A falácia da "indústria do dano moral"

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As ações judiciais contra planos de saúde vêm crescendo no Estado de São Paulo de forma exponencial e preocupante. Segundo estudo da USP, entre 2011 e 2016 as ações na primeira instância aumentaram 631%, enquanto que na segunda instância houve um crescimento, no mesmo período, de 146%1.

Segundo Mário Scheffer, coordenador da pesquisa, o aumento expressivo desta judicialização contra planos de saúde no Estado de São Paulo está diretamente relacionado, dentre outros fatores, a persistência de práticas abusivas destas empresas. O que mais impressiona é que não houve um aumento significativo do número de usuários, mas somente da quantidade de reclamações.

Ocorre que, grande parte da culpa deste aumento de processos e da sobrecarga do judiciário com este tipo de demanda, em partes, é do próprio Poder Judiciário. A conta é simples: quanto mais se nega o direito dos usuários, mais estes buscarão o judiciário e, consequentemente, mais sobrecarga ocorrerá.

Neste sentido, quando a empresa é condenada apenas em prestar o serviço que já deveria ter sido prestado contratualmente, estar-se-á incentivando-a a continuar negando os direitos que os usuários possuem. Por vezes, quando o usuário requer indenização por danos morais – como caráter punitivo ou não -, não tem seu pedido atendido. Quando o tem, é um valor irrisório se comparado ao faturamento que estas empresas possuem.

O Poder Judiciário, não raras vezes, faz uma inversão de valores, e acata, mesmo que implicitamente, a falácia argumentativa da “indústria do dano moral”. Este argumento, muito utilizado no âmbito do Direito Consumeirista pelas empresas ao se defenderem, consiste em dizer, resumidamente, que a sobrecarga do judiciário decorre do fato de que hoje todos o buscam a fim de conseguir angariar dinheiro com uma eventual condenação por danos morais.

Tal argumento não merece prosperar. Quando o judiciário condena as empresas – ou no caso em tela, os planos de saúde – a apenas fazer o que já deveriam por direito, estar-se-á incentivando-as a continuar negando o que é devido aos usuários e, assim, não restará alternativa a estes, senão impetrar demandas judiciais.

Quando muito, o judiciário condena as empresas em valores irrisórios de danos morais. Irrisórios, porque, para a maioria dos planos de saúde, esta quantia não representa um valor significativo, sequer chegando a um terço do valor da cirurgia ou do serviço que eles mesmos se negaram a fazer quando deveriam.

Deve-se parar com a ideia de que o usuário é o culpado pelo aumento das demandas, buscando o judiciário por qualquer motivo para tentar auferir uma vantagem pecuniária. Além disso, o argumento de que ao condenar em um montante elevado a empresa por danos morais como caráter punitivo (punitive damages) incorreria em enriquecimento sem causa por parte do usuário, o que violaria o art. 884, do CC de 2002, é um equívoco.

Ao se valer de tal argumento não se estaria utilizando da melhor forma possível o punitive damages, bem como se estará incentivando as empresas a não cumprirem o que deveriam fazer inicialmente, pois para elas seria muito mais vantajoso. Possivelmente, se houvesse condenações elevadas e de caráter realmente punitivo as empresas refletiriam melhor antes de negarem um atendimento hospitalar ou serviço. Com as condenações que há atualmente no judiciário, compensa a elas primeiro negar o atendimento para depois analisar a situação do usuário.

Ao judiciário cabe um papel simples: condenar de forma a inibir que as empresas continuem a agir de má-fé, pensando somente no lucro, sem analisar a vida que está por trás daquele contrato.

O punitive damages, de origem norte-americana, tem sido cada vez mais aceito no judiciário brasileiro, e consiste em uma indenização de valor expressivamente superior ao necessário à compensação do dano, tendo em vista a finalidade de punição e prevenção, devendo ser aplicável em casos de extrema gravidade, no qual a conduta do ofensor se mostra extremamente reprovável.

Ocorre que, de “punitive”, no Brasil, as condenações não têm muito, pois o judiciário pátrio ainda insiste, na maioria das vezes, em manter condenações relativamente baixas, argumentando que o punitive damages violaria o sistema jurídico nacional, criando um ciclo vicioso no qual a balança sempre pende para o lado do mais fraco: o usuário.

Deve-se utilizar o punitive damages de forma a inibir de fato a atitude predatória dessas empresas. Por exemplo, se uma cirurgia custa “x”, deve-se condenar a empresa, ao notar que esta agiu de má-fé, não somente a cumprir o contrato e fazer o que já deveria ter feito, mas também, ao menos, ao valor da cirurgia pleiteada, a depender do caso, como caráter indenizatório e punitivo, visando coibir que ela continue negando para outros usuários o serviço e, consequentemente, se aumente ainda mais as demandas judiciais.

Caso assim atuasse o judiciário, tanto os usuários como ele próprio sairiam ganhando. O judiciário porque iria diminuir as demandas judiciais contra empresas que agem de má-fé e os usuários porque teriam os seus direitos respeitados e não precisariam recorrer a demandas judiciais exaustivas.

Obviamente, não se deve utilizar do punitive damages irrestritamente, cabendo ao judiciário analisar as particularidades de cada demanda judicial a fim de que haja uma condenação justa, mas que de fato iniba a empresa de praticar novamente atos de má-fé com outros usuários. Por enquanto, o judiciário apenas continua incentivando que estas continuem a agir de tal modo e, consequentemente, ajuda com a sua própria sobrecarga de demandas judiciais.

Fonte: http://www.migalhas.com.br

 

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