O paradoxo do precatório trabalhista

Decisão do STF gerou debates sobre o futuro das condenações da Fazenda Pública

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22 de Dezembro de 2020

    A condenação da Fazenda Pública sempre trouxe grandes discussões quanto aos juros e à correção monetária que são aplicáveis. O art. 1º-F da Lei 9.494/97 foi alterado diversas vezes, sendo que a atual redação aponta que seriam utilizados os juros e a correção inerentes à caderneta de poupança:

“Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”

     Ocorre que a correção utilizada na poupança é a TR, índice que o STF já reputou totalmente insuficiente para compensar a inflação (que é muito maior). Veja a segunda parte da Tese firmada no Tema 810 da Lista de Repercussão Geral:

“(…) 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.”

    De outro lado, a Corte estabeleceu também que os juros seriam os próprios da caderneta de poupança, quando se trata de créditos não tributários. Observe a primeira parte da Tese firmada no Tema 810 da Lista de Repercussão Geral:

“1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09;”

    Assim, em uma dívida civil que a Fazenda Pública detenha, o índice é o IPCA-E e os juros são aqueles próprios da caderneta de poupança.

    Na seara trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho seguia essa lógica, sendo o IPCA-E o índice de correção. Leia esse julgado exemplificativo:

“2. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE APLICÁVEL. FAZENDA PÚBLICA. 2. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947, em sede de repercussão geral (Tema nº 810), fixou a seguinte tese no tocante à atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública: ” II – O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina “. (…) 2. 3. Nesse contexto, deve ser aplicado o IPCA-E a partir de 30/6/2009, tendo em vista a natureza vinculante do referido precedente, à luz do art. 927, III, do CPC/2015. (…)” (AIRR-1288-94.2012.5.04.0011, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 26/06/2020).

    Quanto aos juros, o TST reconhecia o cabimento dos juros da poupança, na forma da OJ 7 do Tribunal Pleno/Órgão Especial:

“JUROS DE MORA. CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA. (nova redação) – Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
II – A partir de 30 de junho de 2009, atualizam-se os débitos trabalhistas da Fazenda Pública, mediante a incidência dos índices oficiais
de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, por força do art. 5º da Lei n.º 11.960, de 29.06.2009.”

    Contudo, com a decisão do STF nas ADCs 58 e 59, houve uma fixação genérica de taxa Selic a partir da citação do réu na ação trabalhista. Como a taxa Selic engloba juros e correção monetária, mas atualmente é menor do que a inflação, como fica a condenação da Fazenda Pública?

    O crédito civil contra a Fazenda Pública será corrigido e remunerado de forma melhor do que o crédito trabalhista? Enquanto o crédito civil é atualizado pela inflação (IPCA-E) e ainda recebe remuneração pelo capital (juros da poupança), o crédito trabalhista, que é mais privilegiado, não atingirá nem ao menos a inflação? Como fica a isonomia?

    Por outro lado, caso se entenda que o crédito trabalhista contra a Fazenda Pública receberá o mesmo tratamento dos demais créditos não trabalhistas, então haverá outro problema: isso gera uma diferença significativa em relação ao crédito trabalhista contra outros devedores diferentes da Fazenda Pública.

    Logo, nessa última linha, o credor trabalhista da Fazenda Pública receberia um crédito atualizado com IPCA-E e remunerado com juros da poupança, ao passo que o credor trabalhista de outros devedores receberia somente com Taxa Selic (que nem cobre a inflação nos dias de hoje).

    E agora? Necessitamos aguardar os julgamentos futuros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho.

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22 de Dezembro de 2020