O reconhecimento da responsabilidade objetiva no campo do acidente de trabalho sempre gerou debates na doutrina, mormente diante da previsão de responsabilidade subjetiva prevista no art. 7º, XVIII, da Constituição Federal:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”
A jurisprudência trabalhista já havia consolidado posição majoritária no sentido de que o princípio da progressividade, que se infere do caput do art. 7º, autoriza o reconhecimento de responsabilidade objetiva em situações especiais, como ocorre diante da previsão do art. 927, parágrafo único, do Código Civil:
“Art. 927. (…)
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Apenas para ilustrar a posição jurisprudencial trabalhista mencionada transcrevo julgados do Tribunal Superior do Trabalho que reconhecem a plena aplicabilidade do art. 927, parágrafo único, do Código Civil:
(…) 4. MOTORISTA. ASSALTO. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO EMPREGADOR EM RAZÃO DA ATIVIDADE DE RISCO DESEMPENHADA NO TRANSPORTE DE CARGA. 4.1. À proporção em que assaltos se tornam ocorrências frequentes, adquirem “status” de previsibilidade para aquele que explora a atividade econômica, incorporando-se ao risco do negócio (fortuito interno), cujo encargo é do empregador (art. 2° da CLT). 4.2. A realidade de violência que assola o transporte no Brasil atrai para a esfera trabalhista a responsabilidade civil objetiva da empresa de transporte, em face da atividade de risco desempenhada pelos seus funcionários, quase que rotineiramente submetidos a atos violentos de terceiros. Incidência da cláusula geral de responsabilidade objetiva positivada no parágrafo único do art. 927 do Código Civil. 4.3. Na linha da teoria do “danum in re ipsa”, não se exige que o dano moral seja demonstrado: decorre, inexoravelmente, da gravidade do fato ofensivo que, no caso, restou materializado nos diversos assaltos sofridos pelo reclamante como motorista. (…) (AIRR-10283-58.2014.5.15.0096, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 13/03/2020).
(…) ACIDENTE DE TRABALHO. MOTORISTA DE CAMINHÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FATO DE TERCEIRO. A pretensão recursal da reclamada é de que seja aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva e, ante a imprudência de terceiro que culminou no acidente que vitimou o autor, seja afastada a sua condenação por danos morais e materiais. O Tribunal Regional manteve o pagamento da indenização por danos morais e materiais, porque o reclamante, na direção do caminhão de transporte de cana-de-açúcar, sofreu colisão causada por colega de trabalho que invadira a faixa direita da rodovia, ocasionando o infortúnio. Nesse contexto, o ordenamento jurídico brasileiro contempla, por exceção, a responsabilidade empresarial por danos acidentários em face do risco decorrente da atividade desenvolvida, independentemente de culpa, nos termos do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. A jurisprudência do TST é no sentido de que a atividade de motorista de caminhão é de risco, pelo que é aplicável a responsabilidade objetiva da reclamada. Ademais, esclareça-se que o fato de terceiro capaz de eliminar o nexo de causalidade e excluir a responsabilidade civil é apenas aquele completamente imprevisível e inevitável, o que não resta configurado no caso de acidente de trânsito sofrido por motorista profissional, uma vez que o risco de colisão é inerente à própria atividade. A decisão regional está em consonância com a jurisprudência do TST. Incólumes os artigos 7º, XXVIII, da Constituição Federal, 186 e 927 do Código Civil. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (…) (AIRR-617-24.2012.5.15.0154, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 13/03/2020).
Um ponto interessante refere-se a uma delimitação do que seria a atividade que, por sua natureza, implica risco ao direito de outrem, conforme menciona o preceito civilista. Nesse particular, o Enunciado 38 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal aponta diretriz relevante:
“A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.”
Contudo, mesmo diante dessas premissas, diversos empregadores buscavam afastar a responsabilidade objetiva com fundamento na previsão do art. 7º, XVIII, da CF, o qual, na interpretação deles, somente autorizava a responsabilidade baseada em culpa no sentido amplo.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal julgou o Tema 932 da Lista de Repercussão Geral, definindo a seguinte tese:
O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade.
Assim, o STF reconhece a possibilidade de responsabilidade objetiva do empregador por danos decorrentes de acidente de trabalho, com base no art. 7º, XVIII, da CF.
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