Na análise de validade das normas coletivas, o intérprete deve sempre ter em mente a análise de dois principais princípios, quais sejam, o da criatividade jurídica (função normogenética da negociação coletiva) e o da adequação setorial negociada (medida na qual o negociado prevalece sobre o legislado).
Também foi instituído expressamente pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva (art. 8º, § 3º, da CLT), que deverá ser levado em conta como critério de análise da validade das normas coletivamente negociadas.
Na negociação coletiva legítima é indispensável a presença do traço sintagmático, pois se trata de instrumento de transação de direitos. Logo, não será válida se concretizada mediante ato estrito de renúncia, ou seja, despojamento unilateral de direitos sem a contrapartida adequada. Tal situação representa uma das limitações à negociação coletiva e sua natureza de ser delineada pelos critérios de harmonização entre o negociado (legislação autônoma) sobre o legislado (legislação heterônoma).[1]
Nesse prumo, pode-se afirmar que a existência de concessões recíprocas é da natureza do processo negocial coletivo, daí dispor o art. 613, VII, da CLT que são requisitos obrigatórios das Convenções e Acordos Coletivos a indicação de “direitos e deveres dos empregados e empresas”.
Parte da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho exige que o instrumento coletivo mencione expressamente quais são as vantagens concedidas em contrapartida às desvantagens. Ou seja, para esse entendimento, é preciso que se indique analiticamente e comparativamente a vantagem concedida.[2]
Nesse aspecto, é preciso registrar que “a inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico” (art. 611-A, § 4º, da CLT, incluído pela Lei nº 13.467 de 2017). Logo, com a Reforma, fica superada a discussão quanto a falta de indicação expressa de contrapartidas recíprocas invalidava a norma coletiva prevalecente.
Por certo, a norma coletiva deve ser considerada no seu todo, pois a negociação coletiva não é um ato de cláusulas individualizadas, mas sim um documento que visa, afinal, a tutela da relação de trabalho e da melhoria das condições de vida do trabalhador.
No entanto, é preciso atentar para o fato de que a Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) não se elimina a necessidade de contrapartida em favor da categoria profissional – o que ensejaria renúncia vedada – mas, apenas, afirma não ser mais necessário que seja feita a vinculação entre as vantagens e desvantagens de modo pormenorizado.
Portanto, equivocam-se aqueles que afirmam que as negociações coletivas poderão ser firmadas sem qualquer contrapartida recíproca.[3] Não é esse o sentido e alcance da norma, até mesmo porque o disposto no art. 613, inciso VII, da CLT não foi revogado. Na verdade, as negociações coletivas poderão ser firmadas sem contrapartida recíproca expressamente vinculada ao direito suprimido ou reduzido.
Parte o legislador reformista do cumprimento do princípio da Carta de Direitos Fundamentais da OIT pelo quala norma coletiva deve ser prestigiada e do ponto de partida de que os sindicatos existem como legítimos representantes dos trabalhadores. Por outras palavras, não se deve ter uma relação de desconfiança da representação sindical e se esta não é adequada, deve ser denunciada e cassada com o cuidado de não se violar a liberdade sindical.
Fato é que, descumprido o art. 613, inciso VII, da CLT restará caracterizado vício na forma do negócio jurídico. Portanto, o que se elimina com a Reforma é a necessidade de explicitação e correspondência expressa de uma determinada vantagem em troca de determinada desvantagem.[4]
[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017.
[2] RECURSO DE REVISTA. REDUÇÃO SALARIAL. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. AUSÊNCIA DE CONTRAPRESTAÇÃO EM FAVOR DO EMPREGADO. INVALIDADE. Ao afastar a validade da norma coletiva em que prevista a redução de salários na ordem de 12%, embora com a previsão de majoração da base de cálculo da Participação nos Lucros e Resultados – PLR (de 1,5 para 2,7 salários-base nominais) e da concessão de gratificação-especial de 1,4 salários-base em dezembro de 2002, a Corte Regional assentou o caráter excepcional da previsão inserta no inciso VI do art. 7º da CF, sujeita à exegese restrita, bem assim a necessidade de outorga de vantagem compensatória aos trabalhadores alcançados pela negociação coletiva – que poderia envolver algum benefício ou mesmo a redução da jornada. Ponderou que não houve, no caso, qualquer vantagem aos trabalhadores, pois a ampliação da PLR e a concessão da gratificação especial não foram vinculadas à redução salarial ajustada. Destacou, ademais, que a PLR depende da ocorrência de lucro, evento futuro e incerto, inexistindo, assim, benefício compatível com a perda remuneratória ajustada. Nas razões do recurso de revista, a empresa defende a violação do art. 7º, VI, da CF, diante da desnecessidade de instituição de benefício ou vantagem para legitimar a negociação coletiva. Tal como proferida, não há na decisão censurada negativa, objetiva, à possibilidade de celebração de acordo ou convenção coletiva que consagre a redução de salários, o que afasta a violação do art. 7º, VI, da CF. Como visto, apenas ressalvou aquela Corte a existência de requisito próprio para a validade do instrumento negocial coletivo celebrado em tais condições, qual seja, a necessidade de contrapartida proporcional aos trabalhadores afetados, aspecto não tratado no art. 7º, VI, da CF, e que, por isso, não foi vulnerado. Acrescento que a existência de concessões recíprocas é da essência do processo negocial coletivo, dispondo o art. 612, VII, da CLT, que são requisitos obrigatórios das Convenções e Acordos Coletivos a indicação de “Direitos e deveres dos empregados e empresas”. Ressalto, por fim, que não se revela possível, nesta sede extraordinária, infirmar a premissa fática assentada pela Corte Regional, segundo a qual as vantagens supostamente concedidas no Acordo Coletivo não estavam vinculadas à redução salarial refutada ou que seriam compatíveis – ou proporcionais – com a perda remuneratória imposta ao trabalhador (Súmula 126 do TST). Recurso de Revista não conhecido. (RR-1322-04.2010.5.01.0050, Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 28/10/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/11/2015) (gn)
[3] https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/25495-associacoes-da-magistratura-e-ministerio-publico-pedem-veto-a-o-plc-38-2017
[4] MIZIARA, Raphael; NAHAS, Thereza. Impactos da reforma trabalhista na jurisprudência do TST. São Paulo: RT, 2017. p. 136.
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