Eventual firmeza na condução do interrogatório pelo Juiz-Presidente gera ruptura da imparcialidade dos jurados no âmbito do Plenário do Júri?

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Olá pessoal, tudo certo?

Hoje falaremos sobre um importante tema no âmbito do processo penal, que mereceu reflexão recente da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (HC 694.450-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021).

No caso em tela, a defesa suscitou nulidade do julgamento em plenário, em razão de o juiz-presidente ter conduzido os debates – inclusive o interrogatório – com linguagem excessiva, influenciando – indevidamente – o ânimo dos jurados (juízes leigos) contra o paciente. Entre outras coisas, o magistrado teria promovido indevidas intervenções durante a fala da defesa, no depoimento de testemunhas e, até mesmo, no interrogatório do paciente.

Vale registrar que a função do magistrado no âmbito do julgamento em plenário do júri exige cuidados ainda mais especiais. É que, considerando que os juízes dos fatos são os jurados, cuja formação jurídica inexiste, a atuação tendenciosa do juiz togado pode ser decisiva para influenciar no ânimo e, portanto, na votação dos quesitos.

Isso não significa dizer que o magistrado é um mero espectador. Não. Ele possui não apenas o direito, mas o dever de conduzir o julgamento de forma eficiente e isenta na busca da verdade real dos fatos, em atenção a eventual abuso de uma das partes durante os debates. Essa atribuição encontra guarida expressa no art. 497, III do Código de Processo Penal. Vejamos:

Art. 497.  São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código: I – regular a polícia das sessões e prender os desobedientes; II – requisitar o auxílio da força pública, que ficará sob sua exclusiva autoridade; III – DIRIGIR OS DEBATES, INTERVINDO EM CASO DE ABUSO, EXCESSO DE LINGUAGEM OU MEDIANTE REQUERIMENTO DE UMA DAS PARTES; IV – resolver as questões incidentes que não dependam de pronunciamento do júri; V – nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor; VI – mandar retirar da sala o acusado que dificultar a realização do julgamento, o qual prosseguirá sem a sua presença; VII – suspender a sessão pelo tempo indispensável à realização das diligências requeridas ou entendidas necessárias, mantida a incomunicabilidade dos jurados; VIII – interromper a sessão por tempo razoável, para proferir sentença e para repouso ou refeição dos jurados; IX – decidir, de ofício, ouvidos o Ministério Público e a defesa, ou a requerimento de qualquer destes, a arguição de extinção de punibilidade; X – resolver as questões de direito suscitadas no curso do julgamento; XI – determinar, de ofício ou a requerimento das partes ou de qualquer jurado, as diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade; XII – regulamentar, durante os debates, a intervenção de uma das partes, quando a outra estiver com a palavra, podendo conceder até 3 (três) minutos para cada aparte requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última.(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

É verdade que o excesso de linguagem pode ensejar a nulidade do julgamento em plenário. Entretanto, na visão clássica dessa perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça aponta que para essa consequência se materializar, imprescindível se faz a ausência de dúvidas quanto ao prejuízo à acusação ou à defesa, o que não se verificou no caso concreto ora apreciado. Como apontado pela Corte em precedente antigo, “diante das peculiaridades do julgamento pelo Tribunal do Júri, em que não raras vezes as partes proferem dizeres impensados ou espontâneos, cabe ao magistrado aferir, caso a caso, se excessivas ou aptas a contaminar o conselho de sentença, só sendo possível a anulação do julgamento se o prejuízo à acusação ou defesa for extreme de dúvidas, nos termos do artigo 563 da Lei Penal Adjetiva[1].

Conforme já deliberado pelo Superior Tribunal de Justiça, em processo relativo ao procedimento do júri, a firmeza do magistrado presidente na condução dos debates não acarreta, necessariamente, a quebra da imparcialidade dos jurados. Segundo a 6ª Turma, “a condução pelo togado do interrogatório da ré, durante o júri, de forma firme e até um tanto rude, não importa, necessariamente, em quebra da imparcialidade do magistrado e nem influência negativa nos jurados, tanto mais se, como na espécie, sequer recurso sobre o mérito da condenação apresentou a defesa. 2 – O mesmo se diga quanto a ter a juíza perguntado à ré se esta tinha ameaçado testemunha, conforme telefonema que recebera a
magistrada momentos antes da sessão de julgamento, porquanto teve a defesa oportunidade de se manifestar, bem assim a própria ré que negou o fato. Em matéria de nulidade, no processo penal, como cediço, há de ser demonstrado prejuízo, ausente na espécie[2].

Em outra oportunidade, a 5ª Turma anotou que nem mesmo a utilização de termos mais fortes e expressivos na sentença penal condenatória — como “bandido travestido de empresário” e “delinquente de colarinho branco” — configuraria, por si só, situação apta a comprovar a ocorrência de quebra da imparcialidade do magistrado[3].

Portanto, é correto asseverar que o entendimento predominante na jurisprudência do STJ e no sentido de que a condução do interrogatório do réu de forma firme e até um tanto rude durante o júri não importa, necessariamente, em quebra da imparcialidade do magistrado e em influência negativa nos jurados. Ou seja, a firmeza do magistrado presidente na condução do julgamento não acarreta, necessariamente, a quebra da imparcialidade dos jurados.

 

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 


[1] HC 282.691/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe de 18/8/2015.

[2] HC 410.161/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 27/04/2018

[3] STJ, 5ª Turma, REsp 1.315.619-RJ, Rel. Min. Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR), julgado em 15/8/2013.

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