Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Por João Amadeus
Em 20/12/17, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou, no STF, a ADIn 5.866, distribuída à relatoria do ministro Alexandre de Moraes, para questionar o convênio ICMS 52 do CONFAZ, de 7/4/17, publicado em 25/4/17 1, que dispõe, segundo seu próprio preâmbulo, “(…) sobre as normas gerais a serem aplicadas aos regimes de substituição tributária e de antecipação do ICMS com encerramento de tributação, relativos às operações subsequentes (…)”.
A ADIn 5.866 se baseia no argumento de que o convênio ICMS 52/17 ofende a Constituição Federal em pelo menos três pontos principais:
(i) extrapola o âmbito normativo conferido pelo texto constitucional aos Convênios2, os quais possuem natureza de atos administrativos do Poder Executivo, mais especificamente do CONFAZ;
(ii) com isso, invade o campo reservado pela Constituição3 à Lei Ordinária (princípio da legalidade);
(iii) ao mesmo passo, ofende a reserva constitucional4 direcionada à Lei Complementar para dispor sobre normas gerais em matéria tributária, mais especificamente no que toca à “Lei Kandir” (Lei Complementar 87/96);
Há de se acrescentar que também se alega ofensa por parte do convênio à não-cumulatividade do ICMS estabelecida no texto constitucional5.
Primeiramente, a ADIn em comento busca a declaração de inconstitucionalidade em relação à inteireza do convênio ICMS 52/17. Secundariamente, a título subsidiário, há pedido, alinhado às mesmas razões elencadas acima, para declaração de inconstitucionalidade de cláusulas específicas do convênio.
Detalhando tal pedido subsidiário, a CNI alega que o convênio ICMS 52/17 inova em matéria reservada à Lei Complementar, qual seja, a definição dos contribuintes e dos responsáveis pelo imposto em comento. Observe-se que o convênio, ao estabelecer sua aplicabilidade inclusive às optantes do Simples Nacional, vai de encontro à reserva que a Constituição estabelece para que somente Lei Complementar disponha sobre tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte6.
Em paralelo, toda a Seção III do Capítulo II do convênio em referência, que trata do cálculo do ICMS a ser retido por substituição tributária, adentra em matérias reservadas à Lei Complementar. É o que se vê, por exemplo, quando o próprio convênio traz uma fórmula específica para cálculo da Margem de Valor Agregado (MVA), na sua cláusula décima primeira, sem base em lei.
Outro exemplo está na cláusula décima terceira, ao dispor que o montante correspondente ao ICMS relativo à substituição tributária compõe o preço da operação, isto é, sua própria base de cálculo (cálculo “por dentro”), inovação esta não albergada por disposição equivalente em Lei Complementar.
Já a Seção II do Capítulo IV do convênio trata da metodologia para fixação tanto da MVA, quanto do Preço Médio Ponderado a Consumidor Final (PMPF). Quando se trata de substituição tributária, tais elementos acabam por influir na base de cálculo do ICMS-ST, o que, por sua vez, se compreende como aspecto material integrante da estrutura da norma tributária7, o que proclamaria por si só, necessidade de tratamento por Lei Complementar.
Além disso, há um questionamento quanto à legitimidade do convênio, mormente quando dispõe que é possível homologação direta pelo ente tributante da metodologia estatística que resulta na MVA ou no PMPF (cláusula vigésima sétima), inclusive com possibilidade de introdução de outros critérios em tais metodologias (cláusula vigésima sétima, §2º).
Em relação ao conteúdo cujo regramento é reservado pelo texto constitucional à Lei Ordinária, a extrapolação do convênio se dá com a imposição, ao destinatário da operação (substituído), a responsabilidade solidária pelo recolhimento do ICMS-ST quando o substituto não efetuar retenção do imposto, ou o fizer a menor. Aqui, esse convênio ICMS 52/17 esbarra na disposição constitucional de que é a lei (leia-se: Lei Ordinária) a espécie normativa adequada para tratar de tal matéria (art. 150, §7º, CF/88).
Quanto à não-cumulatividade, o questionamento se dá porque o convênio ICMS 52/17 (cláusula décima quarta, §2º) impede a compensação, por um mesmo contribuinte, do ICMS que porventura deva em apuração própria (ICMS-Próprio) com o montante eventualmente devido a título de substituição tributária (ICMS-ST). Nesse ponto, a ADIn argumenta que a limitação imposta pelo convênio conflita com a disposição constitucional expressa (CF/88, art. 155, §2º, I) de que tal Imposto é não-cumulativo, havendo compensação de operação em operação (anterior/seguinte).
Acrescente-se que, nas razões expostas pela CNI, também se questiona bitributação (fenômeno jurídico verificado quando dois entes tributam o mesmo contribuinte com base no mesmo fato gerador). É que a cláusula décima terceira dispõe que o ICMS-ST passará a compor sua própria base de cálculo. Porém, o regime de substituição tributária se efetiva com contabilização da Margem de Valor Agregado (MVA), verdadeira estimativa, baseada em metodologia estatística, para se calcular preços de operações futuras. Pois bem, na MVA já se contabiliza o ICMS futuramente incidente, inclusive com seu peculiar “cálculo por dentro”. Logo, o convênio ICMS 52/17 estatui hipótese em que o ICMS-ST é computado duas vezes, o que afronta a proibição constitucional de bitributação.
Na fundamentação, o deferimento da medida cautelar acolheu os argumentos da ADIn, atendendo provisoriamente à quase totalidade do pedido subsidiário citado, suspendendo a eficácia de determinadas cláusulas do convênio que tratam de: (i)responsabilidade solidária no regime de substituição tributária; (ii) cálculo do imposto retido; (iii) impedimentos ao ressarcimento; (iv) regramento para fixação da MVA e do PMPF.
A decisão identificou como como núcleo central da argumentação da ADIn a necessidade de observância da reserva constitucional direcionada à lei no tratamento de matéria tributária, seja Lei Ordinária (art. 150, §7º, CF/88), seja Lei Complementar (art. 146, III e art. 155, §2º, XII, todos da CF/88).
Mais detalhadamente, reafirmou-se o entendimento jurisprudencial do STF, mormente quanto a: (i) necessidade de Lei Complementar para regramento de substituição tributária concernente ao ICMS 8 (art. 155, §2º, XII, “b”, CF/88); (ii) possibilidade de confronto do convênio com o princípio da não-cumulatividade do ICMS, justamente porque a explicitação do conteúdo do texto constitucional sobre o tema advém da Lei Complementar 87/96, não podendo o convênio invadir tal âmbito (art. 155, §2º, I, CF/88); (iii) apesar de o STF considerar constitucional a inclusão do valor do próprio tributo na base de cálculo do ICMS 9, isso não autoriza a incidência do ICMS-ST por dentro do cálculo da MVA, conforme dispõe o convênio, pois isso equivaleria a dupla incidência na espécie, equivalendo a bitributação não autorizada pela Constituição 10.
Com efeito, a decisão se mostrou alinhada ao repertório definido pelo texto constitucional e pela jurisprudência do STF acerca do tema. Mais recentemente, em 9/1/18, foi publicado o despacho 2 de 8/1/18 11, por meio do qual o Secretário Executivo do CONFAZ atende à determinação judicial para suspender os efeitos das cláusulas oitava a décima quarta, décima sexta, vigésima quarta e vigésima sexta, do convênio ICMS 52/17.
Conclui-se ser esperado do STF a manutenção da suspensão da eficácia das cláusulas referidas, e sua posterior invalidação, para frear esse tipo de iniciativa do Poder Executivo, no sentido de suplantar, meio de ato administrativo, a função que constitucionalmente cabe ao Poder Legislativo.
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1 Disponível em: Convênio ICMS 52, de 7 de abril de 2017
2 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(…)
- 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
XII – cabe à lei complementar:
(…)
- b) dispor sobre substituição tributária;
(…)
- g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
3 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
- 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
4 Art. 146. Cabe à lei complementar:
(…)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
- a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
(…)
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(…)
- 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
XII – cabe à lei complementar:
- a) definir seus contribuintes;
- b) dispor sobre substituição tributária;
- c) disciplinar o regime de compensação do imposto;
(…)
- i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.
5 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(…)
- 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
6 Art. 146. Cabe à lei complementar:
(…)
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
(…)
- d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
7 “(…) a base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária. Paralelamente, tem a virtude confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo.” In CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 325.
8 STF. ADI 4628, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/9/14, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-230 DIVULG 21-11-14 PUBLIC 24-11-14.
9 Por todos: STF. RE 582461, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/5/11, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-158 DIVULG 17-8-11 PUBLIC 18-8-11 EMENT VOL-02568-02 PP-00177.
10 STF. ADI 4171, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 20/5/15, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG 20-8-15 PUBLIC 21-8-15.
11 Disponível em: Diário Oficial da União Nº 6, terça-feira, 9 de janeiro de 2018
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