Constitucionalidade do crime de publicação ou crítica indevida

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10 de Maio de 2023

Finalizando o julgamento em plenário virtual no último dia 13 de abril, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o delito capitulado no art. 166 do Código Penal Militar (Decreto-lei n. 1.001, de 21 de outubro de 1969) – publicação ou crítica indevida – foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

A decisão foi lavrada nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 475, proposta pelo Partido Social Liberal em 2017.

O tipo penal atacado, assim dispõe:

Art. 166. Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo:

Pena – detenção, de dois meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Em tese, a objetividade jurídica deste delito é a disciplina militar perturbada pela afronta da publicação ou da crítica; entretanto, se o alvo da conduta for ato de superior, teremos também o ferimento à autoridade de quem o praticou e é exatamente aqui que residia a discussão, ou seja, o conflito em se manter a proteção desses bens jurídicos ou se garantir a liberdade de expressão ampla também dos militares.

Note-se que são eles, os militares, que podem figurar no polo ativo do crime, ou seja, da leitura do tipo penal se extrai que o “militar” (federal ou estadual) é o sujeito ativo, que deve ser compreendido, nos termos do art. 22 do CPM, como o militar em situação de atividade. O militar inativo e o civil[1] podem perpetrar este delito se em concurso com um militar da ativa, quando a circunstância pessoal militar, que é elementar do tipo, comunica-se aos consortes (art. 53, § 1º, segunda parte, do CPM). O militar inativo, ademais, poderá perpetrar este delito se estiver sendo empregado na Administração Militar, conforme expõe o art. 12 do Código Castrense.

Evidentemente, a tese para a não recepção do dispositivo era a de que haveria a violação do direito fundamental à liberdade de expressão garantido constitucionalmente, objetivando-se com a propositura da ADPF garantir a manifestação de opinião de policiais e bombeiros militares em redes sociais, sites e blogs sem que fossem submetidos a Inquéritos Policial Militar e nem sofressem consequentes sanções disciplinares, incluindo as privativas de liberdade.

Mesmo antes da decisão do Supremo Tribunal Federal, já compreendíamos que o dispositivo havia sido recepcionado pela ordem constitucional. Nessa linha, sustentávamos:

Aqui, em verdade, cabem as mesmas observações, feitas por ocasião do estudo da reunião ilícita, no artigo anterior, referentes às previsões e limitações insculpidas na Constituição Federal. Como dito e aqui vale repetir, a Carta Cidadã traz os direitos e garantias fundamentais, entretanto não os confere de forma absoluta, mas sim, devida e legitimamente, contornados e definidos pelos mesmos direitos e garantias fundamentais conferidos aos outros. O controle anterior da publicação ou crítica, evidentemente, seria caracterizado como censura, o que a mesma norma proíbe; contudo, fica evidente e é coerente que o controle posterior do que se publicou ou criticou, seja efetivado, sob lentes, já que esse exercício não tem o privilégio do absolutismo. Opera-se a observação com o intuito de se verificar se a conduta feriu ou não a autoridade ou a disciplina militares, sob pena de caracterização do delito[2].

Agora, por unanimidade a Corte Constitucional reconhece a constitucionalidade do dispositivo, destacando-se do voto do relator que “as restrições preconizadas no dispositivo legal ora em apreço são adequadas e proporcionais, fazendo a necessária conciliação entre os valores constitucionais (de um lado, a liberdade de expressão dos militares; de outro, a segurança nacional e a ordem pública, bem como a hierarquia e a disciplina, que regem as corporações)“, bem como que “a previsão normativa em apreço não ofende, a priori , os princípios e valores constitucionalmente protegidos . Ao reprimir a crítica dos militares ‘a ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo’, a norma pretende evitar excessos no exercício à liberdade de expressão que comprometam a hierarquia e a disciplina internas, postulados esses indispensáveis às instituições militares, e, assim, em última análise, impedir que se coloquem em risco a segurança nacional e a ordem pública, bens jurídicos esses vitais para a vida em sociedade. Nada obsta, todavia, que sejam analisadas e sopesadas todas as circunstâncias de cada caso concreto, a fim de aferir se se fazem presentes todas as elementares do tipo penal”.

Sempre é preciso resgatar que a profissão de militar não é igual às demais carreiras sofrendo restrições no plano constitucional que não significam lesão à isonomia, mas, ao contrário, são exatos exemplos do que se deve compreender pela concepção da igualdade em sua substância, materialmente falando.

Ao militar não é lícito fazer greve e nem a sindicalização como vedações explícitas do inciso IV do § 3º do art. 142 da Constituição Federal, aplicáveis também aos militares dos Estados pelo § 1º do art. 42 da mesma Constituição. Mas, evidentemente, ao lado dessas restrições, há aquelas implícitas, que decorrem da natureza da profissão, do necessário culto à hierarquia e à disciplina, valores grafados expressamente nos arts. 42 e 142 também da Lei Maior e, nesse vetor, é evidente, é de clareza absoluta, que a crítica aviltante a um superior não pode ser tolerada, pois macula esses dois valores elevados. Nem mesmo – ou muito menos – no terreno livre das redes sociais, em que os cantos escuros e escondidos são escudos de encorajamento para a agressão moral.

[1]              Com a ressalva de que o civil somente poderá perpetrar este delito em âmbito federal, por incompetência absoluta da Justiças Militares Estaduais em julgar pessoas que não sejam militares dos Estados (art. 125, § 4º, da CF).

[2] NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar. Salvador: Jus Podivm, 2022, p. 1.049-1.050.


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