A Relação Entre a Atuação Da Defensoria Pública E A Defesa Do Estado Democrático De Direito

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Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a expressão Estado Democrático de Direito foi criada pelo espanhol Elías Dias em seu livro Estado de derecho y sociedad democrática. Ela está presente no artigo 1º da Constituição Federal de 1988.

De mais a mais, o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita, previsto no artigo 5º, LXXIV da Constituição da República de 1988, é exercido pela Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida da missão de prestar orientação jurídica e a defesa dos necessitados, bem assim instrumento de democratização do acesso às instâncias jurídicas.

Conforme expressão da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (Lei Complementar 80/94), a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos (artigo 1º), incluindo, dentre seus objetivos, a primazia da dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades sociais e a prevalência e efetividade dos direitos humanos (artigo 3º-A).

A Emenda Constitucional n. 80 de 2014, que abriu seção específica no texto constitucional (seção IV) para tratar da Defensoria Pública dentro do capítulo das funções essenciais à justiça, alterou o art. 134 da Constituição da República de 1988 para nele dispor que:

 

A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

 

Dessa forma, constitucionalizou-se o que já constava na Lei Complementar 80/94 com a redação dada pela Lei Complementar n. 132/2009.

A Constituição Federal de 1988, portanto, evidencia a relevante posição da Defensoria Pública na concretização do acesso à justiça, como instrumento e expressão do regime democrático.

Conforme lição de Marinoni e Mitidiero, ainda que o texto constitucional não explicitasse, de forma inconfundível, a relação entre a atuação da Defensoria Pública e a defesa do Estado Democrático de Direito, essa conclusão defluiria da interpretação sistemático-teleológica das cláusulas da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal em sua acepção substancial.

Assim sendo, a relação entre a atuação da Defensoria Pública e a defesa do Estado Democrático de Direito deriva, para além da interpretação sistemático-teleológica das cláusulas da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal em sua acepção substancial, do reconhecimento expresso do texto constitucional da Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático.  Ademais, por meio da Defensoria Pública, reafirma-se a centralidade da pessoa humana na ordem jurídico-constitucional contemporânea, deixando-se claro que todo ser humano é digno de obter o amparo do ordenamento jurídico brasileiro, consoante aduz o Ministro Luiz Fux, em seu voto na Ação Direta por Omissão (ADO 2).

Embora a Constituição Federal de 1988 tenha certamente avançado na valorização da cidadania, colocando a dignidade humana, valor-fonte de todo ordenamento jurídico, em alto-relevo, a sensação era de que faltava algo à concretização de todos os direitos consagrados no texto constitucional, mormente as pessoas menos favorecidas. Era preciso incluir milhões de pessoas carentes e excluídos com a concretização do direito à moradia digna, à saúde, à educação, e ao acesso à justiça.

Nesse sentido, a Defensoria Pública é o pulso a indicar a vitalidade da democracia, afinal, todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido. Quanto mais acesso à justiça e a tomada de decisões pelos mais fracos, mais fortalecida será a democracia.

Após sucessivas emendas, a atual redação do artigo 134 da Constituição Federal garante à Defensoria Pública autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa de sua proposta orçamentária, ao passo que o artigo 168 da Carta Maior determina que os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos.

Além disso, a Emenda Constitucional n. 80/2014 incluiu o artigo 98 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que dispõe que “o número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população”; que “no prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais (…)”; e que “durante o decurso do prazo previsto no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional”.

Além de reafirmar a posição da Defensoria Pública como instituição essencial, atuando como mecanismo crucial para a construção de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, responsável pela promoção da igualdade substancial e dos direitos humanos, fazendo cumprir o objetivo de redução das desigualdades e erradicação da pobreza (art. 3º, III, CF/88) a lei, ainda, apresenta um extenso rol exemplificativo, de suas atribuições institucionais, o qual enaltece o imprescindível caráter transformador social da Defensoria, por meio da inclusão ao espaço público do cidadão hipossuficiente,  gozando de aconselhamento, educação, assistência e defesa técnica, concretizando a pretensão constitucional de igualdade material.

A Defensoria Pública, portanto, reafirma a centralidade da pessoa humana na ordem jurídico-constitucional contemporânea, porquanto fica claro que todo ser humano é digno de obter amparo do ordenamento jurídico brasileiro. Sob esse prisma, a instituição tem papel relevante na proteção do direito ao reconhecimento de grupos vulneráveis em um Estado Democrático de Direito.

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

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BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal, dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para assuntos jurídicos. Diário Oficial da União, 13 jan. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp80.htm>. Acesso em: 30 agosto. 2020.

 

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed., Coimbra:

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SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

 

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