Guantanamização do processo penal – essa expressão já apareceu em provas, hein?

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Olá pessoal, tudo certo?

Retomaremos hoje uma daquelas postagens que causam mal estar ou dor de cabeça a alguns estudantes, por envolver nomenclaturas inusitadas. Entretanto, sem juízo de valor, o fato é que dominar determinadas teorias ou expressões pode ser decisivo para a aprovação, tanto em fases objetivas, como também em provas discursivas ou orais.

Nessa toada, analisaremos hoje o que vem a ser Guantanamização do processo penal?

Advirta-se que essa designação já apareceu na prova da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, quando o examinador assim fez constar:

“Após os ataques do dia 11 de setembro de 2001, inúmeras medidas foram tomadas pelo Governo norte-americano no combate ao que eles mencionaram tratar-se de terrorismo. Dentre estas medidas, criou-se a prisão de Guantánamo. Em um julgado específico da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 07 de setembro de 2004, utilizou-se a expressão Guantanaminização que, em linhas gerais, trata-se de uma”: (…)

(d) forma de revisitar o processo penal e as penas, impondo violações a direitos humanos, especialmente a tortura e prisão sem justa causa, em nome da segurança e do discurso do medo”.

Ora, gostando ou não, se ela já apareceu em provas de concurso público, há boa probabilidade de isso vir a se repetir. Assim, vamos aprender o que ela consiste e a lógica por trás da expressão.

Se servir de algum consolo, apesar de inusual, trata-se de uma expressão coerente e que não carece por completo de sentido, ao contrário do que percebemos de vez em quando em provas. A menção à GUANTANAMIZAÇÃO foi extraída em um dos julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no voto do juiz mexicano Sérgio Ramírez.

Sabe-se da existência de uma série de relatos acerca de violações praticadas na famosa Prisão de Guantánamo[1], marcada por arbitrariedades e sistemáticas violações de direitos humanos, inclusive tortura, em contrariedade a normas de direito internacional.

Com base nesse cenário, a expressão utilizada pelo juiz da Corte Interamericana serve para qualificar o processo penal calcado justamente na violação e EROSÃO INQUIETANTE (expressão por ele utilizada) dos direitos humanos no âmbito processual penal, a inobservância de garantias fundamentais, supressão de direitos processuais e inversão de valores constitucionais, como a presunção de inocência.

Particularmente, penso se tratar de expressão com sentido similar ao Direito Processual Penal do Inimigo e, portanto, resta incompatível com a nossa Constituição Federal. Nesse sentido, (ainda) é a doutrina majoritária. Contudo, já é possível encontrar defensores desse tratamento “mais flexível”, sempre se calcando em ponderações de valores, especialmente o interesse e a segurança pública.

Vale ressaltar, em paralelo interessante ao direito brasileiro, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o sistema carcerário/penitenciário brasileiro encontra-se em estado de coisas inconstitucional, repisando o que fora decidido pela Corte Constitucional da Colômbia em 1997, tendo se verificado a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar a situação inconstitucional.

Como bem apontado por Daniel Sarmento, o sistema penitenciário brasileiro apresenta-se claramente com um panorama de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura e situação que exige a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades para resolver o problema, tendo sido a tese agasalhada pelo STF no julgamento da medida cautelar em ADPF 347[2].

Se cair na prova, agora vocês não poderão se dizer surpresos com a expressão!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

 

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

 


[1] A Prisão de Guantánamo, oficialmente Campo de Detenção da Baía de Guantánamo (em inglês: Guantánamo Bay Detention Camp), é uma prisão militar estadunidense, parte integrante da Base Naval da Baía de Guantánamo, que, por sua vez, está incrustada na baía homônima, na província também homônima, na ilha de Cuba. A Base abriga três campos de detenção: Camp Delta, construído em 2002 e composto de 5 outros campos (1, 2, 3, 4 e Camp Echo), Camp Iguana e Camp X-Ray, atualmente fechado.

 

[2] STF, Plenário, ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/2015.

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