O guia definitivo para interpretação da glicose na urina: nem sempre é diabetes!

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Olá, pessoal! Tudo bem? Sou a professora Débora Juliani, farmacêutica, especialista em Análises Clínicas. Faço parte da equipe do Gran Concursos.

Neste artigo quero falar de um tema que frequentemente causa dúvida em analistas clínicos, médicos e, claro, concurseiros. Afinal: a presença de glicose na urina é necessariamente um indicativo de diabetes? Para responder a essa pergunta, quero recordar alguns pontos relacionados à filtração glomerular e reabsorção tubular da glicose, pois aí está o ponto chave deste imbróglio.

Os açúcares em geral (glicose, frutose, galactose, maltose, pentose e sacarose) são livremente filtrados pelos glomérulos devido a seu baixo peso molecular (no caso da glicose, cerca de 180 Da). Lembre-se de que os glomérulos funcionam como um “filtro” que é seletivo principalmente com base no tamanho e na carga das moléculas. Em termos gerais, as moléculas com peso molecular inferior a 40.000 daltons (Da) podem passar pela barreira de filtração do glomérulo com facilidade. 

Assim, após passar livremente através da membrana de filtração do glomérulo, a glicose entra no filtrado glomerular, mas em condições normais, é prontamente reabsorvida nos túbulos proximais do néfron, através de transportadores de glicose chamados SGLT2 (sodium-glucose co-transporters). Esse processo é ativo, ou seja, consome energia, e ocorre para que a glicose, uma fonte essencial de energia, não seja desperdiçada na urina

Porém, se os níveis de glicose no sangue sobre muito, ultrapassam a capacidade de reabsorção dos túbulos proximais (chamado de limiar renal de reabsorção tubular da glicose, geralmente cerca de 160 a 180 mg/dL). Ou seja, os receptores SGLT2 já estão trabalhando em capacidade máxima, mas ainda há glicose no filtrado glomerular. Logo, essas moléculas de glicose excedentes começam a aparecer na urina, o que é conhecido como glicosúria e que, obviamente, pode ocorrer em condições em que existe hiperglicemia, como no exemplo mais clássico, o diabetes mellitus

Também é possível a ocorrência de glicosúria em quadros como na síndrome de Cushing (níveis excessivos de cortisol, um hormônio corticosteróide), durante o uso prolongado de medicamentos corticoesteróides, como a prednisona, ou mesmo em situações de estresse agudo (em que os níveis elevados de catecolaminas e cortisol podem elevar a glicemia temporariamente). Nestes casos, o excesso de corticosteróides no sangue pode causar hiperglicemia ao estimular a gliconeogênese (produção de glicose) no fígado e reduzir a captação de glicose pelos tecidos (reduz a sensibilidade à insulina). Essa elevação dos níveis de glicose no sangue pode, igualmente, exceder a capacidade dos túbulos renais de reabsorver toda a glicose filtrada, resultando em glicosúria.

Há ainda que se pensar na possibilidade do hipertireoidismo (em que o aumento da taxa metabólica pode aumentar a produção de glicose e a resistência à insulina, levando à hiperglicemia) e do feocromocitoma (um tumor produtor de catecolaminas, que aumentam a gliconeogênese e a resistência à insulina, resultando em hiperglicemia e glicosúria).

  Assim, dizemos que tanto no diabetes mellitus quanto na síndrome de Cushing, durante o uso prolongado de corticoesteróides, em situações de estresse agudo, hipertireoidismo ou ainda feocromocitoma, pode ocorrer glicosúria com hiperglicemia, e você já entendeu bem o mecanismo, certo?

Maaaaaaaaas atenção: também é possível glicosúria sem hiperglicemia, a chamada glicosúria renal! Ela ocorre em situações em que há uma lesão ou uma alteração tubular que afete o funcionamento dos receptores SGLT, lembra deles? 

Temos basicamente quatro situações em que isso ocorre. A primeira delas é na síndrome de Fanconi, uma doença renal que afeta os túbulos proximais do néfron, onde ocorre a reabsorção de diversas substâncias filtradas (aminoácidos, fosfatos, bicarbonato), incluindo glicose. 

A segunda delas é no caso de uso de medicamentos como os inibidores do transportador SGLT2 (Ex: dapagliflozina). Creio que ficou fácil compreender que em ambos os casos, por mais que a glicemia esteja em níveis normais (abaixo do limiar renal de reabsorção tubular de glicose convencional), a glicosúria pode ocorrer devido à incapacidade dos transportadores tubulares de reabsorverem a glicose.

A terceira hipótese seria uma doença renal crônica ou uma lesão tubular aguda (por nefrotoxinas, por exemplo), que podem prejudicar a capacidade tubular de reabsorção de glicose, levando à glicosúria sem hiperglicemia.

A quarta hipótese é a de distúrbios hereditários dos transportadores de glicose nos túbulos renais, como mutações no gene SGLT2, que podem causar perda de glicose na urina sem elevação da glicose sanguínea, a chamada glicosúria renal familiar.

Há ainda uma última vertente para a glicosúria renal, muitas vezes pouco considerada: situações em que existe aumento da taxa de filtração glomerular (TFG), como é o caso das gestantes, ou diminuição do limiar de reabsorção da glicose nos túbulos como é o caso de idosos.

Durante a gravidez, há um aumento da TFG, que resulta em uma maior quantidade de glicose sendo filtrada pelos glomérulos. Se a quantidade de glicose ultrapassar a capacidade dos túbulos renais de reabsorvê-la (mesmo que o limiar renal de reabsorção tubular da glicose não esteja alterado), pode ocorrer glicosúria. A glicosúria gestacional é relativamente comum e não indica necessariamente uma patologia como o diabetes gestacional. 

Nos idosos, o limiar renal para a reabsorção de glicose pode estar diminuído, mesmo que os níveis de glicose no sangue estejam dentro da faixa normal. Isso ocorre porque a capacidade de reabsorção tubular pode estar comprometida pelos próprios mecanismos de envelhecimento metabólico com a idade, resultando em glicosúria. Nesses casos, a glicosúria pode ocorrer em níveis de glicemia considerados normais, o que não ocorreria em indivíduos mais jovens. 

Para fechar com “chave de ouro”, preparei duas tabelinhas bem resumidas, com as possíveis causas de glicosúria e o mecanismo envolvido, para facilitar a memorização para a sua prova e também para a sua prática laboratorial! 

Gostou deste resumão? Espero que sim! Vamos ficando por aqui, mas você precisa continuar a se preparar com o time Gran Concursos para os concursos e residências que não param de surgir. Até o próximo artigo e “tchau tchau”!


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