Como se dá a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos em face do reincidente genérico após a Lei Anticrime?

Se liga no entendimento dos Tribunais Superiores diante da lacuna legislativa.

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26 de maio4 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Hoje vamos falar um pouco sobre (mais) um problema do ponto de vista prático legado pela Lei Anticrime (Lei 13.964/2019), desta feita relacionado à execução penal.

Se outrora a progressão de regimes era orientada pelos critérios subjetivo e objetivo e, em relação a esse segundo, o quantum de pena cumprida era definido em frações, a depender do caso concreto, atualmente, com a Lei Anticrime, isso se alterou sensivelmente. Essa modificação se deu tanto do ponto de vista da forma – já que agora o parâmetro objetivo é firmado em percentuais – como também em multiplicidade de opções.

Vejamos o que diz o atual art. 112 da Lei de Execução Penal:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: I – 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; II – 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; III – 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; IV – 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;  V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

Antes de avançarmos, é importante registrar que o § 2º do art. 112 da LEP aponta no sentido de que a decisão que determinar a progressão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor. Ademais, a Lei n. 13.769/2018 acrescentou no art. 112 da LEP seu atual § 3º e com ele instituiu modalidade de progressão especial de regime, que deve ser concedida à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, quando satisfeitos, cumulativamente, os seguintes requisitos (i) não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (ii) não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente; (iii) ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; (iv) ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;  (v) não ter integrado organização criminosa.

Apesar de o legislador ter (aparentemente) se dedicado bastante para a reformulação do sistema de progressão de regime e, na maior parte dos casos, ter intentado o recrudescimento do tratamento, o fato é que houve falhas e omissões – em princípio – não desejadas.

Entre as principais que podemos apontar está aquela referente aos crimes hediondos e equiparados. Em relação a essa espécie delitiva, temos como requisito objetivo basicamente os seguintes parâmetros:

(a) 40% da pena, se o condenado for primário;

(b) 50% da pena, se for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário; b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado;

(c) 60% da pena, se o condenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; e

(d) 70% da pena, se o condenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte.

Ora, a partir de uma atenta leitura da nova redação do art. 112 da LEP conferida pelo Pacote Anticrime, constata-se que em seu rol não consta tratamento específico da progressão de regime relativa ao condenado pela prática de crime hediondo ou assemelhado, reincidente em razão de precedente condenação por crime que não é hediondo nem assemelhado (REINCIDENTE GENÉRICO).

Dessa maneira, caso um apenado condenado por crime hediondo que seja reincidente genérico (já tenha, por exemplo, cometido um crime de furto) esteja cumprindo pena, qual será o percentual de pena que ele terá que cumprir para progredir de regime?

Tanto a 5ª quanto a 6ª Turmas do STJ manifestaram compreensão no sentido de que, após as mudanças operadas pela Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), que alterou o artigo 112 da Lei de Execução Penal, ao condenado por crime hediondo ou equiparado que seja reincidente genérico, deverá incidir o percentual equivalente ao que é previsto para o primário, qual seja, de 40% (quarenta por cento) ou 50% (cinquenta por cento), na forma do art. 112, insc. V e VI, alínea a, da LEP, a depender do caso (se houve ou não resultado morte).

5ª Turma do STJ 6ª Turma do STJ
A Quinta Turma, em alinhamento ao que já vinha sendo julgado pela Sexta Turma desta eg. Corte Superior, no julgamento dos HCs n. 613.268/SP e n. 616.267/SP, passou a entender que a entrada em vigor da Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), que alterou o artigo 112 da Lei de Execução Penal, trouxe mudanças significativas no sistema de progressão de regime, de forma que ao condenado por crime hediondo ou equiparado que seja reincidente genérico, pelo uso da analogia in bonam partem, deverá incidir o percentual equivalente ao que é previsto para o primário, qual seja, de 40% (quarenta por cento) ou 50% (cinquenta por cento), na forma do art. 112, insc. V e VI, alínea a, da LEP, a depender do caso (se houve ou não resultado morte). (AgRg no REsp 1919672/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 30/03/2021). Em recentes julgados de ambas as Turmas Criminais, firmou-se o posicionamento segundo o qual a alteração promovida pelo Pacote Anticrime no art. 112 da LEP não autoriza a aplicação do percentual de 60%, relativo aos reincidentes em crime hediondo ou equiparado, aos reincidentes não específicos. Isso porque, ante a omissão legislativa, impõe-se o uso da analogia in bonam partem, para se aplicar, na hipótese, o inciso V do artigo 112, que prevê o lapso temporal de 40% ao primário e ao condenado por crime hediondo ou equiparado. (AgRg no HC 640.014/AC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021).

De forma a demonstrar a compreensão consolidada no STJ, o tema foi veiculado no Informativo 681 da Corte, noticiando o entendimento detalhado da 6ª Turma, à unanimidade, ao julgar o HC 581.315-PR.

À ocasião, anotou-se que, em relação aos apenados que foram condenados por crime hediondo mas que são reincidentes em razão da prática anterior de crimes comuns não há percentual previsto na Lei de Execuções Penais, em sua nova redação, para fins de progressão de regime, visto que os percentuais de 60% e 70% se destinam unicamente aos reincidentes específicos, não podendo a interpretação ser extensiva, vez que seria prejudicial ao apenado. Assim, por ausência de previsão legal, o julgador deve integrar a norma aplicando a analogia in bonam partem. No caso (condenado por crime hediondo com resultado morte, reincidente não específico), diante da lacuna na lei, deve ser observado o lapso temporal relativo ao primário. Impõe-se, assim, a aplicação do contido no inciso VI, a, do referido artigo da Lei de Execução Penal, exigindo-se, portanto, o cumprimento de 50% da pena para a progressão de regime[1].

Tema atual e extremamente importante! Certamente aparecerá nas próximas provas.

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

[1] HC 581.315-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020.

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