O funcionário de fato e a usurpação de função pública. Você sabe realmente a diferença?

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Os conceitos acima exigem conhecimentos que abordam temas que se originam tanto do Direito Administrativo quanto do Direito Penal.
Assim, como primeira e primordial distinção entre um conceito e outro, devemos lembrar que a usurpação de função pública é crime previsto no art. 328 do Código Penal, inserido no Capítulo II (“crimes praticados por particular contra a Administração em geral”), do Título XI (“crimes praticados contra a Administração Pública”).
O referido tipo penal é descrito nos seguintes termos:

“Usurpação de função pública

Art. 328 – Usurpar o exercício de função pública:

Pena – detenção, de três meses a dois anos, e multa.

Parágrafo único – Se do fato o agente aufere vantagem:

Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa”. (grifado)

Já o conceito de funcionário de fato (agente público de fato ou agente putativo) deriva da constatação, no plano do Direito Administrativo, de um vício de competência na formação do ato administrativo praticado pelo agente.
Lembre-se, sobre isso, que os cinco elementos formadores do ato administrativo são:

  • Competência;
  • Finalidade;
  • Forma;
  • Motivo; e

O ato administrativo praticado pelo funcionário de fato carece especificamente do elemento “competência”, tornando-o inválido.
O vício de competência surge da investidura irregular, o que é diferente – perceba – de uma investidura inexistente, característica típica do usurpador de função pública.
Isso porque, para o agente que se enquadra na noção de “funcionário de fato”, há de supor algum liame jurídico precedente entre ele e o Estado, enquanto que, para o agente criminoso, que pratica a conduta do art. 328 do Código Penal, isso não ocorre (daí é que se consegue visualizar, aliás, com nitidez, a prática do verbo nuclear do tipo penal, qual seja, “usurpar”).
Tanto é assim que a doutrina entende que, na usurpação de função pública, o ato administrativo é simplesmente INEXISTENTE (é ato imperfeito e não chega a, sequer, iniciar seu ciclo de formação, não satisfazendo qualquer requisito previsto em lei para tanto), enquanto que, pela teoria da aparência, o ato administrativo praticado pelo funcionário de fato EXISTE e é relativamente válido em relação ao particular (é ato perfeito, tendo passado pelo seu ciclo de formação, satisfazendo os requisitos previstos em lei – ou seja, competência, finalidade, forma, objeto e motivo –, embora de forma defeituosa no aspecto da competência).
Veja-se, nesse trilhar de percepção, que o ato praticado por funcionário de fato pode gerar a responsabilização objetiva do Estado lastreada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988.
Essa responsabilização ocorre porque o denominado agente putativo induz ao administrado uma aparência de conformidade com o ordenamento jurídico, especialmente por conta da Teoria do Órgão. Sobre isso, vale lembrar, no plano de ideias da chamada Teoria do Órgão, que, segundo Hely Lopes, órgãos públicos são “centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem” (MEIRELLES, 2016, p. 71).
E é em virtude dessa condição – de que o agente público, ainda que putativo, é a própria vontade do Estado, nos termos da Teoria do Órgão – que ao particular de boa-fé, apesar de internamente nulos os atos praticados pelo ente da Administração Pública, conservam-se perfeitamente os efeitos daqueles atos.
Em resumo:
– ato administrahanri@ anna@ jaqueliny@tivo praticado pelo usurpador de função pública: IMPERFEITO, logo INEXISTENTE, não gerando, em regra, efeitos para o particular;
– ato administrativo praticado por funcionário de fato: PERFEITO e INVÁLIDO (podendo ser nulo ou anulável, a depender da possibilidade de convalidação do ato), gerando, porém, EFEITOS VÁLIDOS para o particular de boa-fé.
Nesse sentido, vejamos a jurisprudência:

(…)

3. A ausência de investidura por concurso pode ser, em tese, causa de nulidade do ato de nomeação, mas não dos atos praticados pelo agente investido na função, mormente se confirmado que sua atuação veio a servir ao interesse público, segundo a teoria do “funcionário de fato” (Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo).

(…)

16. Não conhecida a remessa oficial.

17. Improvida a apelação do embargante.

18. Provido o apelo da União.

(TRF 3ª Região, JUDICIÁRIO EM DIA – TURMA D, ApReeNec – APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA – 1105008 – 0006035 –95.2002.4.03.6107, Rel. JUIZ CONVOCADO RUBENS CALIXTO, julgado em 30/03/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 26/04/2011 PÁGINA: 408) (grifado)

Diante dessas lições, imaginemos um servidor público investido sob a forma de contratação temporária, nos moldes da Lei n. 8.745/1993 (dispõe “sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”). Após, expirado o prazo de contratação, continua ele a praticar atos administrativos, atuando em nome do órgão público ao qual originariamente estava vinculado.
Nesse caso, está-se diante do conceito de funcionário de fato.
Em outro exemplo, no mesmo espectro de noção de uma hipótese de funcionário de fato, imaginemos um alvará expedido por um servidor municipal que já tenha ultrapassado a idade para a aposentadoria compulsória, autorizando o funcionamento de uma determinada atividade (um feira, por exemplo).
Nesse caso, o ato administrativo é inválido para a Administração Pública, mas é válido para o particular (para parte da doutrina, continua sendo inválido, mas possuindo eficácia para o particular), sendo certo que, no mínimo, será garantida eventual indenização por perdas e danos em virtude do cancelamento do evento, tudo com base na proteção à confiança legítima (teoria da aparência e da aplicação também à Administração Pública da vedação ao comportamento contraditório, incidindo o brocardo nemo potest venire contra factum proprium).
Já como exemplo do usurpador de função pública, podemos citar a hipótese de uma pessoa, por exemplo, que se faz passar por médico da rede pública de saúde, gerando danos aos pacientes. Se não houver nenhum lastro de presunção de que esse agente criminoso agia em nome do Ministério da Saúde, sendo manifesta a sua não aparência de profissional do SUS, não haverá qualquer responsabilização do Estado nos termos do art. 37, § 6º, da CF/1988.
FUNDATEC/2018/PC-RS/Delegado de Polícia
QUESTÃO 42 – Em relação à organização da Administração Pública, assinale a alternativa correta.
a) O processo de desconcentração administrativa tem por consequência a criação de entidades dotadas de personalidade jurídica própria, distinta do ente político criador.
b) Às entidades que integram a administração indireta podem ser atribuídas, nos termos da lei que as institui, as mesmas competências cometidas ao ente político criador.
c) A teoria do órgão não reconhece a responsabilidade do Estado em relação aos atos praticados pelos denominados “funcionários de fato”, assim considerados os que foram irregularmente investidos em cargos, empregos ou funções públicas.
d) As autarquias podem desempenhar atividades típicas de estado e, excepcionalmente, explorar atividade econômica.
e) As empresas públicas e sociedades de economia mista, ainda que explorem atividade econômica de prestação de serviços, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias.
Letra e.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
Felipe Leal
Graduação em DIREITO pela Universidade Federal da Paraíba (2003), mestrado em DIREITO AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS pela Universidade Federal do Amapá (2012) e Doutorando em Direito Penal. Ingressou na Polícia Federal em 2005, como Papiloscopista Policial Federal, adquirindo experiência na área técnica, e, desde 2006, é Delegado de Polícia Federal, tendo já chefiado Delegacias Especializadas na Repressão ao Tráfico de Drogas (Pará), na Repressão aos Crimes Ambientais (Amapá) e na Repressão a Crimes Financeiros (Paraíba), bem como atuou como Chefe do Núcleo de Inteligência em Pernambuco. Na docência, é um dos responsáveis pela formação profissional de novos policiais, com a elaboração de Caderno Didático para a Academia Nacional de Polícia. Já elaborou Manuais de Investigações para autoridades policiais. Professor em Faculdades de Direito e em cursos de pós-graduação. Coordenador de pós-graduação em Investigação Criminal e Ciências Forenses. Coordenador da Escola Nacional de Delegados de Polícia Federal.

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