Análise das ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305. Grandes mudanças no Processo Penal Brasileiro

Mudanças recentes no Processo Penal Brasileiro prometem reconfigurar o cenário jurídico. Entenda os impactos dessas alterações fundamentais.

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A Constituição Federal é a norma máxima de nosso país, o conjunto de princípios fundamentais que regem todas as leis da sociedade brasileira. Ela determina como o Estado é organizado, como os poderes são divididos e quais direitos e deveres os cidadãos possuem.

As leis federais criadas pelo Poder Legislativo Federal e os atos normativos editados pelo presidente não podem contrariar os preceitos da Constituição Federal. O mesmo acontece em cada estado da federação: leis estaduais e atos normativos de governadores devem seguir o que diz a respectiva constituição estadual.

Para garantir que isso aconteça, existe o chamado controle de constitucionalidade. Ele pode ser difuso, quando é feito pela aplicação das leis por parte de juízes em casos concretos; ou pode ser concentrado, quando o Supremo Tribunal Federal analisa a matéria legislativa e decide se ela está ou não em consonância com a Constituição que a rege.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade consta no artigo 102, da Constituição e é uma das ferramentas de controle concentrado. É uma ação judicial proposta perante o STF para que decida se determinada lei ou ato normativo é constitucional. Os legitimados para proporem a ADI são (art. 103, CF):

  • Presidente da República;
  • Mesas do Senado, da Câmara, das Assembleias Legislativas e Câmara Legislativa do Distrito Federal;
  • Governador de Estado ou do Distrito Federal;
  • Procurador-Geral da República;
  • Conselho Federal Ordem dos Advogados do Brasil;
  • Partidos políticos com representação no Congresso Nacional;
  • Confederação Sindical ou Entidades de Classe de âmbito nacional.

Feito o preâmbulo para contextualizar o leitor sobre Ação Direta de Inconstitucionalidade, vamos analisar os principais pontos das ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, todas da Relatoria do Ministro Luiz Fux. 

Impende esclarecer que foram propostas as mencionadas ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6305, cujo objeto são dispositivos da Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (Pacote Anticrime), nos quais se impuseram: (a) alteração do procedimento de arquivamento e processamento de inquéritos policiais; (b) regras de impedimento em decorrência do mero exercício da atividade jurisdicional; (c) vacatio legis de 30 dias para implementação, em todas as unidades judiciárias do país, das novas varas de garantias; (d) afastamento do controle judicial sobre o arquivamento de investigações pelo Ministério Público; (e) vedação absoluta ao emprego da tecnologia da videoconferência na audiência de custódia; (f) relaxamento automático da prisão se o inquérito não se concluir no prazo de 15 dias, prorrogável uma única vez; (g) proibição de qualquer contato, pelo juiz de instrução e julgamento, com os autos do inquérito que tramitou perante a Vara de Garantias; (h) imposição absoluta de prévia realização de audiência pública e oral para a prorrogação de medidas cautelares penais e a produção antecipada de provas urgentes; (i) criação de sistema de rodízio de magistrados em todas as unidades judiciárias de Vara Única; (j) possibilidade de designação, e não investidura, do Juiz das Garantias; (l) criação de regulamento para disciplinar o acesso à informação, pelos meios de comunicação, sobre a prisão de investigados. 

Para fins de didática e organização passa-se à análise dos principais pontos das ADI’s que acarretaram alterações no ordenamento processual penal. 

1) Juiz das Garantias. Foi questionada a constitucionalidade da criação do “Juiz das Garantias”, prevista nos artigos 3º-A ao 3º-F, do Código de Processo Penal (CPP) sob o argumento central que a implementação desse instituto poderia sobrecarregar o sistema judiciário, principalmente em regiões onde há escassez de magistrados. Além disso, a ações levantariam dúvidas sobre a compatibilidade do “Juiz das Garantias” com a estrutura organizacional do Judiciário brasileiro, uma vez que não estaria preparado para dividir as funções de investigação e julgamento entre diferentes juízes.

2) Acordo de Não-Persecução Penal (Art. 28-A, CPP – ANPP). Argumentou-se que a criação do ANPP violaria o princípio da obrigatoriedade (ou legalidade processual) da ação penal pública ao permitir que o Ministério Público celebrasse acordos com investigados para evitar a propositura da ação penal. A preocupação é que o ANPP poderia abrir espaço para uma atuação discricionária do Ministério Público, gerando uma seletividade indesejada na aplicação da lei penal.

3) Sistema de arquivamento do Inquérito Policial (art. 28, CPP). O titular da ação em tela argumentou que “a escolha do legislador de conferir ao magistrado esse papel de controlador do acordo de não persecução penal, da forma como foi posta, é medida flagrantemente inconstitucional, por violar o sistema acusatório, a autonomia do membro do Ministério Público e a imparcialidade objetiva do magistrado”.

4) Regra de Impedimento Automático do Juiz que Conhecer de Prova Declarada Inadmissível (Art. 157, § 5º, CPP). Foi argumentado que a “norma manifestamente irrazoável, desproporcional e incompatível com os postulados constitucionais. Isto porque os princípios da legalidade, do juiz natural e da razoabilidade restam violados pela regra em questão, permitindo eventual manipulação da escolha do órgão julgador ou sua exclusão, conduzindo à inconstitucionalidade a técnica eleita legislativamente”.

5) Ilegalidade da Prisão pela não Realização da Audiência de Custódia no Prazo de 24 horas (art. 310, caput e § 4º, CPP). Os argumentos trazidos sobre esse tópico são no sentido de que a imposição da ilegalidade automática da prisão, como consequência jurídica da não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas, fere a razoabilidade, uma vez que desconsidera dificuldades práticas locais de várias regiões do país, bem como dificuldades logísticas decorrentes de operações policiais de considerável porte. A categoria aberta “motivação idônea”, que excepciona a ilegalidade da prisão, é demasiadamente abstrata e não fornece baliza interpretativa segura para aplicação do dispositivo.

Conclusões conferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dos pontos trazidos acima.

1) Juiz das Garantias (arts. 3º-A ao 3º-F, CPP). O STF atribuiu interpretação conforme ao § 2º do art. 3º-B, para assentar que: a) o juiz pode decidir de forma fundamentada, reconhecendo a necessidade de novas prorrogações do inquérito, diante de elementos concretos e da complexidade da investigação; e b) a inobservância do prazo previsto em lei não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a avaliar os motivos que a ensejaram.

A Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade, com redução de texto, dos §§ 3º e 4º do art. 3º-C do CPP e mediante interpretação conforme, fixou que os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias serão remetidos ao juiz da instrução e julgamento.

Quanto ao art. 3º-D do CPP, o STF declarou a inconstitucionalidade material na medida em que não se pode atribuir presunção legal absoluta (juris et de jure, e não juris tantum) de parcialidade do juiz que, no exclusivo exercício da função jurisdicional, tenha proferido decisões na fase do inquérito.

Quanto ao art. 3º-D, parágrafo único do CPP, STF declarou a inconstitucionalidade formal, pois evidente invasão da competência legislativa das unidades federadas (Estados-membros), que são de iniciativa legislativa exclusiva do Poder Judiciário. Com efeito, é firme o entendimento desta Corte no sentido de que “o tema é de organização judiciária, prevista em lei editada no âmbito da competência dos Estados-membros (art. 125 da CRFB)”.

No que diz respeito ao art. 3º-E, do CPP o Supremo Tribunal Federal atribuiu interpretação conforme à Constituição para assentar que o juiz das garantias será investido, e não designado, conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal.

Por fim, sobre o art. 3º-F, parágrafo único, do CPP, a fim de compatibilizar o mencionado artigo com o art. 220 da Constituição Federal, o STF também atribuiu interpretação conforme ao dispositivo do CPP, para assentar que a divulgação de informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso pelas autoridades policiais, Ministério Público e magistratura deve assegurar a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão.

2) Acordo de Não-Persecução Penal (Art. 28-A, CPP – ANPP). A Suprema Corte negou provimento à ADI quanto a esse ponto e por conseguinte considerou o dispositivo constitucional na medida em que o ANPP possibilita a solução negocial do litígio de natureza penal, mediante confissão circunstanciada dos fatos criminosos praticados pelo investigado, respeitadas as condições e requisitos legais estabelecidos na lei. Complementou o STF que tal norma impugnada revela-se compatível, formal e materialmente, com a Constituição da República, pois trata-se de medida que também prestigia o princípio da inafastabilidade da jurisdição e uma espécie de “freios e contrapesos” no processo penal (art. 28-A, § 5°). Constata-se que as alterações legislativas, ao delinearem o instituto da não-persecução penal, apenas positivaram o que já era consagrado pela jurisprudência do STF em relação ao acordo de colaboração premiada. 

3) Sistema de arquivamento do Inquérito Policial (art. 28, CPP). Foi conferida interpretação conforme a Constituição ao art. 28, caput, para assentar que, ao se manifestar pelo arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público submeterá sua manifestação ao juiz competente e comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial, podendo encaminhar os autos para o Procurador-Geral ou para a instância de revisão ministerial, quando houver, para fins de homologação, na forma da lei. Ainda, assentou o STF pela interpretação conforme do art. 28, § 1º, para concluir que, além da vítima ou de seu representante legal, a autoridade judicial competente também poderá submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, caso verifique patente ilegalidade ou teratologia no ato do arquivamento.

4) Regra de Impedimento Automático do Juiz que Conhecer de Prova Declarada Inadmissível (Art. 157, § 5º, CPP). O Supremo declarou a inconstitucionalidade material por atentar contra as normas insculpidas no art. 5º, incisos LIII e LXXVIII, da CF, concernentes ao juiz natural e à garantia da duração razoável dos processos.

5) Ilegalidade da Prisão pela não Realização da Audiência de Custódia no Prazo de 24 horas (art. 310, caput e § 4º, CPP). O STF atribuiu interpretação conforme ao caput do art. 310 do CPP para assentar que o juiz, em caso de urgência e se o meio se revelar idôneo, poderá realizar a audiência de custódia por videoconferência. Por fim, conferiu também interpretação conforme ao § 4º do art. 310 do CPP, incluído para assentar que a autoridade judiciária deverá avaliar se estão presentes os requisitos para a prorrogação excepcional do prazo da audiência de custódia ou para sua realização por videoconferência, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva.

Autora: Carolina Carvalhal Leite. Mestranda em Direito Penal. Especialista em Direito Penal e Processo Penal; e, Especialista em Ordem Jurídica e Ministério Público. Graduada em Direito pelo UniCeub – Centro Universitário de Brasília em 2005. Docente nas disciplinas de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Extravagante em cursos de pós-graduação, preparatórios para concursos e OAB (1ª e 2ª fases). Ex-Servidora pública do Ministério Público Federal (Assessora-Chefe do Subprocurador-Geral da República na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC). Advogada inscrita na OAB/DF.

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