Afinal, será que a existência de contrato de seguro garantido o crédito tributário inviabiliza a ação penal nos crimes fiscais?

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Olá pessoal, tudo certo?

Hoje falaremos sobre um interessantíssimo e bastante atual tema relativo aos crimes contra a ordem tributária, especificamente nos reflexos relacionados ao processo penal.

Não é novidade para ninguém que a primeira coisa a ser apreciada quando estamos diante de um crime tributário é no que tange a sua natureza jurídica. Ou seja, é curial identificar se estamos diante de um crime fiscal de natureza formal ou de natureza material.

Isso porque, em relação a esses últimos, somente haverá a efetiva ocorrência do crime consumado a partir do lançamento definitivo do crédito tributário, ou seja, quando houver a conclusão do Procedimento Administrativo Fiscal e a constituição do crédito.

Após algumas celeumas jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal pacificou sua orientação ao definir o enunciado de súmula vinculante 24, sustentando que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.

Esse entendimento não deve se limitar aos crimes encastelados entre os incisos I a IV do art. 1º da Lei 8137/90, sendo de rigor sua observância em relação a todos os crimes tributários materiais. Sobre as consequências advindas desse posicionamento, vale apreciar os seguintes precedentes da Suprema Corte:

(…) os crimes tributários são de natureza material, uma vez que sua consumação se dá não com a conduta de declaração falsa ou omissão de dados, mas com a ocorrência do resultado consistente na supressão ou redução do tributo. E não há tributo sem que a autoridade administrativa, após o devido processo legal, constitua o crédito em termos definitivos. 6. Nesse contexto, a justa causa deve ser aferida no momento da apresentação da exordial, já que os elementos indiciários de autoria e prova da materialidade devem lastrear a admissão da acusação. Em outras palavras, a condição objetiva de punibilidade não pode ser preenchida depois de iniciado o processo penal (Rcl 31.194 MC, rel. min. Roberto Barroso, dec. monocrática, j. 29-11-2018).

(…) 1. A ausência de constituição definitiva do crédito tributário inviabiliza o desenvolvimento válido da persecução criminal, acarretando o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, o que não impede o oferecimento de nova denúncia (ou aditamento da já existente) após o exaurimento da via administrativa, a teor do disposto na Súmula Vinculante 24. [ARE 1.047.419 AgR, rel. min. Dias Toffoli, 2ª T, j. 27-3-2018, DJE 77 de 23-4-2018).

Realizada essa revisão, vamos analisar um precedente veiculado no Informativo de Jurisprudência 764 do Superior Tribunal de Justiça, que tramitou em segredo de justiça (razão pela qual não tivemos acesso ao número do processo).

Na situação concreta, concluído o procedimento administrativo fiscal, com o consequente lançamento definitivo do crédito tributário, constatou-se que sócios de determinada empresa suprimiram tributo estadual (ICMS), mediante fraude à fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, em documento ou livro exigido pela lei fiscal, indicando como isentas mercadorias tributáveis e mediante vendas sem emissão de notas fiscais.

Contudo, as defesas técnicas dos acusados afirmavam que não haveria crime no caso em tela, uma vez que a dívida em questão estaria garantida por contrato de seguro, conforme demonstrado no processo de execução fiscal, o que afastaria a constituição definitiva do crédito como pressuposto material de delito tributário.

ESTÁ CERTA A DEFESA, PEDRO?

NÃO! Segundo o STJ, conquanto o débito fiscal tenha sido garantido na origem, o certo é que não se equipara ao pagamento do tributo, razão pela qual não enseja, imediata e obrigatoriamente, o trancamento da ação penal, como almejado[1].

Para o Superior Tribunal de Justiça, a garantia do crédito tributário na execução fiscal não possui, consoante o CTN, natureza de pagamento voluntário ou de parcelamento da exação e, portanto, não fulmina a justa causa para a persecução penal, pois não configura hipótese taxativa de extinção da punibilidade ou de suspensão do processo penal[2]“.

Dessa maneira, é correto concluirmos que, na visão predominante dos Tribunais Superiores, notadamente no STJ, o fato de a referida dívida ativa estar garantida por contrato de seguro no bojo de execução fiscal movida contra o contribuinte não descaracteriza a materialidade dos crimes fiscais.

Atenção redobrada com essa questão relativa às independências de instâncias – cível e penal – especialmente relativa aos crimes fiscais, pois certamente o examinador do seu concurso está atento para suscitar “pegadinhas” de prova!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

[1] AgRg no AREsp 1.230.863/SP

[2] RHC 65.221/PE, Sexta Turma, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, DJe 27/6/2016

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