A Lei 12.403/11 já havia alterado o art. 311 do CPP, possibilitando que o Juiz decretasse de ofício a prisão preventiva apenas no curso da ação penal, impedindo-o de decretá-la, sem provocação do legitimado, no curso do inquérito policial.
O art. 311 do Código de Processo Penal, que dispões sobre o momento da persecução penal em é possível a decretação da prisão preventiva, e quais são os legitimados para o requerimento ou representação da detenção cautelar em comento, teve a redação alterada pelo Pacote Anticrime:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).
De antemão, verifica-se que o legislador suprimiu a expressão de “ofício” do dispositivo em comento, impossibilitando que o Magistrado decrete a prisão preventiva sem provocação dos legitimados.
A alteração do art. 311 do CPP teve reflexos nos trabalhos desenvolvidos nas audiências de custódia por todo país.
Antes de adentrarmos no assunto, cumpre ressaltar que o art. 310 do CPP também sofreu alterações provocadas pelo Pacote Anticrime:
Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I – relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
- 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I, II ou III do caputdo art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 13.964, de 2019)
- 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
- 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caputdeste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
- 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caputdeste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva.
A questão da suspensão do dispositivo que trata do relaxamento da prisão, quando não realizada a audiência no prazo de 24 horas sem a motivação idônea, e a volta da “liberdade provisória proibida (ou vedada)” serão assuntos que trataremos em outros textos no blog do Gran Online.
Diante das alterações promovidas nos arts. 310 e 311 do CPP, o Delegado de Polícia, que presidiu o auto de prisão em flagrante, ou o Órgão Ministerial, com atribuição para oficiar no feito, devem, respectivamente, representar ou requerer a prisão preventiva do indiciado, uma vez que o Juiz, que preside a audiência de custódia, está impedido de decretá-la de ofício, ou seja sem a provocação dos legitimados.
Em um primeiro momento, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que era possível a conversão pelo juiz, de ofício, do flagrante em prisão preventiva, porém o entendimento foi alterado mais recentemente.
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no HC nº 590039, conforme notícia veiculada no dia 22/10/2020, no site da AASP (Associação dos Advogados de SP) [1]:
“Quinta Turma altera entendimento e anula conversão de ofício da prisão em flagrante para preventiva
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, em virtude da entrada em vigor da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais admissível a conversão de ofício – isto é, sem requerimento – da prisão em flagrante em preventiva. A fixação da tese altera o entendimento do colegiado sobre o assunto.
No habeas corpus analisado pela turma, sob relatoria do ministro Ribeiro Dantas, a Defensoria Pública de Goiás (DPGO) sustentou que a conversão ou a decretação de prisão preventiva pelo juiz, sem prévio requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, seja durante o curso da investigação ou da ação penal, viola o sistema acusatório e os preceitos trazidos pela nova lei ao alterar os artigos 310 e 311 do Código de Processo Penal (CPP).
Ao acolher o pedido do órgão, Ribeiro Dantas destacou que as modificações do Pacote Anticrime denotam “a intenção legislativa de buscar a efetivação do sistema penal acusatório”.
As duas prisões cautelares questionadas pela DPGO foram decretadas em razão de flagrante da prática do crime de receptação. O juiz, ao analisar a certidão de antecedentes dos réus, entendeu pela existência dos pressupostos autorizadores da prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), e a decretou de ofício.
Intenção do legislador
Em seu voto, o ministro Ribeiro Dantas afirmou que a Lei 13.964/2019 promoveu diversas alterações processuais, entre as quais a nova redação dada ao parágrafo 2º do artigo 282 do CPP, que definiu que as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz mediante provocação.
Para o relator, o dispositivo tornou indispensável, de forma expressa, o prévio requerimento das partes, do Ministério Público ou da autoridade policial para que o juiz aplique qualquer medida cautelar.
Ele salientou ainda que a alteração feita no artigo 311 do CPP – a qual suprimiu a expressão “de ofício” ao tratar da possibilidade de decretação da prisão pelo magistrado – corrobora a interpretação de que é necessária a representação prévia para decretação da prisão cautelar, inclusive para a conversão do flagrante em preventiva.
“Ficou clara a intenção do legislador de retirar do magistrado qualquer possibilidade de decretação, ex officio, da prisão preventiva”, disse o ministro.
Entendimento anterior
Ribeiro Dantas lembrou que a jurisprudência do STJ considerava não haver nulidade na hipótese em que o juiz, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos do artigo 312.
Recordou também que tanto a Sexta Turma quanto a Quinta Turma, mesmo após a edição do Pacote Anticrime, já julgaram conforme o entendimento anterior, sob o fundamento de que “a conversão do flagrante em prisão preventiva é uma situação à parte, que não se confunde com a decisão judicial que simplesmente decreta a preventiva ou qualquer outra medida cautelar”. Porém, Ribeiro Dantas declarou que, diante das modificações legislativas, o tema merece “nova ponderação”.
“Parece evidente a intenção legislativa de buscar a efetivação do sistema penal acusatório, vontade explicitada, inclusive, quando da inclusão do artigo 3º-A no Código de Processo Penal, que dispõe que o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”.
O relator citou decisões recentes dos ministros Celso de Mello (HC 186.421) e Edson Fachin (HC 191.042) em que o Supremo Tribunal Federal também concluiu pela inviabilidade da conversão de ofício do flagrante em prisão preventiva.(Grifei).
O Min. do STF Edson Fachin concedeu “writ” de “habeas corpus” a um homem que teve a prisão em flagrante convertida em preventiva, sem que o juiz fosse provocado por um dos legitimados, conforme notícia veiculada no dia 06/11/2020, no site da AASP (Associação dos Advogados de SP)[2]:
“Concedido HC a homem que teve prisão em flagrante convertida em preventiva por iniciativa do juiz
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu habeas corpus em favor de um homem que teve a sua prisão em flagrante convertida em preventiva pelo juiz, sem que tenha havido pedido do Ministério Público ou da autoridade policial, e que não foi submetido à audiência de custódia, em razão da pandemia de Covid-19. Segundo Fachin, ao reforçar o sistema acusatório adotado pela Constituição Federal, o Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) vedou a imposição de medidas cautelares pelo magistrado sem representação da autoridade policial ou requerimento das partes.
Flagrante
A conversão da prisão em flagrante em preventiva de M.V.S.O. foi determinada de ofício (por iniciativa própria) pelo Juízo da Vara de Inquéritos de Belo Horizonte (MG). A defesa impetrou o Habeas Corpus (HC) 193053 no Supremo depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com fundamento no artigo 310 do Código de Processo Penal (CPP), considerou que o juiz poderia fazer a conversão, independentemente de provocação, desde que a prisão fosse necessária para a garantia da ordem pública, para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
No habeas corpus, a defesa informou que M.V. foi preso em flagrante, em 24/6/2020, pela suposta prática de furto qualificado e denunciado pelo crime, mas é primário, tem residência fixa e não houve emprego de violência ou grave ameaça, além de ser baixo o valor dos produtos supostamente furtados. Alegou que, a partir da Lei 13.964/2019 (conhecida como Pacote Anticrime), é ilícita a atuação do juiz de ofício, conforme entendimento já chancelado pelo Supremo.
Impossibilidade
Ao conceder o habeas corpus, Fachin afirmou que, na mesma linha da alteração que suprimiu a expressão “de ofício” da redação do artigo 282, parágrafo 2º, do CPP, o parágrafo 4º do mesmo dispositivo afasta a substituição, a cumulação ou a imposição de medidas cautelares pessoais diversas da prisão ou de prisão de ofício pelo magistrado, ainda que em caso de descumprimento de cautelar imposta anteriormente. Ressaltou, ainda, que o artigo 311 do CPP, na redação da Lei 13.964/2019, veda, de forma taxativa, a decretação de prisão preventiva pelo magistrado sem prévia representação da autoridade policial ou requerimento das partes. “Todos esses dispositivos legais, em atenção ao sistema acusatório elegido pela Constituição Federal de 1988, não deixam dúvida quanto à impossibilidade de imposição de medida cautelares pessoais pelo juiz de ofício, seja na fase pré-processual, seja na fase processual”, disse o relator.
Quanto ao entendimento do STJ de que o artigo 310 do CPP autorizaria a imposição de prisão cautelar de ofício pelo magistrado, Fachin salientou que esse mesmo dispositivo, ao disciplinar a audiência de custódia, prevê, de maneira expressa, a participação do membro do Ministério Público e da defesa. Segundo o ministro, a decisão do magistrado sobre as medidas previstas no dispositivo se dá a partir do requerimento das partes, e não de ofício, salvo quando não implicar agravamento da liberdade do autuado.
Exceção
Embora, em regra, o Habeas Corpus não pudesse ser conhecido, por não existir pronunciamento de mérito do STJ, o ministro Fachin, em razão da flagrante ilegalidade verificada de plano, o deferiu de ofício” (Grifei).
Diante das novas redações dos arts. 310 e 311 do CPP, o candidato deverá memorizar que o Delegado de Polícia, que presidir o auto de prisão em flagrante, deve, ao conclui-lo, representar pela conversão em prisão preventiva do indiciado, ou o órgão do Ministério Público deverá requerer a conversão mencionada, durante os trabalhos desenvolvidos na audiência de custódia, tendo em vista a total impossibilidade de o Juiz decretar a prisão preventiva de ofício na persecução penal.
MODELO DE PEÇA PRÁTICA – PRISÃO PREVENTIVA (com o Princípio da Atualidade).
Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito do Tribunal do Júri de ______- ES.
Referência: Autos do Inquérito Policial nº / 2020.
O Delegado de Polícia Civil que ao final subscreve, no exercício dos poderes conferidos pelo artigo 144 da Constituição Federal, com fulcro nos artigos 311, 312 e 313, todos do Código de Processo Penal, diante dos fatos apurados no caderno investigatório em epígrafe vem à presença de Vossa Excelência, representar pela prisão preventiva de Ricardo Santos, brasileiro, solteiro, portado da cédula de identidade nº ______, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob nº ________, nascido em 11/09/80, na cidade de Fortaleza – CE, residente e domiciliado na _______________, da Comarca de ______, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:
I – Dos Fatos
Trata-se de investigação policial instaurada para apuração do crime de tentativa de homicídio qualificado, fato praticado por Ricardo Santos, no dia 06/07/20, às 15h, no interior do Instituto Médico Legal, da Polícia Civil do Estado do Espirito Santo. Na ocasião, após passar por uma perícia médica, o indiciado tentou ceifar a vida do médico Malthus F., servidor público, após o último comentar que o autor não apresentava lesões corporais compatíveis com agressões físicas. Descontente, o homicida, munido de uma faca tipo “peixeira”, desferiu uma facada contra o peito da vítima.
Após o golpe, o representado deixou o local em desabalada carreira tomando rumo ignorado pelas ruas da capital. O ofendido, por sua vez, antes de desmaiar, pediu por socorro, sendo atendido de pronto por outros colegas médicos, que trabalham no IML. Uma viatura da Polícia Civil socorreu o servidor junto ao Hospital ______, onde ele permaneceu internado por uma semana.
A vítima está consciente, fora de perigo de morte, e depois da alta hospitalar, ele foi submetido ao exame de corpo de delito. Cumpre ressaltar que a faca usada na prática da infração penal, foi deixada no local, sendo apreendida em auto próprio e encaminhada ao Instituto de Criminalística, para exame de eficiência.
Um dia após o crime, o indiciado se apresentou na ____ Delegacia de Polícia, acompanhado de um advogado, para ser ouvido em declarações.
Como já havia sido indiciado nos autos do inquérito policial, Ricardo Santos foi interrogado. Na ocasião, ele, em apertada síntese, orientado pelo procurador, confessou a prática do delito, mas alegou legítima defesa.
Por ser primário e de bons antecedentes, e apresentar residência fixa, não foi pedida a prisão cautelar de Ricardo Santos num primeiro momento.
Ocorre que em 15/07/2020, um agente de Polícia Civil, designado para notificar o investigado para comparecimento à Unida Policial, para acareação com a vítima, notou que no muro da residência do indigitado havia uma placa ostentando os seguintes dizeres: “Vende-se. Tratar pelo telefone ______”, o que demonstra que o representado pretende se furtar da aplicação da lei penal.
II – Do Direito
No Processo Civil, os requisitos para uma ação cautelar são os seguintes: o fumus boni juris e o periculum in mora. Eles mostram que para ocorrer a prestação jurisdicional antecipada, o juiz tem de se convencer de que há a “fumaça do bom direito” e o “perigo da demora”. No Processo Penal, vários doutrinadores fizeram uma analogia diante dos institutos mencionados, para se mostrar como eles funcionariam neste ramo do Direito. Em matéria de prisão preventiva devem estar presentes os seguintes requisitos: fumus comissi delicti e o periculum libertatis.
No fumus comissi delicti (pressupostos) deve haver a existência de crime e indícios de autoria. No caso em tela, temos a comprovação de que o perito Malthus foi vítima de tentativa de homicídio qualificado, pela leitura do laudo de exame preliminar de lesão corporal que segue em anexo.
Para haver o periculum libertatis é necessária a presença de um dos seguintes fundamentos: a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica, a aplicação da lei penal e a conveniência da instrução criminal.
No caso em comento, o autor, Ricardo Santos, ao colocar a sua casa à venda, denota que fugirá do distrito da culpa, de maneira a inviabilizar a futura execução da pena.
Assim, presentes os pressupostos e fundamentos da prisão preventiva, imperativo se revela a segregação cautelar do representado, para se garantir a aplicação da lei penal.
O Princípio da Atualidade, inserido no Código de Processo Penal com o Pacote Anticrime, e que está relacionado com a “provisionalidade”, diz que para que uma prisão preventiva seja decretada, é necessário que o periculum libertatis seja atual, presente, não passado e tampouco futuro e incerto. A “atualidade do perigo” é elemento fundante da “natureza” cautelar.
III – Do pedido
Diante das razões de fato e de direito expostas, a Autoridade Policial ao final firmada representa pela prisão preventiva de Ricardo Santos, com encaminhamento dos autos devidamente relatados no prazo legal, a contar do dia em que se executar a ordem de prisão.
Local, data, ano.
Delegado de Polícia Civil
Matrícula nº _______
[1] Disponível em: https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=33065
Acesso às 5h56, do dia 12/11/2020.
[2] Disponível em: https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=33168
Acesso às 6h24, do dia 12/11/20.
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