Fala pessoal, tudo certo?
No Informativo 702 do Superior Tribunal de Justiça, houve a veiculação do REsp 1.794.854/DF, relatado pela Ministra Laurita Vaz, julgado em 23/06/2021, ocasião em que a 3ª Seção da Corte definiu, à unanimidade o Tema 1077, segundo o qual condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente.
Conforme se extrai do art. 68 do Código Penal Brasileiro, adotando a teoria idealizada por Nelson Hungria, a dosimetria da pena privativa de liberdade deve observar o sistema trifásico, a seguir esquematizado:
(i) 1ª Fase: A fixação da pena-base (utilizando-se os critérios do artigo 59 do Código Penal);
(ii) 2ª Fase: O magistrado deve levar em consideração a existências de circunstâncias atenuantes (contidas no artigo 65 do Código Penal) e agravantes (artigos 61 e 62, ambos do Código Penal);
(iii) 3ª Fase: Por fim, aqui, as eventuais causas de diminuição e de aumento de pena.
Especificamente em relação à primeira fase, o legislador delineou 08 vetores (circunstâncias judiciais) para nortear a atuação judicante e concretizando a individualização da pena: a culpabilidade; os antecedentes; a conduta social; a personalidade do agente; os motivos; as circunstâncias; as consequências do crime; e o comportamento da vítima. Para a valoração negativa de quaisquer delas, é imprescindível a devida fundamentação. Contudo, eventuais condenações transitadas em julgado que não forem consideradas para a reincidência, somente poderá funcionar como antecedente criminal.
Nesse sentido, vejamos alguns precedentes do STJ:
“Uma vez existente condenação transitada em julgado por fato anterior ao cometimento do delito sub examine, mostra-se correta a conclusão pela existência de maus antecedentes” (6ª Turma, HC 399.029/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/06/2018).
“O conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo do que o da reincidência, abrange as condenações definitivas, por fato anterior ao delito, transitadas em julgado no curso da ação penal e as atingidas pelo período depurador, ressalvada casuística constatação de grande período de tempo ou pequena gravidade do fato prévio” (6ª Turma. AgRg no AREsp 924.174/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/12/2016).
Apesar de as condenações pretéritas poderem servir – quando não funcionarem como agravante da reincidência – para recrudescer a pena base na 1ª fase da dosimetria da pena, deve-se destacar que isso acontecerá exclusivamente em relação aos antecedentes criminais, não podendo ser utilizadas para avaliar personalidade do agente ou mesmo a conduta social.
Em relação a essa última, aliás, volta-se a aferir o seu comportamento perante a sociedade, afastando tudo aquilo que diga respeito à prática de infrações penais. Afastando a possibilidade da valoração desse ponto ser realizada a partir de condenações pretéritas, o próprio Supremo Tribunal Federal já anotou que ela representa o comportamento do agente no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos. Os antecedentes sociais do réu não se confundem com os seus antecedentes criminais. São circunstâncias distintas, com regramentos próprios, razão pela qual não se mostra correto o magistrado utilizar as condenações anteriores transitadas em julgado como “conduta social desfavorável”[1].
Como bem registrado no voto da Ministra Relatora, essa condenações tampouco podem repercutir na esfera da PERSONALIDADE do agente, cuja valoração negativa “deve ser aferida a partir de uma análise pormenorizada, com base em elementos concretos extraídos dos autos, acerca da insensibilidade, desonestidade e modo de agir do criminoso para a consumação do delito[2]. A personalidade, pois, é um retrato psíquico do agente, com suas qualidades morais e sociais.
Nesse caminhar, cumpre registrar que a conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios – referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito -, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social)[3].
Ou seja, pode anotar no seu material a síntese do TEMA 1077, porque ele VAI CAIR NA SUA PROVA: “Condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente”.
Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] STF, 2ª Turma, RHC 130132, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/5/2016.
[2] HC 472.654/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 11/3/2019 e STJ, AgRg no REsp 1.918.046/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 19/04/2021
[3] STJ, 3ª Seção, EAREsp 1.311.636-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/04/2019.
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