Agência de Inteligência de Segurança Pública pode ajudar em investigação criminal? – Entenda o (polêmico) caso recém apreciado pelo STJ.

Fala pessoal, tudo certo?

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02 de outubro4 min. de leitura

Hoje vamos analisar as peculiaridades de uma decisão exarada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que fora publicada em diário oficial no último dia 25 de agosto e que fora veiculada também no informativo 678 da referida Corte. Refiro-me ao Habeas Corpus nº 512.290/RJ.

Analisando o caso do Rio de Janeiro, a Corte apontou que a atividade de inteligência desempenhada por agência estatal se vincula ao exercício de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de segurança pública, alcançado diversos campos de atuação – um deles a inteligência policial judiciária – e entre suas finalidades está não só subsidiar o planejamento estratégico de políticas públicas, mas também assessorar com informações as ações de prevenção e repressão de atos criminosos.

Não sendo seu objetivo primordial, o trabalho desempenhado pode SIM ser aproveitado no processo penal. Foi isso que ocorreu no caso específico, relacionado à Subscretaria de Inteligência (SSINTE/SESEG), no Rio de Janeiro.

Na situação específica, houve comunicação à agência de inteligência acerca de suposta extorsão mediante sequestro feita por policiais, gerando diligência e investigação do SSinte. As informações foram juntadas em ofício e entregues em envelope lacrado ao Ministério Público. Em 2015, a promotoria decidiu abrir procedimento investigativo criminal (PIC), no qual atuou tendo a SSinte como auxiliar.

Vale repisar, como muito bem anotou o Ministro Rogério Schietti, que a agência de inteligência de segurança pública não atua como polícia judiciária na investigação de crimes. Entretanto, como opera incessantemente na busca de conhecimento, o resultado de suas operações pode, ocasionalmente, ser aproveitado para subsidiar a produção de provas. Ademais, no Estado do Rio de Janeiro, a SSINTE/SESEG possuía a atribuição legal, em conformidade com o art. 2°, parágrafo único, da Resolução n. 436 de 8/2/2011, de prestar “o apoio necessário” aos órgãos incumbidos de investigação criminal.

O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que a atribuição de polícia judiciária às polícias civil e federal não torna nula a colheita de elementos informativos por outras fontes. Ademais, o art. 3°, VIII, da Lei n. 12.850/2013 permite a cooperação entre as instituições públicas na busca de dados de interesse da investigação.

Segundo se colhe do voto do Ministro Relator, são várias as categorias de atividade de inteligência (de defesa, policial, penitenciária, financeira, fiscal, de Estado, etc.). A de segurança pública, por sua vez, possui diversos campos de atuação, entre as quais o de prestar apoio às missões das polícias militar, judiciária e rodoviária. Essa estrutura não existe somente no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, “o primeiro ramo da análise de inteligência nas agências estaduais e locais é a análise investigativa”, que se “concentra em apoiar as operações de repressão e os mandados de prisão contra organizações criminosas e narcotraficantes”; “trabalha com base no crime que já aconteceu, e busca descobrir o autor”. A outra vertente “é a análise criminal, cujo objetivo é subsidiar os tomadores de decisão com informações táticas e estratégicas de combate ao crime”. Esta estrutura existe em todos os lugares em que parte dos efetivos policiais funciona como polícia ostensiva e parte do efetivo tem missões de polícia judiciária[1].

Aliás, dentro do contexto de segurança pública, a inteligência policial “tem como escopo questões (em sua maioria táticas) de repressão e apoio à investigação de ilícitos e grupos de infratores – não se trata, registre-se bem, de atividade de investigação criminal”. Visa “levantar indícios e tipologias que auxiliam o trabalho da Polícia Judiciária e do Ministério Público”, principalmente no combate do crime organizado, dissimulado ou complexo[2].

Na avaliação do relator, ministro Rogério Schietti, não há ilegalidade na atuação da SSinte no caso, pois não há comprovação inequívoca de que o órgão investigou por conta própria ou extrapolou suas atribuições legais. Por opção do MP, os dados colhidos pelo SSinte foram aproveitados nos autos do procedimento investigatório criminal (PIC), a fim de subsidiar a produção de provas.

Ao contrário do que a defesa sustentou, não há identidade com a Operação Satiagraha, pois inteligência de segurança pública não se confunde com inteligência de Estado (ABIN). Segundo a Corte, naquela hipótese, a nulidade foi reconhecida, em síntese, pela atuação irregular da Agência Brasileira de Informação (ABIN) e pela participação indevida de investigador particular. Consignou-se que a ABIN teria por finalidade precípua e única fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional. Já no caso ora apreciado, houve o mero auxílio operacional da Subsecretária de Inteligência, órgão existente dentro da própria estrutura da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, órgão este com função precípua de coordenar e comandar toda a segurança pública de nosso Estado.

Mencionou-se também a vedação à proteção deficiente que trata da proteção da sociedade quanto a omissão do Estado, quando este deve agir, mas deixa de fazê-lo. Criar limitação para além do texto constitucional quanto ao exercício conjunto da atividade investigativa pelos diversos órgãos estatais policiais e pelo Ministério Público causaria lesão a essa premissa. Principalmente em crimes cometidos por agentes do próprio Estado. Essa visão é compartilhada também por Denilson Feitoza Pacheco, para quem “ se a Constituição atribuiu a órgãos de segurança pública e aos ministérios públicos competências constitucionais que, em parte, somente podem ser realizadas por meio da atividade de inteligência, é porque, implicitamente, lhes atribuiu os meios necessários. A rigor, com fundamento na eficiência, a Constituição lhes impôs o uso da inteligência, uma vez que não podem se negar a realizar a própria competência constitucional”[3][4].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

 

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

 

[1] BRANDÃO, Priscila; CEPIK, Marco (org). Inteligência de Segurança pública: Teoria e Prática no controle da criminalidade. Niterói, RJ: Impetus, 2013, p. 39.

[2] GONÇALVES, Joanisval. Atividade de Inteligência e Legislação Correlata. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2018, pg. 36.

[3] Vale registrar que esse NÃO É UM ENTENDIMENTO ISOLADO NA CORTE! É possível destacar o seguinte precedente da 6ª Turma, no qual se anotou que “não se apresenta ilegítima a cooperação da Secretaria de Segurança Pública em investigações, por meio da denominada Subsecretaria de Inteligência, dotada dos devidos recursos tecnológicos para empreender as diligências necessárias. A constitucional definição da atribuição de polícia judiciária às polícias civil e federal não torna nula a colheita de indícios probatórios por outras fontes de investigação criminal (HC n. 343.737/SC, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma). Assim, não há nulidade nas diligências realizadas por policiais designados pelo Órgão de

Segurança Pública para esse fim específico. (RHC n. 96.540/RJ, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 29/8/2019).

[4] PACHECO, Denilson Feitoza. Atividades de inteligência e processo penal. In: IV JORNADA JURÍDICA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO – AUDITORIA DA 4ª CJM, 30 set. 2005, Juiz de Fora/MG. Disponível em: <http://pointinteligencia.blogspot.com/2012/05/atividades-de-inteligencia-e-processo.html#!/2012/05/atividades-de-inteligencia-e-processo.html

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