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério biopsicológico – art. 26, caput, do CP) e a embriaguez acidental completa (critério psicológico – art. 28, § 1º, do CP). Nesses casos, o inimputável será denunciado e processado, porém, ao final, não será condenado, ocorrendo o que chamamos (atenção!) de ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA com a imposição de medida de segurança (internação ou tratamento ambulatorial).
Na hipótese de o agente à época da conduta possuir idade superior a 18 anos (agente imputável) mas inferior a 21 anos, incide a atenuante genérica da menoridade relativa com pertinência na segunda fase da dosimetria da pena.
Eis a segunda faixa etária: 21 anos.
O legislador prevê que, embora pelo critério biológico, o agente revele-se imputável, por ser ainda jovem, o seu discernimento e capacidade de autodeterminação encontram-se em desenvolvimento, razão pela qual, em abstrato, o legislador previu circunstância que consubstancia juízo de reprovação menor (circunstância atenuante).
Por fim, a mais instigante: os 14 anos de idade.
Ao longo do Código Penal, percebemos a eleição da idade de 14 anos como a idade tomada em abstrato como aquela necessária para uma pessoa consentir validamente para a prática de ato de índole sexual.
Nessa linha, se possui idade inferior a 14 anos, não há se falar em consentimento válido, de modo que eventual conjunção carnal ou outro ato libidinoso praticado com esse ou essa jovem se amoldará ao crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP). O art. 217-A, § 5º, do CP, dessa forma, preceitua que a conduta praticada em face de pessoa menor de 14 anos de idade é típica independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. Na mesma direção, o enunciado 593 da Súmula da Jurisprudência do STJ preceitua que o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
Agora, se a vítima possui idade superior a 14 anos, a legislação a toma como a apta a consentir validamente em relação à prática de ato sexual, sendo que, acaso a conjunção carnal ou outro ato libidinoso seja praticado mediante violência ou grave ameaça, a conduta se adéqua ao crime de estupro (art. 213 do CP).
Contudo, caso a vítima possua idade superior a 14 e inferior a 18 anos, o legislador, em abstrato, definiu tal circunstância como ilustrativa de maior reprovabilidade da conduta, cuidando-se de estupro qualificado (art. 213, § 1º, do CP) com pena de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
Em relação aos crimes contra a vida, parte da doutrina preconizava que, ao passo que o menor de 14 anos não possui condição de anuir com a prática de ato sexual, muito menos o teria em relação a ceifar a própria vida. Sob essa linha, a causa de aumento do art. 122, § 3º, II, do CP (“a pena é duplicada se a vítima é menor”) seria interpretada, de acordo com essa corrente, no sentido de incidir apenas quando a vítima possuía idade superior a 14 e inferior a 18 anos, enquanto que, no caso de a vítima possuir idade inferior a 14 anos, em razão da ausência de condição de discernir acerca dos atos, a conduta não se amoldaria àquela do art. 122 do CP, e sim, a depender do resultado, caracterizar lesão corporal ou homicídio doloso.
A Lei 13.968, de 26 de dezembro de 2019, promoveu alteração no art. 122 do CP, definindo formas simples e qualificadas do delito a depender do resultado naturalístico provocado (resultado lesão corporal de natureza grave ou gravíssima – art. 122, §1º, do CP – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos; ou resultado suicídio consumado ou morte decorrente da automutilação – art. 122, § 2º, do CP – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos).
Igualmente, a referida lei positivou o mencionado entendimento doutrinário. Nesse sentido, interessante questão é posta quando a pessoa que é induzida, instigada ou auxiliada a cometer suicídio ou automutilação possui idade inferior a 14 anos. Com a inclusão dos §§ 6º e 7º ao art. 122 do CP, se em relação a essa pessoa com idade inferior a 14 anos houver o resultado lesão corporal de natureza gravíssima, responderá o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 do CP (lesão corporal gravíssima). Se o resultado for o suicídio consumado ou se da automutilação resulta morte, o agente responderá pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código.
E, por fim, vale registrar que, no crime de homicídio doloso, é definida causa de aumento de pena de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos (art. 121, § 4º, do CP). Contudo, pela Lei nº 13.444/2022 (Lei Henry Borel), acaso o homicídio seja praticado em face de pessoa menor de 14 anos, tornou-se hipótese de homicídio qualificado.
E se a vítima possui idade entre 14 e 18 anos?
A 3ª Seção do STJ (Resp 1.851.435), em agosto de 2020, sedimentou o entendimento de que, se a vítima possui pouca idade (entre 14 anos e 18 anos), admite-se a exasperação da pena na primeira fase mediante a valoração negativa da circunstância judicial das consequências. Na oportunidade, entendeu-se que tal fato “ceifa uma vida repleta de possibilidades e perspectivas, que não guardam identidade ou semelhança com aquelas verificadas na vida adulta” e traduz uma “subversão da ordem natural da vida”, de tal sorte que a “tenra idade da vítima (entre 14 e 18 anos) compõe elemento concreto que transborda aqueles inerentes ao crime de homicídio”. Ou seja, seria correta a seguinte assertiva: o fato de a vítima de homicídio possuir idade superior a 14 e inferior a 18 anos compõe fundamentação idônea para a exasperação da pena na primeira fase de acordo com o entendimento do STJ.
Entretanto, atenção: esse entendimento não se aplica quando a vítima possui idade inferior a 14 anos, situação que se amolda à majorante do parágrafo 4º do artigo 121 do Código Penal ou, sob a redação dada pela Lei Henry Borel cogente após o prazo de vacatio, à hipótese de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, IX, do CP). Não se admite bis in idem!
Túlio Mendes
Defensor Público e professor de Direito Penal
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