Olá pessoal, tudo certo?
Sabemos que nos concursos de carreiras jurídicas, especialmente no âmbito estadual, o tema do procedimento especial do Tribunal do Júri é um dos mais importantes e frequentes nas provas de processo penal, razão pela qual devemos devotar atenção cuidadosa a alguns pontos relacionados ao assunto.
E é sobre, justamente, um deles que vou falar hoje. Trata-se da imprescindível compreensão adequada quanto ao alcance do procedimento do Tribunal de Justiça ao apreciar a apelação com base na manifesta contrariedade à prova dos autos, prevista tal hipótese no seguinte dispositivo do Código de Processo Penal:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: III – das decisões do Tribunal do Júri, quando: D) FOR A DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. (…) § 3o Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.
Vale registrar que, quando utilizado tal dispositivo para sustentar a apelação criminal, a eventual procedência dela gera apenas a rescisão do julgamento exarado pelo Plenário, não sendo possível que o Tribunal recursal se imiscua no mérito do caso, sob pena de violação à soberania dos veredictos, de status constitucional para o Tribunal do Júri.
Ou seja, havendo recurso, ao juízo ad quem cabe apenas a efetivação de um juízo de constatação relativo à existência de arcabouço probatório bastante a amparar a escolha dos jurados, apenas se afigurando possível a rescisão do veredicto quando absolutamente desprovido de provas mínimas.
Pedro, mas afinal o que vem a ser “A DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS”?
Há algum tempo, doutrina e jurisprudência têm consolidado a orientação de que essa compreensão deve ser absolutamente restritiva, anotando que o veredicto atingido pelos jurados não pode ter arrimo em qualquer base probatória, ainda que coadjuvante.
Como registrou o professor Guilherme de Souza Nucci, o “ideal é anular o julgamento, em juízo rescisório, determinando a realização de outro, quando efetivamente o Conselho de Sentença equivocou-se, adotando tese integralmente incompatível com as provas dos autos. Não cabe anulação quando os jurados optam por umas das correntes de interpretação da prova possíveis de surgir” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1.237).
No mesmo sentido, o STJ possui reiterados precedentes no seguinte sentido:
(…) 1. Não obstante o princípio constitucional da soberania dos veredictos, é possível afastar a deliberação do conselho de sentença excepcionalmente, quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. 2. SE HÁ DUAS VERSÕES CONTRAPOSTAS, O LIMITE PARA O CONTROLE JUDICIAL DAS DELIBERAÇÕES DO JÚRI É A AUSÊNCIA DE PROVAS QUE SUSTENTEM UMA DELAS. 3. O fato de a acusação ter provas mais robustas e coerentes não autoriza o controle judicial do veredicto dos jurados caso a tese defensiva não seja absurda e tenha amparo no acervo probatório. 4. Se os jurados optam por acolher a tese defensiva de absolvição com amparo no interrogatório do acusado e nas informações prestadas pela esposa dele, deve-se reconhecer que a corte de origem extrapolou os limites do controle judicial ao anular o veredicto absolutório. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para restabelecer o veredicto dos jurados. (HC n. 686.652/PE, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 10/5/2022, DJe de 13/5/2022).
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ART. 121, § 2º, I E IV, DO CP. VIOLAÇÃO DO ART. 593, III, D, DO CPP. VEREDICTO ABSOLUTÓRIO. DEPOIMENTO DO RÉU. TESE DA LEGÍTIMA DEFESA SUSTENTADA
EM PLENÁRIO. JULGAMENTO COM AMPARO EM PROVAS PRODUZIDAS. DESNECESSIDADE DE REEXAMINAR PROVAS. PRECEDENTE. Agravo regimental improvido (AgRg no AREsp n. 1.281.481/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 9/10/2018, DJe de 5/11/2018).
Recentemente, conforme veiculado no Informativo 751 do Superior Tribunal de Justiça, a 6ª Turma concluiu o julgamento do AgRg no HC 482.056/SP ratificando que “o art. 563, inciso III, alínea d, do CPP deve ser interpretado de forma estrita, permitindo a rescisão do veredicto popular somente quando a conclusão alcançada pelos jurados seja teratológica, completamente divorciada do conjunto probatório constante do processo, em atenção à soberania dos veredictos”[1].
Portanto, como muito bem asseverado pelo Ministro Antônio Saldanha Palheiro, “não obstante, se existir outra tese plausível, ainda que frágil e questionável, e os jurados optarem por ela, a decisão deve ser mantida, sobretudo considerando que os jurados julgam segundo sua íntima convicção, sem a necessidade de fundamentar seus votos; são livres na valoração das provas. Com efeito, não é possível questionar a interpretação dada aos acontecimentos pelo Conselho de Sentença, salvo quando ausente elemento probatório que a corrobore”[2].
Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] AgRg no HC 482.056-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 02/08/2022, DJe 08/08/2022.
[2] https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201803223002&dt_publicacao=08/08/2022
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