A forma de comunicação da dispensa pode gerar danos morais

TST reconhece que as circunstâncias do caso concreto podem gerar direito à reparação

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    A forma de comunicação da dispensa do empregado também pode afetar valores caros ao ser humano. Diante da existência de uma relação intersubjetiva, é natural que haja limites ao modo através do qual um contrato de trabalho será extinto.

     Apesar dessa premissa parecer de fácil aceitação, divergências certamente surgem quando consideramos os casos concretos. Por exemplo, a dispensa por telefone é considerada abusiva? E a dispensa por simples telegrama?

    O Tribunal Superior do Trabalho já reconheceu a violação moral quando houve dispensa por telefone efetuada no dia de repouso e em horário inoportuno, porquanto era desnecessária tal prática:

“(…) DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO DA CTPS E COMUNICAÇÃO DA DISPENSA POR TELEFONE. 1. Conquanto ilegal a conduta do reclamado, de não proceder à anotação da CTPS da reclamante, por violar norma de caráter cogente, o entendimento desta Corte superior é no sentido de que tal procedimento, por si só, não tem o condão de atingir os direitos da personalidade do empregado, não ensejando, portanto, reparação por dano moral. Ressalva de entendimento do Relator, neste particular. 2. Por outro lado, a comunicação da dispensa da reclamante por telefone, no dia do repouso semanal remunerado, sábado, e em horário manifestamente inoportuno, às 23h, não pode ser considerada exercício regular do direito potestativo, pois ofensiva à integridade moral do trabalhador. Não se pode admitir tal conduta como mera deselegância do empregador, mas abusiva, indiferente para com o bem estar do trabalhador e violadora dos direitos da personalidade do empregado. 3. Recurso de Revista conhecido parcialmente e provido. (…)” (RR-121600-94.2011.5.17.0004, 1ª Turma, Relator Desembargador Convocado Marcelo Lamego Pertence, DEJT 23/06/2017).

    Os fundamentos invocados evidenciam o abuso patronal. Leia esse trecho do voto condutor:

“O modo pelo qual o empregador exerce seu direito potestativo de dispensar seus empregados encontra limites nos princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, não lhe sendo possível exercer tal direito de modo ofensivo ao empregado. A dispensa do emprego, por si só, já é suficiente para causar transtornos inevitáveis ao trabalhador. Desse transtorno inevitável, decorrente do regular exercício do direito potestativo, não responde o empregador por nenhuma reparação compensatória, mas responde em relação aos danos emanados dos atos evitáveis, potencialmente ofensivos e desnecessários, como no caso em apreço, em que o empregador, sem se importar com seu empregado, tampouco com seu estado emocional, comunica a dispensa do emprego em dia destinado ao repouso e em horário manifestamente inoportuno. Não se pode admitir tal conduta como regular exercício de direito, mas abusiva, indiferente para com o bem estar do trabalhador e violadora dos direitos da personalidade do empregado.”

    Além disso, o Tribunal Superior do Trabalho, em decisão de outra Turma, entendeu que a dispensa de empregado por simples telegrama, após 32 anos de serviço sem qualquer falta ou advertência que macule seu histórico funcional, ultrapassa os limites do direito potestativo patronal.

     Observe a ementa do julgado:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO. CARACTERIZAÇÃO. CONDUTA ABUSIVA DO EMPREGADOR. C OMUNICAÇÃO DA DISPENSA POR TELEGRAMA. CONTRATO DE TRABALHO QUE PERDUROU POR MAIS DE 32 ANOS. A responsabilidade civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos. O primeiro é a ação ou omissão de alguém que produz consequências às quais o sistema jurídico reconhece relevância. É certo que esse agir de modo consciente é ainda caracterizado por ser contrário ao Direito, daí falar-se que, em princípio, a responsabilidade exige a presença da conduta culposa do agente, o que significa ação inicialmente de forma ilícita e que se distancia dos padrões socialmente adequados, muito embora possa haver o dever de ressarcimento dos danos, mesmo nos casos de conduta lícita. O segundo elemento é o dano que, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, consiste na “[…] subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral”. Finalmente, o último elemento é o nexo causal, a consequência que se afirma existir e a causa que a provocou; é o encadeamento dos acontecimentos derivados da ação humana e os efeitos por ela gerados. No caso, o quadro fático registrado pelo Tribunal Regional revela que o comportamento da reclamada ultrapassou os limites do poder diretivo. Dispensar, por meio de um simples telegrama, um empregado que lhe serviu por mais de 32 anos, com excelente reputação na empresa, sem qualquer ” falta ou advertência apta a manchar sua vida funcional”, configura tratamento que não pode ser considerado meramente deselegante, mas sim despótico, precisamente porque extrapola os limites de tolerância de qualquer ser humano. O exercício da atividade econômica, premissa legitimada em um sistema capitalista de produção, está condicionado pelo art. 170 da Constituição à observância dos princípios nele enumerados, entre os quais se incluem a valorização do trabalho humano, a existência digna, de acordo com a justiça social ( caput ) e a função social da propriedade (inciso III), este último perfeitamente lido como função social da empresa. Ademais, estabelece vínculo direto e indissociável com os princípios contidos no art. 1º da Constituição, que fundamentam o Estado Democrático de Direito, entre os quais se incluem os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), sem se falar na dignidade da pessoa humana (inciso III). Com base nesses princípios, é possível a limitação do direito potestativo de dispensa, quando a ele se sobrepõe um bem jurídico relevante, protegido pela ordem jurídica, especialmente constitucional. Demonstrado o dano decorrente da conduta do empregador, deve ser mantido o acórdão regional que o condenou a indenizá-lo. Agravo conhecido e não provido. (…)” (Ag-AIRR-578-73.2015.5.02.0060, 7ª Turma, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 08/11/2019).

   É interessante, para melhor compreensão, transcrever os fundamentos do voto condutor deste último julgado:

“Na hipótese, os danos morais foram deferidos em razão de a comunicação da dispensa do reclamante ter sido realizada por telegrama.

De fato, é possível extrair do acórdão regional que o comportamento do reclamado ultrapassou os limites do poder diretivo ao dispensar, por meio de um simples telegrama, um empregado que lhe serviu por mais de 32 anos, com excelente reputação na empresa, sem qualquer ‘falta ou advertência apta a manchar sua vida funcional’. Tal ato configura tratamento que não pode ser considerado meramente deselegante, mas sim despótico, precisamente porque extrapola os limites de tolerância de qualquer ser humano.

O alegado poder potestativo – em relação ao qual tenho as minhas reservas a partir da Constituição de 1988, que assegura o direito de proteção contra a despedida arbitrária, ainda que tenha limitado a proteção ao aspecto pecuniário – não constitui direito absoluto.

Isso porque o exercício da atividade econômica, premissa legitimada em um sistema capitalista de produção, está condicionado pelo art. 170 da Constituição à observância dos princípios nele enumerados, entre os quais se incluem a valorização do trabalho humano, a existência digna, de acordo com a justiça social ( caput) e a função social da propriedade (inciso III), este último perfeitamente lido como função social da empresa.

Ademais, estabelece vínculo direto e indissociável com os princípios contidos no art. 1º da Constituição, que fundamentam o Estado Democrático de Direito, entre os quais se incluem os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), sem se falar na dignidade da pessoa humana (inciso III).

Significa afirmar, com base nesses princípios, a possibilidade de limitação do alegado direito potestativo de dispensa, quando a ele se sobrepõe um bem jurídico relevante, protegido pela ordem jurídica, especialmente constitucional.”

    Dessa maneira, percebe-se que, apesar de ser um direito potestativo do empregador a dispensa sem justa causa, o modo como ela se opera pode afetar a auto-estima e a dignidade, revelando-se desnecessárias e/ou inadequadas, o que gera direito à indenização.

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