Nova série – O Juridiquês

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o-juridique-quadrado-facebook-1Juridiquês é um vocábulo usado no Brasil que pode ser conceituado como o uso desnecessário e excessivo de termos técnicos de Direito, tratando-se, portanto de um neologismo. Inicialmente, este termo era usado no sentido pejorativo e servia como chacota para nomear o linguajar técnico e rebuscado dos profissionais do Direito.
O termo tornou-se mais conhecido depois que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançou a Campanha pela Simplificação do “Juridiquês” em 28 de agosto de 2005.
Apesar de existir uma campanha para simplificação desses jargões jurídicos, é importante que o advogado ou o profissional que atua diretamente com áreas do Direito conheça bem esses termos, para que não se veja travado diante de um exame ou prova, como o Exame de Ordem, ou na hora de apreciar ou redigir uma tese ou sentença.
O Projeto Exame de Ordem do Gran Cursos Online dá início a uma nova série que será realizada semanalmente em nosso blog: a série – O Juridiquês.
A série tem como objetivo propósito simplificar a linguagem jurídica, e conscientizar estudantes, bacharéis e advogados sobre a importância do domínio dos termos técnicos jurídicos para um exímio exercício da profissão e para o universo do Direito como um todo.
Sendo assim, daremos início ao projeto com as dicas da professora Mara Saad, professora de Português Jurídico e especialista em Direito Processual Civil:
ENTENDA O SIGNIFICADO DE ALGUMAS PALAVRAS PARA NÃO ERRAR NA PROVA DO EXAME DE ORDEM
O Exame de Ordem consiste, na primeira fase, na aplicação de prova objetiva do tipo múltipla escolha e, na segunda fase, de prova subjetiva, do tipo situação-problema e peça prático-profissional. Em ambos os casos, exige-se do examinando, além do conhecimento do conteúdo, o domínio de algumas técnicas de interpretação enunciativa.
A interpretação enunciativa consiste em extrair do enunciado da questão o máximo de informações possíveis e necessárias para conduzir ao acerto da questão.
Uma dessas técnicas está relacionada à semântica, que é um ramo da linguística que estuda o significado das palavras.
No universo da Língua Portuguesa, especialmente no campo jurídico, existem palavras que podem confundir e acabar induzindo a erro.
Conhecendo o significado das palavras, as chances de erro são menores.
Vejamos algumas palavras que ensejam dúvidas:
1) PRESCINDIR (prescindível) e IMPRESCINDIR (imprescindível):
O verbo PRESCINDIR significa “dispensar”, o que nos conduz ao significado “não ser necessário”, “dispensável”.
O verbo IMPRESCINDIR, ao contrário, por conter o prefixo “im”, indicativo de negação, significa “não dispensar”, o que nos conduz ao significado “ser necessário”, “indispensável”.
Numa primeira leitura, não parece haver maiores dificuldades quanto ao significado dessas palavras, mas a complicação está exatamente no seguinte: o verbo PRESCINDIR (e seu respectivo adjetivo “prescindível”), por não conter prefixo negativo (im), nos leva à ideia de que “é preciso”, quando, na verdade, o significado é exatamente o contrário: “NÃO É PRECISO”, “É DISPENSÁVEL”.
Da mesma forma ocorre com o verbo IMPRESCINDIR (e seu respectivo adjetivo “imprescindível”) que, por conter o prefixo negativo “im”, nos leva à ideia de que “não é preciso”, quando, na verdade, o significado é exatamente o contrário: “É PRECISO”, “É INDISPENSÁVEL”.
Assim, deve-se tomar cuidado com os verbos “prescindir” e “imprescindir” e suas variações, especialmente quando, porventura, a banca utilizar a locução “não prescinde”, pois, neste caso, o significado passa a ser o mesmo que “imprescindível” e “indispensável”.
O XX Exame de Ordem trouxe o adjetivo “imprescindível” e o verbo “prescindir” na questão 20 (Prova Tipo 1 – Branca). Veja:

QUESTÃO 20.

Considere o seguinte caso: Em um Estado do norte do Brasil está havendo uma disputa que envolve a exploração de recursos naturais em terras indígenas. Esta disputa envolve diferentes comunidades indígenas e uma mineradora privada. Como advogado que atua na área dos Direitos Humanos, foi-lhe solicitado elaborar um parecer. Nesse caso, é imprescindível [INDISPENSÁVEL] se ter em conta a Convenção 169 da OIT, que foi ratificada pelo Brasil, em 2002. De acordo com o Art. 2º desta Convenção, os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade.

Levando-se em consideração esta Convenção e em relação ao que se refere aos recursos naturais eventualmente existentes em terras indígenas, assinale a afirmativa correta.

A) Os povos indígenas que ocupam terras onde haja a exploração de suas riquezas minerais e do subsolo têm direito ao recebimento de parte dos recursos auferidos, mas não possuem direito a participar da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados.

B) Em caso de a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo pertencer ao Estado, o governo deverá estabelecer ou manter consultas dos povos interessados, a fim de determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, antes de empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes.

C) A exploração de riquezas minerais e do subsolo em terras ocupadas por povos indígenas é aceitável e prescinde [DISPENSA] de consulta prévia desde que se cumpram os seguintes requisitos: preservação da identidade cultural dos povos ocupantes da terra, pagamento de royalties em função dos transtornos causados e autorização por meio de decreto legislativo.

D) Em nenhuma hipótese pode haver a exploração de riquezas minerais e do subsolo em terras ocupadas por populações indígenas.

(Alternativa correta: B)

Assim, para não haver mais dúvidas, vamos recapitular:
PRESCINDIR/PRESCINDÍVEL = DISPENSAR, DISPENSÁVEL.
IMPRESCINDIR/IMPRESCINDÍVEL = NÃO DISPENSAR, INDISPENSÁVEL.
2) ESCUSÁVEL e INESCUSÁVEL:
O adjetivo ESCUSÁVEL significa “perdoável”, “desculpável”, “justificável”.
O adjetivo INESCUSÁVEL, ao contrário, por conter o prefixo “in”, indicativo de negação, significa “imperdoável”, indesculpável”, “injustificável”.
Até aqui parece fácil, não?
O problema situa-se no campo jurídico, especialmente no Direito Penal.
No Direito Penal, o ERRO ESCUSÁVEL é o ERRO INEVITÁVEL, ou seja, aquele que não pode ser evitado pelo cuidado normal do agente.
O ERRO INESCUSÁVEL, ao contrário, é o ERRO EVITÁVEL, ou seja, aquele que pode ser evitado pelo cuidado normal do agente, resultado da imprudência ou negligência.
Aqui, a dificuldade reside exatamente no seguinte: a palavra ESCUSÁVEL, por não conter prefixo negativo (im), nos leva a ideia de que seu significado é “evitável”, quando, na verdade, é exatamente o contrário, ou seja, INEVITÁVEL.
A palavra INESCUSÁVEL, por sua vez, por conter o prefixo negativo “im”, nos levada à ideia de que seu significado é “inevitável”, quando, na verdade, é exatamente o contrário, ou seja, EVITÁVEL.
O art. 21 do Código Penal traz a seguinte redação sobre a matéria, o que pode confundir aquele que não sabe o real significado das palavras:

O desconhecimento da lei é inescusável [injustificável]. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável [escusável], isenta de pena; se evitável [inescusável], poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

O XIV Exame de Ordem, na questão 64 (Prova Tipo 1 – Banca), abordou matéria relativa ao erro escusável. Veja.

QUESTÃO 64.

Eslow, holandês e usuário de maconha, que nunca antes havia feito uma viagem internacional, veio ao Brasil para a Copa do Mundo. Assistindo ao jogo Holanda x Brasil decidiu, diante da tensão, fumar um cigarro de maconha nas arquibancadas do estádio. Imediatamente, os policiais militares de plantão o prenderam e o conduziram à Delegacia de Polícia. Diante do Delegado de Polícia, Eslow, completamente assustado, afirma que não sabia que no Brasil a utilização de pequena quantidade de maconha era proibida, pois, no seu país, é um habito assistir a jogos de futebol fumando maconha.

Sobre a hipótese apresentada, assinale a opção que apresenta a principal tese defensiva.

A) Eslow está em erro de tipo essencial escusável [INEVITÁVEL], razão pela qual deve ser absolvido.

B) Eslow está em erro de proibição direto inevitável [ESCUSÁVEL], razão pela qual deve ser isento de pena.

C) Eslow está em erro de tipo permissivo escusável [INEVITÁVEL], razão pela qual deve ser punido pelo crime culposo.

D) Eslow está em erro de proibição, que importa em crime impossível, razão pela qual deve ser absolvido.

(Alternativa correta: B)

Assim, deve-se ficar atento a essa diferenciação, pois o descuido pode induzir a erro, especialmente quando, porventura, a banca examinadora fizer uso da locução “não é escusável”, pois neste caso o significado passa a ser o mesmo que “inescusável”, “evitável”.
Assim, recapitulando, especificadamente no campo do Direito Penal:
ESCUSÁVEL = INEVITÁVEL.
INESCUSÁVEL = EVITÁVEL.
3) AO ENCONTRO DE / DE ENCONTRO A
A locução AO ENCONTRO DE significa “estar de acordo com”, “em favor de”, “em direção a”. Traduz a ideia de CONCORDÂNCIA.
A locução DE ENCONTRO A significa “estar em desacordo com” “contra”, “em oposição a”, “em sentido contrário”. Traduz a ideia de DISCORDÂNCIA.
É muito comum o uso invertido dessas expressões, por isso, deve-se ficar atento a essa diferenciação, que é muito importante para o caso de aplicação em enunciados de prova. A banca examinadora pode vir a aplicar a expressão com o intuito de confundir o candidato.
Veja exemplos que bem traduzem o significado de tais locuções:
Ex.: O art. 310 do Código de Processo Penal vai ao encontro [está de acordo com] da garantia constitucional prevista no art. 5º, LXV, da Carta Magna Constitucional.
Ex.: O entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vai de encontro [está em desacordo com] à jurisprudência já pacificada do STF sobre a matéria.
Ex.: o legislador brasileiro, ao aumentar os prazos processuais, foram de encontro [contra] aos anseios dos jurisdicionados, que buscam a celeridade processual.
Por hoje é isso.
Espero que as dicas tenham sido úteis e valiosas.
Um abraço da Professora Mara Saad.

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Mara-Saad
Mara Saad – Formada em Letras pela Universidade de Brasília (UnB) e em Direito pelo UniCEUB, com especialização em Direito Processual Civil pelo ICAT – Instituto de Cooperação e Assistência Técnica do Centro Universitário do Distrito Federal, hoje UDF. Servidora Pública aposentada no cargo de Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, onde exerceu durante mais de vinte anos assessoria de magistrado. Autora dos livros para concursos “TJDFT em Esquemas” e “STF em Esquemas”, ambos detidos ao ensino dos Regimentos Internos e legislação correlata dos respectivos Tribunais. Exerce atualmente a docência no Instituto de Formação Judiciária Luiz Vicente Cernicchiaro do TJDFT, ministrando cursos de Técnicas de Redação Jurídica com vistas à capacitação e ao aperfeiçoamento dos servidores da Casa.

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