Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Ao tratar do meio ambiente, a Constituição, em seu artigo 225, § 1º, dispõe que compete ao poder público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
De antemão, lembro que, em linhas gerais, há duas concepções distintas sobre o meio ambiente: a antropocentrista (antropocentrismo) e a ecocentrista (ecocentrismo).
Pelo antropocentrismo, o homem está no centro do sistema e o meio ambiente existe para servi-lo.
Em sentido contrário, no ecocentrismo, o meio ambiente existe e deve ser preservado por si só. Ele reflete um sistema de valores centrado na natureza. O homem seria apenas um membro da natureza, compondo o meio ambiente em valor igual ao dos animais.
Prevalece a orientação de que adotamos o antropocentrismo na forma temperada, e não na extremada. Isso porque, apesar de o homem ser o centro do sistema, há a previsão de proteger o meio ambiente não apenas para saciar as necessidades humanas.
Repare bem que a Constituição é expressa em vedar as práticas que “submetam os animais a crueldade”.
Agora que a coisa fica séria.
É que algumas práticas desportivas estão enraizadas em nossa cultura. É o caso da farra do boi, de rinhas de galo, das vaquejadas e dos rodeios.
Houve a manifestação do STF proibindo a farra do boi (STF, RE 153.351) e as rinhas de galo (STF, ADI 1.856).
Até aí os ânimos não tinham se acirrado tanto…
Porém, mais recentemente, o Tribunal, em uma votação apertada (6×5), declarou a inconstitucionalidade de uma lei do Estado do Ceará que regulamentava a vaquejada no âmbito local (STF, ADI 4.983).
Acontece que a reação foi imediata no Congresso Nacional. Para se ter uma ideia, a decisão do STF se deu no mês de outubro de 2016 e o Congresso promulgou a EC 96 em junho de 2017.
A EC determina que “não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos”.
A lei mencionada na EC, que serviria para regulamentar as práticas desportivas permitidas, já havia sido editada pelo Congresso em novembro de 2016, ou seja, somente um mês após a decisão do STF, em clara resposta ao Tribunal.
Pois bem. A Lei n. 13.364/2016, logo em seu artigo 1º, eleva o rodeio, a vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial, ou seja, fica evidente que o Legislativo se opôs à decisão do STF, editando uma emenda à Constituição e uma lei ordinária, em intervalo pequeno, para que não cessasse a prática de vaquejada, tradicional em vários Estados da Federação.
Ah, quanto ao rodeio, já temendo uma decisão do STF sobre o tema, aproveitaram o embalo da lei da vaquejada e o incluíram no bolo…
Daí você me pergunta: “Professor, o Congresso Nacional podia fazer isso? A decisão do STF não foi tomada em uma ADI, ferramenta do controle concentrado? As decisões no controle concentrado não têm força vinculante contra todos?”
Vou esclarecer ponto a ponto.
Primeira coisa: as decisões do STF, mesmo no controle concentrado em que há a força vinculante contra todos (erga omnes), não vinculam o próprio STF nem o Poder Legislativo na função típica de legislar.
Na verdade, a vinculação atinge apenas os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública (todas as esferas de governo, administração direta e indireta).
A não vinculação do próprio STF e do Legislativo, em sua função típica, existe para evitar o fenômeno da ‘fossilização da Constituição’ – isso mesmo, para não transformar a Constituição em um fóssil, como os dinossauros.
Vai aqui mais uma dose de juridiquês:
A chamada reação legislativa (ou ativismo congressual) acontece quando o Poder Legislativo edita um ato normativo em sentido contrário à decisão judicial de declaração de inconstitucionalidade.
Daí, surgem duas possibilidades: se o ato normativo é uma emenda à Constituição, ela nasce com presunção de constitucionalidade. Ela só pode ser declarada inconstitucional se violar uma das limitações ao poder de emenda – exemplo: violar uma cláusula pétrea.
Por outro lado, se o ato normativo editado pelo Legislativo é uma lei ordinária, ela nascerá com presunção (relativa) de inconstitucionalidade. Nesse caso, o Legislativo precisará fazer um esforço maior na tentativa de convencer o Tribunal de que o entendimento trazido na nova lei merece ser prestigiado.
Aliás, isso já aconteceu na vida real.
A responsável pela proeza foi a Lei da Ficha Limpa. Num primeiro momento, o STF entendia que não se podia reconhecer a inelegibilidade de candidato sem que houvesse condenação definitiva contra ele.
Contrariando essa orientação, a Lei da Ficha Limpa (LC 135/10) afasta da disputa quem possua condenação por órgão colegiado – 2ª instância, por exemplo.
Ao julgar a Lei da Ficha Limpa, o STF mudou seu entendimento anterior e considerou válida a nova legislação (STF, ADC 29).
Voltando, de acordo com o § 7º do artigo 225 da Constituição, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 da Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
Ou seja, por ora – e até nova manifestação do STF –, tem-se a constitucionalidade da vaquejada e do rodeio, na medida em que tais práticas desportivas são consideradas, por lei, manifestações culturais.
Aragonê Fernandes – Direito Constitucional aragoneJuiz de Direito do TJDF; ex-Promotor de Justiça do MPDF; ex-Assessor de Ministros do STJ; ex-Analista do STF; aprovado em vários concursos públicos. Professor de Direito Constitucional em variados cursos preparatórios para concursos.
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