Olá prezados, tudo certo?
Hoje falaremos sobre um importantíssimo julgamento da lavra da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no RMS 42.120/SP, cujo cerne era a discussão sobre o procedimento a ser adotado pelo Ministério Público após o recebimento de notitia criminis inqualificada ou apócrifa (denúncia anônima) e os limites do sigilo bancário quando se constata uma movimentação atípica, mas que foi considerada normal pelo COAF.
É de rigor rememorar que não se defere a possibilidade de quebra de sigilo de dados com base exclusivamente em denúncia anônima. Entretanto, no caso em tela, após o recebimento da referida notícia, houve diligência para apuração de informações quanto à existência das movimentações. Entre essas diligências, menciona-se a própria consulta ao COAF, que referendou a informação quanto à realização das transações. Entretanto, não fez constar nos Relatórios de Inteligência Financeira (RIF´s) por entender que as movimentações eram lícitas[1].
Os RIF´s são instrumentos através dos quais dados fiscais são compartilhados quando se suspeita da prática de ilícitos criminais. No julgamento do RE 1.055.941, o STF entendeu – sob a sistemática de repercussão geral, que (i) é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal que define o lançamento do tributo com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional e (ii) o compartilhamento referido no item anterior pela Unidade de Inteligência Financeira e pela Receita deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Entretanto, isso ocorrerá quando o COAF entender haver indícios de atividades suspeitas e potencial ilicitude criminal. Mas e quando a conclusão for inversa? Quando o COAF entender que as movimentações são lícitas e não fizer constar no RIF?
De acordo com o Ministério Rogério Schietti Cruz, a existência do Relatório de Inteligência Financeira não é uma condição de procedibilidade para que o Ministério Público possa investigar movimentações financeiras atípicas. O titular da ação penal é o Ministério Público, que necessita desses dados para exercer seu juízo valorativo sobre a licitude das movimentações financeiras. Nada impede que haja decisão judicial a autorizar tal compartilhamento. Não fosse esse entendimento, a decisão do Coaf de não encaminhar o RIF acabaria por ser definitiva, já que o MPF não teria acesso às informações de modo direto e, com base apenas na denúncia anônima, não poderia recorrer ao Judiciário para a quebra do sigilo.
É importante compreender que uma das funções primordiais do Ministério Público é justamente atuar como garantia da ordem constitucional e observância do respeito e promoção dos direitos fundamentais. Nesse contexto, assegurar a possibilidade de acesso da instituição a movimentações suspeita é viabilizar a concretização de sua função constitucional. Como destacou em seu voto o Ministro Relator, a doutrina de Alexandre Araújo aponta que “Um Ministério Público que, na defesa dos interesses sociais seja capaz de enfrentar não somente os poderes públicos (como, por exemplo, a criminalidade do poder, traduzida na criminalidade política), mas também os selvagens poderes privados, traduzidos no absolutismo dos poderes econômicos (como, por exemplo, as grandes indústrias que produzem danos ambientais e à saúde dos consumidores) e dos poderes criminais (como, por exemplo, as organizações criminosas)”[2].
Tema extremamente rico para aparecer em provas!
Espero que tenham entendido e gostado!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] De acordo com o que consta dos autos, o COAF informou que os saques em espécie, acima de 100 mil, eram realizados semanalmente, mas não resultaram em Relatório de Inteligência Financeira (RIF).
[2] SOUZA, Alexander Araujo de. O Ministério Público como instituição de garantia: as funções essenciais do Parquet nas modernas democracias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, p. 154
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