A partir de quando se inicia a contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva penal?

Entenda a celeuma jurisprudencial e como assimilar as discussões referentes ao espinhoso tema!

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Olá pessoal, tudo certo?

O tema de hoje é daquelas questões que caem bastante em concurso público e complicam severamente a vida dos candidatos! Envolve divergências jurisprudenciais, doutrinárias, filosóficas e principiológicas dentro do direito penal. Diante da complexidade do tema, investiremos toda a energia possível para tentar facilitar (um pouco mais) a compreensão definitiva do tema no atual momento, certo?

Prescrição é daqueles temas que, de per si, já causam calafrios em muita gente. Por isso, revela-se prudente tecer rápidas e pontuais considerações sobre o assunto. Trata-se de uma causa extintiva da punibilidade que pode ser classificada em dois grandes grupos: (i) prescrição da pretensão PUNITIVA e (ii) prescrição da pretensão EXECUTÓRIA. Envolvendo sempre a “perda do direito estatal“, podemos destacar que a primeira envolve a impossibilidade de julgamento de alguém em face da morosidade e transcurso de (grande) lapso temporal, ao passo que a segunda se verifica quando o estado, ostentando um título executivo (sentença condenatória transitada em julgado) deixa de executar a pena, por qualquer motivo que seja. Uma vez operada a prescrição, ao Estado falece o direito de aplicar a pena e, dessa maneira, sancionar o condenado.

Em ambas as situações, há a extinção da PUNIBILIDADE.

Compreendidos e/ou revisados tais aspectos, façamos um “recorte” na matéria que nos interessa. Focaremos, agora, na PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. Iniciaremos analisando um caso (hipotético) concreto!

Imaginem que João foi condenado por um crime a uma pena de 3 anos. A defesa técnica apresentou apelação, mas o Ministério Público, satisfeito com a reprimenda, deixou correr “in albis” o prazo da impugnação! CONSEQUÊNCIA? (i) Pendência de recurso da defesa e (ii) “trânsito em julgado” para a acusação!

A dúvida que se põe, a partir daí, pode ser compreendida a partir dos seguintes questionamentos: (a) a partir de quando o Estado tem o DEVER de punir e (b) QUANDO SE INICIAL O PRAZO PRESCRICIONAL PARA A EXECUÇÃO E O “RISCO” DA PERDA DO DIREITO DE PUNIR”?

Isso não é simples, Pedro? NÃO! Percebam que houve trânsito em julgado para a acusação, porém não para a defesa! Certo, mas por que isso é importante?

É que, de acordo com o Código Penal Brasileiro, artigo 112, o termo a quo da prescrição se inicia “do dia em que transita em julgado sentença condenatória para a ACUSAÇÃO, nada falando do trânsito em julgado para a defesa! Vejamos:

Art. 112 – No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I – DO DIA EM QUE TRANSITA EM JULGADO A SENTENÇA CONDENATÓRIA, PARA A ACUSAÇÃO, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

No nosso exemplo, porém, NÃO houve decisão colegiada, mas apenas o trânsito em julgado em primeiro grau para a acusação e a pendência de apelação da defesa. Dessa maneira, NÃO É POSSÍVEL ANTECIPAR A EXECUÇÃO PENAL, sob pena de violação à presunção de inocência (afinal, como sabemos, o atual entendimento dos Tribunais Superiores indica que – antes do trânsito em julgado – somente haverá prisão nos casos de evidente necessidade acautelatória).

Então não pode executar a pena porque ainda está pendente apelação da defesa! MAS PODE CONTAR O PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA?

Percebam que se a resposta for POSITIVA, em literal cumprimento do artigo 112, I do CPB, estaremos diante de um caso em que se inicia o prazo para que o Estado cumpra seu “DEVER DE PUNIR”, mas essa punição está impossibilitada de ser cumprida, em razão da presunção de inocência!

Diante desse paradoxo, diversos Tribunais Brasil afora passaram a sustentar – ao arrepio da lei – que a prescrição da pretensão executória não teria início no momento do trânsito em julgado para a acusação, mas APENAS quando a decisão é definitiva para ambas as partes, quando se torna irrecorrível para todos.

O grande problema dessa “solução” é que há um importante inconveniente para sua mantença: a literalidade e estrita legalidade da redação endossada no Código Penal Brasileiro, apontando para, sem quaisquer margens para dúvidas, o início da prescrição a partir do trânsito em julgado PARA A ACUSAÇÃO e NÃO para ambas as partes.

Aí você pode imaginar… Nossa, “que papo chato de princípio da legalidade”, só serve para proteger quem comete crimes… Com a devida vênia, ouso discordar dessa conclusão. Valendo-me dos ensinamentos de Pierpaolo Bottini, deve-se ressaltar que em direito penal a legalidade é âncora do sistema e da segurança jurídica. É verdadeiro ANTÍDOTO do arbítrio. Revela-se como símbolo do Estado Democrático em seus reflexos no direito penal.

Por mais “estranha” e “incoerente” que a legislação possa soar, não tendo sua legalidade ou constitucionalidade questionada, superar sua previsão quando não há margem para dúvidas ou interpretações poderia ser uma abertura de portas para a legitimação do arbítrio. É nesse ponto que a doutrina pátria diverge sensivelmente, não havendo pacificação quanto ao tema.

E A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES?[1]

Em relação ao STJ, o tema é pacífico e favorável à tese por mim defendida, ou seja, PREVALECE A LEGALIDADE ESTRITA EM MATÉRIA PENAL. Segundo as Turmas Criminais (5ª e 6ª Turmas), entendimento diverso encontra-se “em desacordo com o entendimento desta Corte de que o prazo da prescrição da pretensão executória conta-se a partir do trânsito em julgado para a acusação, nos termos do art. 112, I, do Código Penal[2].

Apesar disso, o Supremo Tribunal Federal não anui integralmente a essa orientação. Há uma certa instabilidade na compreensão da mencionada Corte. É que em um momento, o Supremo acompanha o STJ e assevera que “a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal sedimentou-se no sentido de que o prazo prescricional da pretensão executória começa a fluir da data do trânsito em julgado para a acusação[3].

Já em outro momento, o STF muda seu entendimento e aponta a exigência do trânsito em julgado para ambas as partes com requisito para o início da contagem da prescrição, pois “o princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade, tal como interpretado pelo STF, deve repercutir no marco inicial da contagem da prescrição da pretensão executória, originariamente regulado pelo art. 112, I do Código Penal. Como consequência das premissas estabelecidas, o início da contagem do prazo de prescrição somente se dá quando a pretensão executória pode ser exercida[4].

E QUANDO ESSA INDEFINIÇÃO VAI ACABAR?

O tema é tão polêmico e sensível que o STF reconheceu a Repercussão Geral (vide STF ARE 848.107), já com parecer do PGR, para definir, de uma vez, a celeuma.

ATÉ LÁ, COMO DEVO RESPONDER EM CONCURSO?

Hoje você precisa saber, para provas objetivas, que o STJ é uniforme pela aplicação da legalidade (início com o trânsito em julgado para a acusação) e o STF tem a matéria como controversa, aguardando a definição em repercussão geral.

Já em provas subjetivas, você deve ter sensibilidade para “modular” sua posição. Se for prova de Defensoria Pública, caminhe com o STJ! Se for do MP, procure os argumentos expostos por quem defende a superação legal (argumentos acima declinados).

O tema é IMPORTANTÍSSIMO e por isso se justifica a extensão maior que de hábito.

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 


[1]HABEASCORPUSSUBSTITUTIVO DE RECURSO. DESCABIMENTO. TERMO INICIAL DOPRAZO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal  Federal,  esta  Corte  não  admite  habeas corpus substitutivo  de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem de ofício se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.Oacórdão  impugnado  encontra-se  em  desacordo com o entendimento desta  Corte  de  que  o prazo da prescrição da pretensão executória conta-se a partir do trânsito em julgado para a acusação, nos termos do art. 112, I, do Código Penal. Precedentes. A pena  do  paciente foi fixada em 2 anos de reclusão, a condenação transitou  em  julgado  para  a  acusação em 10/5/2010, e o Tribunal negou  provimento  à  apelação  da  defesa.  Considerando-se o prazo prescricionalde4 anos (art. 109, V, do Código Penal), o início da execução da pena deveria ter-sedado até 10/5/2014, o que não ocorreu. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar aextinçãodapunibilidadeemrazãoda prescrição da pretensão executória. (HC 341.048/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 10/06/2016).

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO PRÓPRIO.PRESCRIÇÃO EXECUTÓRIA. TERMO A QUO. DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO PARA AACUSAÇÃO.  ACÓRDÃOIMPUGNADOQUE CONTRARIA O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. EXAME DEPENDENTE DE CIRCUNSTÂNCIAS DO CADERNO PROCESSUAL.DICÇÃODO  ART.61  DO  CPP.  PROCESSO EM SEDE DE EXECUÇÕES. JUÍZO COMPETENTE PARA O EXAME DA CONTROVÉRSIA.1.  Tratando-sedehabeascorpus substitutivo de recurso próprio, inviável o seu conhecimento.2.  Segundo entendimento pacificado por esta Corte Superior, o marco inicial para a contagem do prazo da prescrição executória é o dia do trânsitoemjulgado da condenação para o Ministério Público, e não para ambas as partes. Dicção do art. 112, I, do CP.3.  Nãotendosidodefinidas as circunstâncias necessárias para a configuraçãodo fenômeno prescriocional, e havendo a necessidade de sopesar vários dados do processo, cabe ao Juízo de Execuções o exame da controvérsia, na medida em que é no caminho da relação processual queoJuiz  competente  deve  se  pronunciar  sobre  o  fenômeno prescricional, segundo a dicção do art. 61 do CPP.4.  Habeascorpusconcedidoparaofimdecassar o acórdão do Tribunaldeorigeme,por  conseguinte,  a  decisão  do Juízo de primeiro  grau,  devendo  o  Juízo  das  Execuções examinar eventual ocorrência  da  prescrição executória, tendo por termo inicial o dia do  trânsito  em  julgado  da  condenação  para o Ministério Público Estadual.(HC 349.881/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/05/2016, DJe 10/06/2016).

Ementa: Penal e Processo Penal. Agravo Regimental em Habeas Corpus. Reiteração de Argumentos da Inicial. Prescrição da Pretensão Executória. Trânsito em Julgado para Ambas as Partes. 1. A reiteração dos argumentos trazidos pelo agravante na inicial da impetração não são suficientes para modificar a decisão ora agravada (HC 115.560-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli). 2. A partir do julgamento pelo Plenário desta Corte do HC nº 84.078, deixou-se de se admitir a execução provisória da pena, na pendência do RE. 3. O princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade, tal como interpretado pelo STF, deve repercutir no marco inicial da contagem da prescrição da pretensão executória, originariamente regulado pelo art. 112, I do Código Penal. 4. Como consequência das premissas estabelecidas, o início da contagem do prazo de prescrição somente se dá quando a pretensão executória pode ser exercida. 5. Agravo regimental desprovido. (HC 107710 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 09/06/2015).

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. FURTO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL: TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA PARA A ACUSAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Paciente foi condenado a um ano e quatro meses de reclusão, sendo que, em 23.7.2007, a sentença penal condenatória transitou em julgado para a acusação; e, em 30.9.2011, o Juízo da Execução Penal decretou a extinção da punibilidade. Entre essas datas não houve qualquer causa impeditiva, interruptiva ou suspensiva da prescrição. 2. Segundo as regras vigentes nos arts. 109 e 110 do Código Penal, a prescrição executória se regula pela pena aplicada depois de transitar em julgado a sentença condenatória para a acusação, verificando-se em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois. 3. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal sedimentou-se no sentido de que o prazo prescricional da pretensão executória começa a fluir da data do trânsito em julgado para a acusação. Precedentes. 4. Ordem concedida. (HC 113715, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/04/2013).

[2] STJ, 6ª Turma, AgRg no HC 555.043/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/05/2020, HC 341.048/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 10/06/2016 e HC 349.881/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/05/2016, DJe 10/06/2016.

[3] HC 113715, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/04/2013.

[4] STF, 1ª Turma, RE 696533/SC, Rel. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/2/2018 e HC 107710 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 09/06/2015.

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