A empresa Vale e sua responsabilização criminal pelo crime ambiental ocorrido em Brumadinho – MG: amparo normativo e consequências

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Não obstante exista um entendimento doutrinário de que a pessoa jurídica não possa cometer crimes (esta seria desprovida de consciência e vontade), é predominante, principalmente, na jurisprudência pátria, que a pessoa jurídica pode ser autora de delitos contra o meio ambiente e sofrer as devidas penas tipificadas na Lei Ambiental.

Hodiernamente, nas empresas desrespeitadoras de normas ambientais, à culpabilidade penal individual clássica, deve-se somar o conceito de “culpabilidade social”, baseada na ideia de que a empresa é um centro de emanação de decisões.

Nessa linha, com espeque na Teoria da Realidade, Orgânica ou da Personalidade Real, de Otto GIERKE, as pessoas jurídicas não são meras abstrações ou ficções legais, mas entes reais, com capacidade e vontade próprias (com capacidade de ação) e, portanto, podem cometer crimes (pois são realidades independentes das pessoas físicas que as compõem) e sofrer sanções.

A responsabilização das pessoas jurídicas é fruto de uma evolução histórica (desde a Idade Antiga) e uma realidade mundial atual.  Nessa ótica, os Congressos Internacionais de Direito Penal vêm sistematicamente recomendando a adoção de medidas tendentes a criminalizar tais condutas criminosas destas entidades.

Sobre o tema, a Constituição Federal de 1988 estabelece no art. 225, § 3° que:

“as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Percebe-se que a Constituição brasileira, indiscutivelmente, adotou a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos arts. 173, § 5° e 225, § 3°, seja qual for o critério de interpretação (literal, lógico-sistemática ou teleológica, histórico-comparativa ou evolutiva), pois sempre há que se concluir pela responsabilidade penal dessas pessoas dotadas de “poder de decisão”.

Também no âmbito infraconstitucional, com o advento da Lei nº 9.605 de 1998, expressamente, restou estabelecida a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos delitos ambientais nela previstos.

Por óbvio, acertado o acervo normativo, pois o Direito Penal deve ser mais um aliado no combate às empresas criminosas e destruidoras do meio ambiente, como no caso da empresa Vale pelo ocorrido no município de Brumadinho/MG. Vislumbre-se que apenas sanções administrativas e civis seriam insuficientes para coibir tais condutas delituosas desse porte de exploração.

Sabe-se que a pena criminal possui um caráter muito mais potente do que qualquer outra espécie de sanção, o que em muito deveria servir para frear a ocorrência desse tipo de crime.

Se reconhecido o delito ambiental no caso de Brumadinho (o que é bem provável), entende-se que não bastaria punir apenas os possíveis agentes imediatos da obra, pois a verdadeira beneficiária foi a empresa que obteve vantagens econômicas vultosas com o desrespeito às normas ambientais. Assim, não seria suficiente punir, exclusivamente, os engenheiros, fiscais, etc., que muitas vezes obtêm pouco ou nenhum benefício com a prática criminosa.

Nos termos da Lei do Meio Ambiente, são necessários dois requisitos para que possa haver responsabilidade penal da pessoa jurídica:

a) decisão de representante legal, contratual ou órgão colegiado e

b) interesse ou benefício da pessoa jurídica.

No caso do rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, entende-se que houve o atendimento a ambos os requisitos. Assim, a Vale provavelmente deverá ser condenada e punida também na esfera criminal.

Por fim, a empresa Vale poderá sofrer as seguintes penas: multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade. Sobre o tema, vejamos a Lei nº 9.605 de 1998:

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:

I – multa;

II – restritivas de direitos;

III – prestação de serviços à comunidade.

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:

I – suspensão parcial ou total de atividades;

II – interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

III – proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.

2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.

3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:

I – custeio de programas e de projetos ambientais;

II – execução de obras de recuperação de áreas degradadas;

III – manutenção de espaços públicos;

IV – contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Destaca-se que as penas aplicáveis à Vale, se condenada, poderão ser impostas isoladas ou cumulativamente.

Por fim, concordamos com a jurisprudência dos tribunais superiores, no sentido de que alegação de eventual ausência de descrição pormenorizada da conduta dos gestores da empresa não poderá resultar no esvaziamento do elemento volitivo do tipo penal (culpa ou dolo) em relação à pessoa jurídica.

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade de processar penalmente uma pessoa jurídica, mesmo não havendo ação penal em curso contra pessoa física com relação ao crime.

Coerente o entendimento da corte, pois não se pode subordinar a possível responsabilização criminal da empresa à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas no delito ambiental.

Bons estudos e muito sucesso!

José Carlos Ferreira Jr

Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica . Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.

 

 


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