Atos infracionais podem ser considerados para fins de afastamento da aplicação da minorante do art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/2006? Veja o que deliberou a 3ª Seção do STJ!

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21 de Outubro de 2021

Olá pessoal, tudo certo?

Falaremos hoje sobre um tema importantíssimo e que sempre trouxe muita divergência no âmbito doutrinário e jurisprudencial. Refiro-me à possibilidade ou não de utilizar o histórico de atos infracionais do agente para afastar a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33 da Lei de Drogas. Rememoremos o que diz o dispositivo:

Art. 33, § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Como salientado, a temática sempre foi extremamente complexa e sem uniformidade dos Tribunais Superiores. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, a 1ª Turma compreende pela possibilidade, uma vez que o contexto fático seria apto a comprovar que o requisito de não dedicação a atividades criminosas não foi preenchido. De acordo com essa visão, a intenção do legislador, ao inserir a redação foi distinguir o traficante contumaz e profissional daquele iniciante na vida criminosa, bem como daquele que se aventura na vida da traficância por motivos que, por vezes, confundem-se com a sua própria sobrevivência e/ou de sua família[1]. De outro lado, a 2ª Turma do STF refuta essa compreensão. Ora, segundo esse entendimento, a prática de atos infracionais não é suficiente para afastar a minorante, visto que adolescente não comete crime nem lhe é imputada pena. Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas aplicadas são socioeducativas e objetivam a proteção do adolescente que cometeu infração. Portanto, a menção a atos infracionais praticados pelo paciente não configura fundamentação idônea para afastar a minorante[2].

O tema era extremamente controvertido no âmbito das Turmas Criminais do Superior Tribunal de Justiça.

Pedro, “ERA”? Houve alguma alteração?

Exatamente. A conjugação é no pretérito perfeito mesmo. É que no último dia 08 de setembro de 2021, a 3ª Seção concluiu o julgamento do EREsp 1.916.596-SP, uniformizando o entendimento no sentido de que o histórico de ato infracional pode ser considerado para afastar a minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, por meio de fundamentação idônea que aponte a existência de circunstâncias excepcionais, nas quais se verifique a gravidade de atos pretéritos, devidamente documentados nos autos, bem como a razoável proximidade temporal com o crime em apuração.

Conforme consignado pelo Colegiado, uma interpretação teleológica do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 à luz da política criminal de drogas instituída pelo Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas (SISNAD) permite inferir que o espírito da norma contida no referido
dispositivo de lei é o de beneficiar o agente iniciante na vida criminosa, que não faz do ilícito sua atividade profissional. Se o intuito foi esse, inequivocamente a orientação normativa pretendeu afastar o benefício àqueles que possuem um passado criminógeno e que, constantemente, incorrem na prática ilícita e já tiveram envolvimento com o narcotráfico e/ou com ilícitos que, não raro, estão a ele interligados (como delitos patrimoniais, homicídio, associação criminosa etc.). Ora, se a natureza do instituto em análise é justamente tratar com menor rigor o indivíduo que se envolve circunstancialmente com o tráfico de drogas – e que, portanto, não possui maior envolvimento com o narcotráfico ou habitualidade na prática delitiva -, não parece razoável punir um jovem de 18 ou 19 anos de idade, sem nenhum passado criminógeno e sem nenhum registro contra si, da mesma forma e com igual intensidade daquele indivíduo que, quando adolescente, cometeu reiteradas vezes atos infracionais graves ou atos infracionais equivalentes a tráfico de drogas. A prevalecer tal orientação, estaríamos afrontando o princípio da individualização da pena e o próprio princípio da igualdade.

ATENÇÃO! Ciente dessa compreensão, imprescindível redobrar o cuidado para as provas de concurso público. Isso porque se o seu examinador trouxer a informação da admissão pelo STJ do afastamento da referida minorante em razão da prática de atos infracionais em face da ausência de bons antecedentes, ISSO ESTARÁ ERRADO! É que os registros pretéritos de atos infracionais podem afastar o redutor não por ausência de preenchimento dos dois primeiros requisitos elencados pelo legislador – quais sejam, a primariedade e a existência de bons antecedentes -, mas pelo descumprimento do terceiro requisito exigido pela lei, que é a ausência de dedicação do acusado a atividades criminosas.

Diante dessa perspectiva, é correto anotar que a 3ª Seção do STJ pacificou o entendimento dessa Corte no sentido de admitir o sopesamento de atos infracionais para fins de comprovar a dedicação do réu a atividades criminosas e, por conseguinte, impedir a incidência da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. É preciso, porém, alertar que NÃO É qualquer ato infracional que se prestará a tal finalidade, devendo-se examinar atentamente cada caso para dele extraírem-se todas as suas
especificidades, de modo a torná-lo singular e, portanto, a merecer providência adequada e
necessária.

E quais serão as balizas que deveremos utilizar para nortear essa possibilidade, Pedro?

A Corte segmentou os nortes interpretativos da seguinte maneira:

(i) se o(s) ato(s) infracional(is) foi(ram) grave(s);

(ii) se o(s) ato(s) infracional(is) está(ão) documentado(s) nos autos, de sorte a não pairar
dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência;

(iii) a distância temporal entre o(s) ato(s) infracional(is) e o crime que deu origem ao processo no qual se está a decidir sobre a possibilidade de incidência ou não do redutor, ou seja, se o(s) ato(s) infracional(is) não está(ão) muito distante(s) no tempo. Não é possível utilizar atos infracionais perpetrados há um longo elastério temporal, em semelhante raciocínio aplicado pela Corte em relação aos maus antecedentes (vide AgRg no REsp n. 1.875.382/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe 29/10/2020).

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

 

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 


[1] STF, 1ª Turma, HC 192147, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/02/2021.

[2] STF, 2ª Turma, HC 191992, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 08/04/2021.

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21 de Outubro de 2021