Por Fernanda Holanda de Vasconcelos Brandão
Resumo: A advocacia é considerada como uma das atividades essenciais para a administração da justiça. Daí a importância do advogado na sociedade, uma vez que ele detém a capacidade de postular os interesses das pessoas em juízo ou fora dele e também de prestar assessoria e consultoria. Surge nesse meio o papel do advogado como negociador, aquele capaz de solucionar conflitos de uma forma mais célere, antes mesmo de se formar um litígio.
Palavras-chave: Advocacia. Postulação. Conciliação. Mediação. Negociação.
Abstract: Advocacy is seen as an essential activity for the administration of justice. Hence the importance of lawyers in society, since he has the ability to nominate the interests of people in or out of court and also to provide advice and consultancy. Arises in this way the lawyer’s role as a negotiator who is able to resolve conflicts in a way that is faster, even before a dispute form.
Keywords: Advocacy. Postulation. Conciliation. Mediation. Negotiation.
1. Introdução
A profissão de advogado é considerada uma das mais antigas profissões de que se tem conhecimento. Apesar de só vir aparecer com o Direito Canônico, existiram pessoas encarregadas de redigir discursos para as partes que atuavam nos processos, os chamados logógrafos[1]. Isso pode ser comprovado quando se analisa a História do Direito na Grécia. Hoje a advocacia está regulamentada pela Lei Federal nº 8.906/94 – Estatuto da OAB, pelo Regulamento Geral, pelo Código de Ética e Disciplina e pelos Provimentos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Sabe-se, assim, que o advogado tem um importante papel junto à sociedade, no sentido de prestar uma função social, de cuidar dos direitos das pessoas que a ele confiam seus anseios e seus problemas, vindo a colaborar com os demais órgãos encarregados dessa prestação. É o que se observa da análise do art. 133, da Constituição Federal e do art. 2º, do Estatuto da OAB, os quais estabelecem que o advogado é indispensável à administração da justiça.
Trata-se, na verdade, daquele bacharel em Direito que é inscrito no quadro de advogados da OAB (após aprovação no exame da ordem) e que realiza atividade de postulação ao Poder Judiciário, como representante judicial de seus clientes, e também atividades de consultoria e assessoria em matérias jurídicas. Portanto, não podem ser advogados os que, por qualquer motivo, têm suas inscrições canceladas. É o que dita o art. 3º, do Estatuto da OAB, enfatizando que apenas os inscritos na OAB podem utilizar a denominação de advogado, o que nos faz lembrar que os milhares de cursos de direito existentes não formam advogados, mas apenas os bacharéis em direito.
Portanto, apenas os advogados legalmente inscritos na OAB podem praticar os atos privativos da atividade de advocacia, que estão disciplinados no art. 1º do Estatuto da OAB, quais sejam, postulação, consultoria e assessoria, o que também pode ser praticado pelo estagiário, quando acompanhado pelo advogado e sob a sua responsabilidade. Assim, aqueles que não estiverem legalmente inscritos estarão praticando o exercício ilegal da profissão.
A conseqüência que a lei atribui à prática ilegal dos atos privativos de advogados, especialmente por pessoa não inscrita na OAB, é a nulidade dos atos praticados, conforme reza o art. 4º, do Estatuto da OAB, assim também com o advogado que esteja impedido, suspenso, licenciado ou que passe a exercer atividade incompatível com a profissão da advocacia, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.
Apesar de se falar muito que o advogado realiza atividade de postulação, de consultoria e assessoria, outra atividade também importante já surgiu há algum tempo e vem sendo objeto de discussão entre doutrinadores, professores e estudantes, que é a de negociador. O advogado, na sociedade atual, está preocupado em resolver os conflitos antes mesmo que eles sejam levados a julgamento. Para isso, ele precisa não só ter conhecimento de direito, mas de outras disciplinas, como economia, psicologia, antropologia etc.
Diante desses aspectos, o presente artigo se propõe a analisar a advocacia como atividade, levando em consideração os aspectos teóricos e práticos das normas regulamentadoras da referida profissão, e, principalmente, o papel do advogado como negociador.
2. A atividade da advocacia
Visto que apenas o bacharel em direito que é inscrito nos quadros da OAB pode utilizar a denominação de advogado, resta analisar as suas atividades estabelecidas nos regulamentos que regem a profissão. A primeira atividade, característica da atividade da advocacia, é a postulação, ou seja, o ato de pedir ou exigir a prestação jurisdicional do Estado, o que exige, para isso, uma qualificação técnica que envolve, evidentemente, o conhecimento do direito.
Em regra, apenas o advogado detém essa capacidade postulatória. Somente o advogado pode promover as ações em juízo e também elaborar as possíveis defesas, conforme estabelece o art. 36, do Código de Processo Civil. O mesmo artigo traz as exceções em que se postula sem a necessidade de advogado: quando a parte postula em causa própria, ou seja, sem ser representada por advogado (possui habilitação legal, isto é, a própria parte é advogado); quando não existir advogado no lugar (comarca); quando existir advogado, mas este se recusar a atuar ou estiver impedido de atuar; na impetração de hábeas corpus (pode ser realizada por qualquer pessoa); nos juizados especiais, nas causas até 20 salários mínimos e na Justiça do Trabalho.
Para Paulo Lôbo[2], a postulação é o ato de pedir ou exigir a prestação jurisdicional do Estado promovida pelo advogado em nome de seu cliente, tratando-se de uma função tradicional, historicamente cometida à advocacia. “O Advogado tem o monopólio da assistência e da representação das partes em juízo. Ninguém, ordinariamente, pode postular em juízo sem a assistência de advogado, a quem compete o exercício do jus postulandi”, ressalta o autor.
O que entende o autor é que o advogado é indispensável para a defesa dos interesses dos clientes quando precisam buscar o Judiciário para resolver algum conflito. Com efeito, o advogado tem em suas mãos instrumentos capazes de modificar a vida de uma pessoa, resta a ele utilizá-los de forma coerente e responsável. Observe-se o que dita Miguel Arcanjo Costa da Rocha[3] sobre a referida profissão:
“Pode-se dizer que, assim como o médico dedica-se à preservação da vida de seu paciente, o advogado dedica-se à manutenção dos direitos de seu cliente. Mas não é só na esfera privada que o advogado é importante: ele exerce papel fundamental na formação da sociedade quando busca a preservação do direito à liberdade de expressão, do direito à propriedade; liberdade na forma de construção das relações familiares, no modo de atuação do mercado econômico e até mesmo na atuação do Estado.
Já Mário Ramos dos Santos[4] considera como função específica do advogado a de “promover a observância da ordem jurídica e o acesso dos seus clientes à ordem jurídica justa”. Na verdade, o advogado, segundo ele, é aquele profissional que orienta, aconselha, representa e defende os direitos e os interesses dos clientes, seja em juízo ou fora dele. Esse entendimento nos leva a esclarecer a existência da advocacia judicial ou curativa, ou seja, aquela em que se postula em juízo.
Mas não menos importante existe a advocacia preventiva ou extrajudicial, na qual há uma busca por solucionar os conflitos ou mesmo um aconselhamento antes de se enfrentar um litígio na justiça. É o que está sendo feito na celebração de contratos, nas tomadas de decisões, no campo econômico, na publicidade de produtos e serviços etc, como se verá mais adiante.
De acordo com o entendimento de Paulo Lôbo[5], essas atividades praticadas pelos advogados podem ser consideradas preventivas e extrajudiciais de solução de conflitos. Trata-se de um dos temas que estão sendo mais discutidos atualmente, no que se refere à atividade da advocacia, deixando-se de enfatizar que o advogado tem por função primordial a de postulação de direitos junto ao judiciário. Veja:
“Um dos grandes males da formação jurídica, no Brasil, é a destinação predominante dos cursos jurídicos ao litígio. No entanto, a área mais dinâmica das profissões jurídicas, na atualidade, é a atuação extrajudicial, em várias dimensões. Podemos encará-las de dois modos: como atividades preventivas e como atividades extrajudiciais de solução de conflitos. No primeiro caso, busca-se evitá-los. No segundo, buscam-se meios distintos do processo judicial para solucionar conflitos já instalados ou com potencial de litigiosidade; este é o campo das mediações, das negociações individuais ou coletivas, da arbitragem, da formulação de condições gerais para contratação, do desenvolvimento de regras extra-estatais de conduta, tanto nas relações internas quanto nas relações internacionais. O advogado é o profissional especializado, cuja assessoria ou consultoria é imprescindível, independentemente de mandamento legal, pela demanda crescente a seus serviços vinda de pessoas, empresas, entidades, grupos sociais e movimentos populares. Esse vasto campo profissional requer habilidades que os cursos jurídicos devem considerar, porque a tendência é a crescente desjudicialização de suas atividades.”
Não é por menos que o advogado é considerado prestador de serviço público, pois ele é indispensável à administração da justiça, exercendo, assim, função de caráter social, de forma que seus atos constituem um múnus público, porque cumpre o encargo de contribuir para a realização da justiça. Assim, ele estará realizando a função social quando concretizar a aplicação do direito, quando participar da construção da justiça social, quando o interesse particular do cliente ou o da remuneração e o prestígio do advogado não sacrificarem os interesses sociais e coletivos e o bem comum.
Na realidade, não existe apenas o advogado considerado privado, ou seja, aquele que trabalha nos escritórios de advocacia, mas também a advocacia pública, que é exercida pelos integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, Distrito Federal, dos Municípios e respectivas entidades de administração indireta e fundacional. Eles estão sujeitos ao regime da Lei da Advocacia e depois ao regime próprio.
Os advogados estão sujeitos a um contrato que realizam com uma ou mais pessoas com o objetivo da prestação de um serviço. Trata-se do mandato judicial, que é o contrato por meio do qual se concede a representação voluntária do cliente ao advogado, para que este possa representá-lo, seja em juízo ou fora dele, cujo instrumento é a procuração. Portanto, a procuração é o instrumento por meio do qual são dados poderes de representação por parte do cliente ao advogado.
Em geral, a procuração habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer ação e em qualquer juízo ou tribunal, existindo os casos que exigem poderes especiais, os quais devem ser mencionados expressamente. Ele também pode atuar sem a procuração em casos de urgência, tendo o prazo de 15 dias, prorrogáveis por igual período, para apresentá-la. Isso é aceitável para não haver prejuízo para a parte representada.
O mandato é sempre escrito, por instrumento público ou particular, dispensado, para o último, o reconhecimento de firma, de acordo com o que prescreve o art. 38, do CPC. O comum é que o mandato seja feito por instrumento particular, já que só exigível instrumento público em casos especiais, por exemplo, para outorgar poderes para venda de bens imóveis, ou à representação de interesses de incapazes (menores ou não), ou que autorizam a renúncia a bens imóveis etc.
Vale ressaltar que o advogado também pode, sem necessidade de fundamentação, renunciar ao mandato. Para isso ele deve permanecer em pleno exercício do mandato durante o prazo de 10 dias após a renúncia, salvo se já tiver sido substituído, ou seja, quando o cliente, antes desse prazo, já nomeia outro advogado para lhe representar.
Não obstante as referidas características da atividade advocatícia, não se pode esquecer da indispensabilidade do advogado para a administração da justiça, pois como bem enfatiza Miguel Arcanjo[6], trata-se do profissional de direito que é defensor da vida da sociedade e do indivíduo em particular. Observe:
“A sociedade atual, por ser complexa, exige diariamente associações, contratos, obrigações, e nesse espaço entra o profissional do direito como “decifrador” do emaranhado normativo, como conselheiro, como defensor dos direitos, posto que, conforme sabemos, na vida em sociedade, a liberdade de alguém termina quando começa a do outro. Portanto, entendo que o advogado é peça-chave na formação da sociedade atual e no seu regular funcionamento, pois dele depende vivermos uma sociedade justa, plural e democrática.”
Para Fernando Vasconcelos[7], o advogado não age somente na esfera judicial, ele é orientador, conselheiro, assessor, consultor e parecerista. “Como jurisconsulto, tem o advogado o direito de sustentar a tese que entenda cabível, ainda que contrária à maioria dos especialistas na área ou às decisões dos pretórios”, enfatiza.
O papel do advogado, hoje, na sociedade, vai muito além de ensejar uma ação junto aos poderes competentes, de defender o cliente em juízo, passa pela busca de soluções cada vez mais rápidas para os conflitos, o que implica, necessariamente, a tentativa de se evitar que esses conflitos sigam para serem julgados. É o que entende Arnoldo Wald[8]: “O papel do advogado ganha importância enquanto negociador, conciliador, que busca soluções rápidas e tenta evitar conflitos que sigam para o Judiciário”.
Conforme se verá a seguir, o advogado deve conhecer o mundo da negociação, envolvendo o conhecimento econômico, social e psicológico, para que possa, em um curto espaço de tempo, solucionar os problemas de seus clientes e contribuir para a diminuição de processos nos tribunais.
3. O advogado como negociador
Sabe-se que a arbitragem, a mediação, a conciliação e a negociação são pontos fundamentais e importantes para que o direito se concretize tal como ele se objetiva, ou seja, para que se realize o bem comum e se obtenha justiça. São apontados pelos doutrinadores como caminhos valiosos para os profissionais do Direito, em especial, para os advogados.
Não é por menos que se vem discutindo o papel do advogado como negociador e não mais apenas como aquele que vai defender os interesses de uma pessoa em juízo. Mesmo porque o advogado já percebeu que não adianta mais ter apenas o conhecimento técnico jurídico para exercer a profissão, pois vais exigir dele conhecimento em outras áreas afins.
De acordo com Alessandra Gomes do Nascimento Silva[9], o advogado precisa, a todo o momento, negociar, seja com seu cliente, colegas de escritório ou empresa, advogados da parte contrária ou funcionários públicos. Trata-se de uma nova realidade que está sendo pouco estudada nas faculdades de direito. Hoje, os cursos jurídicos deveriam trabalhar mais e melhor o assunto da negociação para advogados, uma vez que deve acompanhar a evolução da sociedade, que vem caminhando para que se exija essa postura do advogado.
No Manual do Advogado de Sucesso[10], elaborado pela Central Jurídica, o advogado também aparece com esse perfil de negociador:
“Advogados estão sempre negociando. Após receber um cliente e ouvi-lo, entra a fase da negociação, quando lhe será explicado quais seus direitos tendo em vista o caso concreto, qual sua possibilidade de sucesso, quais seus custos, como será prestado o serviço, etc. Negociação é como um processo de comunicação, algo que fazemos corriqueiramente. E, talvez, por ser assim tão ligada ao nosso dia-a-dia, não percebemos todas as dificuldades envolvidas.”
Não é por menos que a autora entende que a negociação está baseada não em se obter vantagens em detrimento das desvantagens de outrem, mas em se ter ganhos mútuos, para que ambas as partes consigam um equilíbrio no que desejam, bastando, para isso, que elas utilizem as ferramentas certas e adequadas para que os conflitos possam ser resolvidos de maneira negociada.
Não se quer dizer com isso que vá se excluir o direito ao acesso à prestação jurisdicional. Esse é um direito assegurado constitucionalmente a todas as pessoas que precisarem recorrer a essa prestação. O que o processo de negociação vai fazer é desafogar o Poder Judiciário do número de processos que surge todos os dias, é diminuir o tempo gasto pelas pessoas para ver realizado o seu direito.
Outro não é o posicionamento de Alessandra Gomes do Nascimento Silva[11]:
“Se de um lado defendemos a ampla possibilidade de acesso à prestação jurisdicional, garantida constitucionalmente, de outro cremos que também nós, como operadores do Direito, podemos colaborar nesse movimento de desobstrução dos Tribunais. E é neste compêndio que pretendemos fornecer combustível para que toda a enorme e inexplorada gama de conflitos que podem ser resolvidos de maneira célere e conveniente, sem a necessidade da intervenção estatal, possa ser habilmente administrada por aqueles que detêm privilegiada posição para tal: os advogados”.
Lisiane Lindenmeyer Kalil[12] também coaduna com o referido entendimento, enfatizando o caráter preventivo nessa negociação, para que se busque evitar danos para o cliente:
“Deve ser, principalmente, uma pessoa flexível. Além disso, deve valorizar as relações interpessoais, ter sensibilidade com relação ao efeito das decisões sobre os outros. Também é importante que possua um enfoque preventivo, procurando evitar o dano e que tenha uma visão a longo prazo, não buscando apenas o que parece ser vantajoso para o seu cliente no momento presente, mas visualizando também quais serão as conseqüências para ele no futuro.”
Com efeito, a negociação visa a evitar o crescimento no número de processos ajuizados ou que as ações judiciais sejam solucionadas de uma forma mais célere. É nesse sentido que se faz primordial a presença do advogado negociador quando do surgimento de alguma demanda, com o objetivo de que se faça valer uma premissa maior, qual seja, a de que ambos saiam ganhando.
Para isso, o advogado tem que conhecer e praticar as já faladas técnicas de negociação, que alguns autores já vêm desenvolvendo, a exemplo de Alessandra Gomes do Nascimento Silva. Para eles, o advogado não pode mais pensar que as audiências de conciliação constituem-se em perda de tempo. É nessa conciliação que o advogado vai poder utilizar as técnicas capazes de solucionar conflitos.
As faculdades de direito têm um papel fundamental nessa caminhada, que é inserir nas grades curriculares dos cursos cadeiras que tratem desse papel de negociador do advogado ou mesmo que as cadeiras já existentes, a exemplo de Ética e Prática Jurídica, pelo menos abordem o assunto. Pois como bem enfoca Alessandra Gomes do Nascimento Silva[13], o material de trabalho do advogado é o litígio porque é assim que é ensinado nas faculdades:
“Somos verdadeiramente fruto da formação que recebemos na faculdade. Nosso material de trabalho é o litígio. Vivemos dele e dele nos alimentamos. Daí a crença de que, fomentando o litígio, estamos contribuindo para a continuidade da oferta de trabalho.
E muitos que se portam dessa maneira esquecem que o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil indica que é dever do advogado “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios” (art. 2º, parágrafo único, VI).
Como bem esclareceu a autora, as próprias normas que regulam a profissão de advogado estimulam que seja realizada a conciliação, a fim de se evitar que litígios sejam instaurados. Não se está falando apenas da audiência de conciliação realizada nos tribunais, mas também da conciliação que pode ser realizada entre as partes antes mesmo de se ajuizar uma demanda.
É o que está sendo praticado por alguns advogados, que não pensam apenas em receber a sua remuneração pelo serviço prestado, que são os honorários, mas, antes de tudo, pensam no bem-estar e na satisfação dos seus clientes, o que os leva a entrar em acordo com os advogados das partes contrárias. É o que Arnoldo Wald[14]chama de mudança na relação entre os advogados de partes contrárias: “Eles passam a ser parceiros e saem da posição de concorrentes”.
Alessandra Gomes do Nascimento Silva[15] diz que enquanto o papel do advogado é convencer o magistrado de sua tese jurídica quando se demanda uma ação, na negociação ele tem por objetivo convencer a outra parte de que a proposta que lhe está sendo oferecida é a melhor alternativa para a parte no caso de não se realizar um acordo entre ambas.
Descobrir os interesses que estão em jogo; criar opções de ganhos mútuos; elaborar critérios objetivos para dar sustentação às opções criadas; discutir o processo de negociação com a outra parte; estabelecer alternativas para o caso de não haver acordo; conhecer as alternativas da outra parte; colocar-se no lugar da outra parte e amarrar o acordo de maneira efetiva estão entre as técnicas relacionas pela autora para que o advogado possa ser um negociador.
Mas nem todos os advogados acertam na hora de negociar. Os erros[16] mais comuns praticados por eles na tentativa de realizar uma negociação correta são: não preparar as negociações; negociar como se estivesse dialogando consigo mesmo; confundir a narração com os fatos; estabelecer objetivos inalcançáveis ou riscos inapropriados e não dispor de procedimentos para tratar com a tensão e o estresse.
Confundir o cliente com excesso de informações, posições ou idéias; deixar-se envolver por táticas sujas muitas vezes sugeridas; não identificar as intenções do cliente; esquecer que a negociação só termina quando a demanda for finalizada e não quando o contrato de serviço foi firmado e não procurar aprender alguma coisa de cada negociação efetuada também constituem erros praticados por eles.
Todos esses erros podem ser evitados se o advogado for preparado para negociar, o que vai exigir uma melhor qualificação e o próprio ensino nas faculdades. Sabe-se que a legislação brasileira estabelece meios de solução de conflitos extrajudiciais, quais sejam, a arbitragem, a conciliação e a mediação. E é nesses meios em que se desenvolve o poder de negociação. O que falta é um desenvolvimento eficaz desse tema, que deve ser disseminado para todos os interessados.
Essa é a opinião de diversos autores, a exemplo de Ari Lima[17], que considera a empatia, flexibilidade, respeito, cortesia, prudência e cautela como pontos chaves no desenrolar da negociação:
“Atualmente a legislação no Brasil prevê a solução de muitos conflitos via Métodos Extrajudiciais. São conhecidos como Arbitragem, Conciliação e Mediação. Todas estas práticas são um campo fértil para o desenvolvimento da negociação e exigem, sobretudo, competência e habilidade por parte dos agentes responsáveis em aplicá-las. É certo, que a sociedade ganhou muito com a implantação destas formas de resolver conflitos, pois diminuíram os custos e os prazos para solução de milhares de processos judiciais. Na base de todas elas, está o conceito de negociação.
Portanto, concluímos que a capacidade de negociação deveria ser uma prioridade na formação de todos os operadores do Direito. Uma competência a ser disseminada nas escolas, nos escritórios de advocacia e nas instituições Judiciárias, para que as demandas judiciais possam conseguir soluções menos onerosas, menos traumáticas e mais adequadas às partes envolvidas e para a sociedade em geral.”
Já para Bárbara Diniz[18], negociação é um procedimento natural que é baseado na comunicação direta, para se tentar resolver um conflito onde as partes possuem total controle sobre o procedimento e o resultado. Ela considera que a negociação pode ser distributiva (as partes procuram maximizar seus ganhos à custa de concessões da outra parte) ou integrativa, também chamada de cooperativa (onde se busca um resultado satisfatório para todos), que pode ajudar a desafogar os tribunais. Veja:
“Nesse caso, a atuação dentro de uma negociação colaborativa poderia auxiliar a desafogar muitos dos tribunais existentes, além de favorecer a manutenção de relacionamentos, a autonomia individual de resolver os próprios conflitos e a satisfação de interesses de todos os envolvidos. Para isso, porém, seria necessário que advogados soubessem negociar muito além do jogo de concessões e soma zero; seria necessário que enxergassem sua atuação como negociadores profissionais, técnicos com conhecimento. Isso, no entanto, está ainda longe de ser a realidade.”
Restou claro que o papel do negociador, para a maioria dos doutrinadores, está em obter um resultado positivo, ou seja, alcançar uma solução, para a parte que ele representa. O que vai diferenciar o papel do advogado quando participa da mediação, onde ele não pode ser parcial, devendo colocar-se neutro para a solução do conflito existente.
Cabe ao advogado, então, ouvir o que as partes têm a dizer e facilitar que elas cheguem a uma solução. É o que aduz Maria Fernanda Pastorello[19]: “Acompanha a reflexão das partes, permitindo-lhes encontrar um acordo que melhor satisfaça os interesses de todas as partes envolvidas. Ele atua, apenas, como facilitador das partes”.
Trata-se, neste caso, da realização da mediação antes de se iniciar o processo civil. Segundo a autora, existe um projeto de lei em tramitação que fala da obrigatoriedade dessa tentativa de mediação, na qual o advogado vai possuir poderes para intimar e lavrar termos. Para isso ele será remunerado e vai se exigir a formação de profissionais qualificados para tal função.
De acordo com Maria Fernanda Pastorello[20], o advogado terá que agir de forma neutra, procurando “restabelecer o relacionamento, atuando como um catalizador, procurando potencializar o positivo do conflito”. Portanto, ele não pode atuar como defensor de uma das partes em juízo:
“Na mediação, é fundamental que o advogado, quando atuar como mediador, tenha consciência de que é um terceiro neutro que conhece o processo de mediação e que, sem emitir juízo de valor, auxilia as partes a conversarem. Ele deve procurar restabelecer o relacionamento, atuando como um catalizador, procurando potencializar o positivo do conflito.
O advogado, habituado na lide com a parte contrária, no processo de mediação deve atuar de forma totalmente diversa da postura por ele agiotada em juízo, ao representar seu cliente em uma lide. Enquanto mediador não pode interessar-se pelos resultados, já que seus interesses devem focar-se em fazer com que as partes saibam dialogar e busquem seus interesses.
A maior cautela a ser adotada especificamente pelo profissional do direito, enquanto mediador, é ter sempre em mente que a mediação transcende à solução de conflitos, dispondo-se a transformar o contexto adversarial em colaborativo, estimulando e vitalizando a comunicação entre os indivíduos em conflito de modo a proporcionar o que a jurisdição pública certamente não possui condições de oferecer, celeridade e restabelecimento da relação social entre as partes”.
Seja como mediador ou como negociador, o advogado tem em suas mãos instrumentos eficientes capazes de realizar justiça e obter o bem para ambas as partes, o que vai exigir a cooperação até mesmo entre os advogados das partes contrárias. Na verdade, o advogado não terá mais como função principal a de postular em juízo, mas sim a de tentar solucionar os conflitos antes de eles chegarem ao conhecimento dos tribunais.
Conforme se verifica, a negociação e a mediação constituem meios alternativos para que se dê celeridade aos processos ou se evite o surgimento deles, assim como a arbitragem. São instrumentos que produzem um resultado mais rápido e eficiente para aqueles que procuram a solução dos seus conflitos.
Como bem ressalta a autora acima citada, em meio às crises que os tribunais enfrentam com a burocracia excessiva, a falta de celeridade processual e o exacerbado número de processos para serem julgados, surge o papel do “advogado mediador/negociador” para tentar minimizar esses problemas. Observe:
“Nesse contexto, ciente de que as garantias elencadas na Constituição Federal com o escopo de resguardar o jurisdicionado produzem resultados insatisfatórios em face da crise enfrentada pelo Judiciário, bem como, de que essa circunstância não pode obstar a justiça, deve o mediador/negociador advogado apoiar os novos meios de composição de conflitos, numa perfeita concretização do justo, impedindo dessa forma a injustiça legalizada que caminha lado a lado com o Poder Judiciário, que por outro lado, também busca através de reformas legislativas obter o equilíbrio entre a segurança jurídica e a efetividade processual”[21].
O que interessa para a advocacia como atividade não é apenas o dever de postulação, mas de assessoria e consultoria e, acima de tudo, de negociação. Assim, o advogado estará contribuindo para a concretização dos preceitos constitucionais e respeitando os ditames legais.
Seja através da arbitragem, da conciliação ou da mediação, cabe aos profissionais do direito e, principalmente, ao advogado, utilizar as técnicas de negociação, a fim de contribuir para o bom relacionamento entre as partes, para a conseqüente solução dos conflitos ou o não surgimento do litígio em juízo.
4. Considerações finais
Não é de hoje que sabemos da importância do advogado na sociedade. Ele é indispensável à administração da justiça, exerce função social, detém capacidade postulatória, defende os interesses das partes em juízo ou fora dele e presta assessoria e consultoria. Todo bacharel em direito, aprovado no respectivo exame de ordem, pode praticar qualquer uma dessas atividades.
Entretanto, mais importante vem se tornando o papel desse advogado como negociador, ou seja, aquele que vai se utilizar de técnicas para chegar à solução de conflitos ou mesmo evitar que eles cheguem ao conhecimento dos magistrados, que são aqueles que vão decidir o destino das partes que litigam nos tribunais.
Na verdade, o advogado já vem negociando há muito tempo quando do contato com o cliente, com a parte contrária ou com os órgãos necessários, só não se deu conta da importância dessa atividade. Basta refletir sobre a sua capacidade de postular em juízo, quando ele precisa se revestir de todos os instrumentos capazes de tentar convencer o magistrado do direito de seu cliente.
Mas, atualmente, o enfoque da negociação na prática da advocacia está, justamente, em evitar os litígios em juízo, apresentando-se soluções rápidas aos conflitos e contribuindo para desafogar os tribunais do número de processos, diminuindo-os e tornando a justiça mais eficaz e célere.
Para que isso ocorra é fundamental a participação das faculdades de direito em dotar os futuros advogados da consciência da importância da negociação em meio à prática da arbitragem, conciliação, mediação e o próprio julgamento dos processos. É o que já vem sendo feito em alguns cursos, a exemplo da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, mais especificamente, no Programa de Mestrado em Direito e Desenvolvimento e também nos Cursos de Pós-Graduação da FAAP.
Entretanto, independente disso, deve o advogado, por si só, buscar aprimorar esses meios de negociação e utilizar as técnicas cabíveis nas suas relações quando da prestação do serviço advocatício, a fim de proporcionar melhores condições para a solução dos conflitos da sociedade.
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