Platão (427-347 a.C.) desenvolve o método socrático da interrogação e faz da maiêutica a sua dialética para se atingir a verdade (método que, através da pergunta, leva o interlocutor a descobrir as verdades que ele já possuía, embora desconhecesse, sendo o segredo para a busca das respostas a respeito das questões éticas). Portanto, conhecer é recordar o que já se sabia. Assim, Platão desenvolve os mesmos pressupostos elementares do pensamento socrático: a virtude é o conhecimento, e o vício existe em função da ignorância.
Noutro giro, o que há de Platão, diferentemente da proposta de Sócrates, é o distanciamento das atividades prático-políticas. Se Sócrates ensinava nas ruas da cidade, Platão, decepcionado com o golpe que a cidade desferiu contra a filosofia (morte de Sócrates), ensinará num lugar separado, distanciado da cidadania participativa: a Academia (escola).
Platão desenvolve uma teoria, baseada na tripartição da alma: (i) alma logística, correspondente à parte superior do corpo (cabeça), à qual se liga a figura do filósofo; (ii) alma irascível (que se ira com facilidade; irritável; irado; enfurecido), que corresponde à parte mediana do corpo humano (peito), caracterizada pela coragem como virtude cavalheiresca; (iii) alma apetitiva, correspondendo à parte inferior do corpo humano (baixo ventre), à qual se ligam os artesãos, comerciantes e o povo (cultura dominante hoje – sexo?).
Assim, Platão estabelece diversas vantagens no que diz respeito à parte logística alma, entre outras, as seguintes: (a) representa o que diferencia o ser humano de outros seres; (b) representa a imortalidade do ser; (c) representa o que há de mais excelente no homem, que o faz assemelhar-se aos deuses; (d) é hegemônica diante das outras partes da alma humana; (e) é capaz de reflexão, opinião, imaginação; (f) é capaz de razão e é essa razão que permite ao homem promover, por meio da contemplação, as idéias que somente aos deuses são acessíveis, sendo a única capaz de ciência.
O virtuosismo platônico tem relação direta com o domínio das tendências irascíveis (ira, raiva) e concupiscíveis ou apetitivas humanas (inclinação a gozar os bens materiais; apetite sexual; sensualidade – alma apetitiva), tudo com vistas à supremacia da alma logística. Então, virtude significa controle, ordem, equilíbrio, em que às almas irascíveis e apetitivas se submetem aos comandos da alma racional, que é a alma logística. Assim, a boa conduta será a que se afinar com a alma logística.
A conduta ética que deflui da alma logística (racional) é exatamente a de realizar o controle e equilíbrio entre as partes da alma, de modo que o todo se administre por força racional controlando os instintos ferozes (alma irascível) e o descontrole sexual (alma apetitiva).
Ressalta-se que onde predomina as partes inferiores (peito – alma irascível e baixo ventre – alma apetitiva) com relação a alma racional (logística), aí está implementado o reino da desordem, isso porque ora manda o peito, e suas ordens e mandamentos são incontroláveis (ódio, rancor, inveja, ganância etc.), ora manda a paixão ligada ao baixo ventre (sexualidade, gula etc.).
Deste modo, buscar a virtude é afastar-se do que é normalmente valorizado pelos homens, que é o que mais ainda o liga ao corpo e ao mundo terreno, e procurar o que é valorizado pelos deuses, e que mais o distancia do corpo e do mundo terreno. “O corpo nunca nos conduz a algum pensamento sensato”, de acordo com Platão .
Destarte, para que se fortaleça a conduta ética devem ser abandonados os desejos do corpo e se deve aprimorar a alma racional ou logística, pois só assim se encontrará a verdade ética. Leitura de Platão (Fédon ou da alma – p. 127-128).
Segundo Platão, a tarefa de educação das almas deve ser levada a cabo pelo Estado, que monopoliza a vida do cidadão. Deste modo, a educação deve ser pública, com vistas ao melhor aproveitamento do cidadão pelo estado e do estado pelo cidadão. Assim, a formação espiritual do homem cabe ao Estado, entidade que é organização de poder e instituto de educação, cuja finalidade é conduzir os indivíduos ao conhecimento do bem supremo e prática das virtudes que deverão torná-los felizes.
Platão, ao contrário do que faz o aristotelismo, prima pelo idealismo (prioridade ao mundo das idéias) e não pelo realismo. Configura-se isso, por exemplo, na história do mito de Er (final do Livro X do diálogo República) – Er, guerreiro originário da Panfília (Ásia Menor), que, morto em uma batalha, teve seu corpo posteriormente encontrado dentre outros cadáveres de guerreiros, mas na espantosa condição de cadáver são e íntegro. Uma vez encontrado, reconduzido à sua pátria e velado por doze dias, sendo que no último desses doze dias, recobrou a vida e contou aos circunstantes (indivíduos que estão presentes) o que havia visto no Hades (além-vida). Aí, Er começa narrar com seria a vida no Além, contando que, ao deixar o corpo, sua alma foi para um lugar maravilhoso, onde se aglomeravam inúmeras almas, e onde se avistavam buracos, no solo e no céu. Os juízes, que ali se encontravam, avistavam os justos, e a estes recomendavam seguir para o céu, por uma das aberturas, e avistavam, da mesma forma, os injustos, e a estes recomendavam seguir para baixo (solo), por uma das aberturas. Esses mesmo juízes, que selecionavam os justos dos injustos, recomendaram a Er que não tomasse nenhuma das direções, mas que retornasse ao mundo e servisse de testemunha aos homens do que havia visto ali. Assim, afirma Er ter visto o buraco do solo cheio de almas sujas e empoeiradas, que contavam sofrimento e dores, e o do buraco do céu, almas puras, que contavam das maravilhas que haviam visto.
Conclui-se, portanto, que todos serão responsabilizados pelos atos praticados na terra (justos e injustos), que irão influir diretamente no seu destino post mortem. Desta forma, existe, para além da ineficaz e relativa justiça humana (a mesma que condenou Sócrates à morte!), uma Justiça divina (sublime; superior), infalível e absoluta, e da qual não se pode furtar qualquer infrator.
Nesse sentido, o mecanismo é implacável, uma vez que toda alma comparecerá diante de um tribunal superior, que sentenciará os certos os erros, determinando o fim de cada qual no Além-vida (Hades).
Para se concluir, deve-se afirmar novamente que no controle das almas (irascível e apetitiva) pela alma logística reside a harmonia da virtude; no descontrole, o vício. Platão estabelece uma hierarquia das idéias e o lugar supremo está reservado ao bem. A justiça platônica é a harmonização das atividades da alma e de suas respectivas virtudes, a saber: (a) à inteligência corresponde a sabedoria; (b) à vontade, o valor: (c) aos apetites, a temperança. Portanto, há um idealismo moral intenso na ética platônica, para quem a virtude vale tanto quanto a felicidade e, assim, a filosofia prática se divide nos aspectos éticos e políticos.
Edvaldo Nilo
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