Vivemos uma pandemia e a sensação é de que o mundo não é mais o mesmo. Não vou me atrever a trazer os números de doentes e mortos, que são alarmantes, e crescem, de maneira exponencial. De um dia para o outro, sofremos uma alteração brusca em nossas rotinas e tivemos a necessidade de nos adaptar frente a essa nova realidade, no esforço de conter a disseminação em massa do vírus e poupar vidas.
As relações de trabalho sofreram profundo impacto, bastando citar a malfadada MP 927/2020. A questão premente na área trabalhista pode ser resumida na sobrevivência das trabalhadoras e trabalhadores, seja evitando o adoecimento, seja preservando o meio de subsistência durante o período de calamidade pública que vivenciamos.
E no desempenho do seu mister constitucional, o Ministério Público do Trabalho vem atuando de maneira incisiva e concertada, em algo que pode se afirmar paradigmático até mesmo para definir os rumos de futuras ações institucionais.
Claro que seria inviável reunir toda essa articulação e atuação em um só arrazoado, então, novamente, e na medida do possível, farei textos em série, com o objetivo de expor o entendimento da Instituição acerca de temas sensíveis e atuais, consubstanciados em atenção às particularidades de cada setor econômico.
Costumo repetir em minhas aulas uma lição corrente da doutrina: quando a Constituição da República, em seu artigo 127, preceitua que o Ministério Público é essencial à função jurisdicional do Estado, simultaneamente e de modo até mesmo paradoxal, afirma mais e menos do que deveria.
Isso porque o Ministério Público não atua em todas as causas que tramitam perante o Poder Judiciário, como poderia dar a entender a locução constitucional de sua essencialidade à Jurisdição. A atuação do Ministério Público é sempre causal, ligando-se a três fatores fundamentais:
– Qualidade da parte: nas causas que envolvem, por exemplo, interesse de incapaz;
– Natureza do bem jurídico envolvido: causas que envolvem acidente de trabalho, por exemplo, com o descumprimento das normas referentes à saúde e segurança dos trabalhadores;
– Repercussão social: nas demandas que envolvem interesse coletivo, em ações civis públicos, por exemplo, em que a demanda repercute sobre a coletividade.
Assim, não estando presentes essas causas legitimadoras da atuação do Ministério Público, o “Parquet” não irá oficiar no feito, seja como parte, seja como fiscal da ordem jurídica. Embora não atue em todas as causas processuais, quando for o caso de sua intervenção, esta é indispensável sob pena de nulidade (a ausência de intimação gera nulidade, não necessariamente a ausência de intervenção).
Além disso, o Ministério Público exerce parcela da soberania do Estado. O “jus puniendi” estatal se revela em 04 momentos fundamentais: fazer a lei, acusar, julgar, executar. É precisamente nesse momento de acusar, detendo a iniciativa privativa da ação penal, que o Ministério Público é essencial à função jurisdicional.
Paradoxalmente, o Poder Constituinte disse menos do que deveria, na medida em que existem inúmeras funções extrajudiciais atribuídas ao Ministério Público, como veremos adiante. A propósito, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) incentiva a atuação extrajudicial e resolutiva, conforme Recomendação n.º 54, CNMP, sendo, inclusive, prioritária em relação à judicialização dos conflitos.
Nessa linha, o Ministério Público pode e deve servir como articulador social, catalisando as pretensões sociais e, partir delas, planejar e executar sua atuação.
Foi precisamente nesse sentido, que foi editada a Nota Técnica 01/2020 – PGT/CODEMAT/CONAP.
O foco do referido normativo é o acompanhamento e a participação ativa do Ministério Público do Trabalho junto às autoridades sanitárias locais, com vistas a tomar ciência dos Planos Estaduais de Contingenciamento, bem como a aproximação dos gestores locais da saúde, com vistas a tomar ciência dos Planos Municipais de Contingência. Ademais, deve acompanhar, de modo sistemático, as medidas e orientações do Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública para o COVID-19 para a resposta eficiente no combate aos riscos em território nacional.
O objetivo do acompanhamento, além do planejamento da atuação do próprio “Parquet”, tem por foco incutir juntos às autoridades sanitárias estaduais e municipais, a necessidade de observância e adoção de medidas de proteção à saúde e segurança do trabalhador, notadamente os profissionais da área da saúde e profissionais envolvidos no transporte, apoio e assistência aos potenciais casos, especialmente no que concerne à disponibilização e uso efetivo de equipamentos de proteção individual (EPIs) e coletiva (EPCs) indicados pelas autoridades de saúde locais, nacionais e internacionais de acordo com as orientações mais atualizadas, sem prejuízo de possíveis alterações na organização do trabalho.
Os trabalhadores desses setores, sejam eles próprios ou terceirizados, devem ser orientados sobre o uso correto dos equipamentos de proteção individual (EPI’s) e coletiva (EPC’s), com informações e esclarecimentos sobre as diretrizes mais atualizadas para o enfrentamento do Coronavírus, bem como devem receber diretrizes específicas quando houver de necessidade de alteração ou adoção de novas rotinas, métodos e organização do trabalho.
Trata-se do primeiro de uma série de normativos e iniciativas adotadas pelo Ministério Público do Trabalho para a conjugação de esforços coletivos na luta contra o Coronavírus, preservando a vida e a saúde dos milhares de trabalhadores brasileiros.
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