Neste humilde e singelo artigo, vamos esposar nossa opinião sobre o delito insculpido no art. 130 do CP, além de confrontá-lo com o art. 131 do Diploma Legal, pois tratam de condutas parecidas, mas que, quando analisados de forma submersa, deles emergem e insurgem inúmeras diferenças.
Ab initio, cumpre-se destacar que a conduta delineada no art. 130 independe de vontade ou intenção de transmitir a moléstia venérea, bastando que o agente saiba ou deva saber que tenha contraído a doença venérea.
O “deva saber”, apesar de parte da doutrina afirmar que poderia ser uma modalidade culposa, discordamos, pois, para se falar em crime culposo imprescindível, seria a expressa previsão legal, conforme determina o princípio da excepcionalidade do crime culposo.
Na esteira, temos que tal delito é classificado como de perigo abstrato ou presumido, uma vez que não há que se provar que a relação sexual era capaz de transmitir a doença, diferentemente do art. 131, que é de perigo concreto ou efetivo, pois é necessário provar que o ato praticado pelo agente era capaz de transmitir a moléstia grave, porquanto há doenças que podem ser transmitidas por um simples aperto de mão ou uso de copos ou talheres. Portanto, caso não seja possível transmitir a moléstia grave pelo ato praticado pelo agente, descortinado estará o crime oco, crime impossível, tentativa inidônea, todos sinônimos para se falar em crime impossível, delineado no art. 17 do CP, por ineficácia absoluta do meio, evidentemente.
Nesse sentido, o art. 131 do CP (Perigo de Contágio de Moléstia Grave) trata de um crime em que é imprescindível a vontade, a intenção de transmitir a doença, pois, do contrário, ausente o chamado dolo específico, ou elemento subjetivo especial do tipo, chamado pela doutrina contemporânea, estaríamos diante de um fato atípico, uma atipicidade absoluta.
Saliento que parte da doutrina, como o eminente professor Luiz Regis Prado, entende que não há que se dividir o dolo em genérico ou específico, pois o dolo é uno.
Entendam: a intenção de praticar o ato é o chamado dolo genérico, e a intenção de transmitir a doença já é um algo mais, um especial fim de agir, chamado de dolo específico. Não bastando o dolo genérico para configurar o crime previsto no artigo 131 do CP, imprescindível é o dolo específico, sob pena de o agente não responder por crime.
Diferentemente do que ocorre no crime de Extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP), em que ausente o dolo específico (com o fim de receber resgate), teríamos uma atipicidade relativa, pois descortinado estaria o delito previsto no art. 148 do CP – Sequestro ou Cárcere Privado.
Na esteira, temos que, no art. 130, então, independe de intenção de transmitir a moléstia, mas, caso tenha a intenção, temos a forma qualificada, deixando, então, de ser um crime de menor potencial ofensivo, afastando a possibilidade de transação penal, passando a ser penalizado com reclusão de 1 a 4 anos, cabendo apenas o benefício da suspensão condicional do processo, preenchendo os requisitos, evidentemente, do art. 77 do CP, suspendendo, assim, o processo pelo prazo de dois a quatro anos (período de prova).
O crime delineado no art. 130 é de ação penal pública condicionada, conforme o § 2º nos demonstra, ou seja, depende de representação para a propositura da ação penal, tendo o prazo de seis meses, a contar da data que a vítima conhece a autoria do fato, sob pena de decadência.
Por fim, trago o seguinte questionamento…
A maioria da doutrina, ou quase sua totalidade, afirma que o delito do art. 130 é crime próprio ou especial, pois somente poderia ser praticado pelo agente que detém a moléstia venérea. Ok, mas me diga uma coisa: como um agente que detém a moléstia venérea poderá se valer de um terceiro, em concurso (tendo liame subjetivo ou vinculo psicológico), ou longa manus para transmitir a doença que ele tem, para o terceiro praticar a relação sexual e transmitir para a vítima, COMO??? Pergunta é que se faz aos estudiosos, preclaros doutrinadores que não respondem essa pergunta…
Posto isto, melhor seria classificar o delito como de mão própria ou atuação pessoal, pois não posso me valer de um terceiro para a prática do crime.
O art. 131 do CP, por sua vez, tudo bem, pois eu posso entregar um talher que utilizei para transmitir Hepatite C por meio de um terceiro que entregará à vítima. Posto isso, trata-se sim de delito próprio ou especial, pois admite coautoria e participação, diferentemente dos delitos de atuação pessoal que não admitem coautoria, somente participação (exceção: o STF admite coautoria no delito de falso testemunho, previsto no artigo 342 do CP, de forma excepcionalíssima, é claro, quando o advogado induz a testemunha a mentir, sendo o advogado considerado como autor mandante, evidentemente, partindo da premissa de que a teoria adotada pelos Tribunais Superiores, com relação à autoria, é a teoria do Domínio do Fato).
Finalizando, sinalizo que o crime previsto no art. 131 é de ação penal pública incondicionada, ou seja, não depende de manifestação da vítima para propositura da ação penal, e que, em relação à aids, segundo entendimento do STJ, o agente responde pelo art. 129, § 2º, Inciso II, do CP, lesão corporal gravíssima, resultando moléstia incurável.
Tergiversaram os doutrinadores a respeito desse tema, tendo parte admitido o conatus de homicídio ou o próprio art. 131 do CP.
Certo é que a medicina evoluiu e que tentativa de homicídio não seria o melhor entendimento, mas que no passado, sim, seria acertado esse entendimento, em razão da escassez de recursos para alcançar um tratamento adequado, pois o infectado certamente viria a falecer.
Do lado diametralmente oposto está o STF, que não chegou a alguma conclusão, mas pensamos que a conduta de quem tem a moléstia aids e pratica relação sexual com a intenção de transmitir se amoldaria melhor ao delito insculpido no art. 131 do CP, entretanto entendemos também que, por outro lado, a pena é totalmente insignificante, as consequências do crime muito exacerbadas, e, talvez por esse motivo, os ministros do STJ tenham entendido dessa forma.
É isso…
Estudem, não percam tempo…
Natale Souza
Mestre em Saúde Coletiva pela UEFS. Servidora Pública da Prefeitura Municipal de Salvador. Coach, Mentora, Consultora e Professora na área de Concursos Públicos e Residências. Graduada pela UEFS em 1998, pós-graduada em Gestão em Saúde, Saúde Pública, Urgência e Emergência, Auditoria de Sistemas, Enfermagem do Trabalho e Direito Sanitário. Autora/Coordenadora de 04 livros – e participação como autora de capítulos em 07 obras, alguns deles: : Legislação do SUS – vídeo livro ( Editora Concursos Psi); Legislação do SUS – Comentada e esquematizada ( Editora Sanar); Políticas de Saúde, Saúde Coletiva e Legislação do SUS – 500 questões comentadas (Editora Sanar), 1000 Questões Comentadas de Enfermagem (Editora Sanar), 426 Questões Comentadas de Residências em Enfermagem (Editora Sanar). Aprovada em 16 concursos e seleções públicas (nacionais e internacionais) dentre elas: – Programa de Interiorização dos Profissionais de Saúde – MS – lotada em MG; – Consultora do Programa Nacional de Controle da Dengue (OPAS), lotada em Brasília; – Consultora Internacional do Programa Melhoria da Qualidade em Saúde pelo Banco Mundial, lotada em Brasília; – Governo do estado da Bahia – SESAB – urgência e emergência; – Prefeitura Municipal de Aracaju; – Prefeitura Municipal de Salvador; – Professora da Universidade Federal de Sergipe UFS; – Governo do Estado de Sergipe (SAMU); – Educadora em Saúde mental /FIOCRUZ- lotada Rio de Janeiro.
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