Constituição Estadual pode prever foro por prerrogativa de função para Vereadores?

Olá pessoal, tudo certo?

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22 de Dezembro de 2020

Hoje vamos falar sobre um tema extremamente polêmico e que, em meados de 2020, teve um importante e novo capítulo, com o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 181.895/RJ[1].

Antes de falar, especificamente, sobre esse julgado, é preciso tecer algumas considerações, já que a possibilidade ou não de foro por prerrogativa de função dos representantes do legislativo municipal demanda cautela. Sabemos que a Constituição Federal garante a eles inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município (art. 29, VIII, da CF), mas isso não quer dizer que há previsão ou autorização para prerrogativa de foro.

O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de inadmitir essa possibilidade de previsão na Constituição Estadual, ao apontar que “não prevalece, na hipótese, a norma constitucional estadual que atribui foro especial por prerrogativa de função a vereador, para ser processado pelo Tribunal de Justiça. Matéria não enquadrável no art. 125, § 1º, da Carta Magna. Cumpre observar, ainda, que a regra do art. 29, X, da Constituição Federal, não compreende o vereador[2].

Em medida cautelar, a Corte veio a suspender a eficácia de norma prevista na Constituição Estadual do Rio de Janeiro, a qual indicava a prerrogativa de foro do Tribunal de Justiça para julgar os Vereadores dos municípios daquele estado, justamente por violação ao princípio da simetria ou paralelismo constitucional[3].

Ainda assim, esse tema sempre envolveu muita polêmica. Tanto isso é verdade que o próprio Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de apontar expressamente que “não afronta a Constituição da República, a norma de Constituição estadual que, disciplinando competência originária do Tribunal de Justiça, lhe atribui para processar e julgar vereador[4]. Aliás, seguindo a mesma linha, o STJ decidiu que “embora a Constituição Federal não tenha estabelecido foro especial por prerrogativa de função aos vereadores, não há óbice de que tal previsão conste das Constituições estaduais[5].

Apesar dessa divergência, analisando os julgados mais recentes sobre a (im)possibilidade de Constituição Estadual criar situações novas de prerrogativa de foro, meu entendimento é no sentido de que a tendência do STF era no sentido de que as Constituições Estaduais NÃO podem trazer prerrogativa de foro para os Vereadores. Afirmo isso a partir da interpretação da recente conclusão da Corte Suprema na ADI 2553/MA, segundo a qual a “a CF, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais.  Assim, não se pode permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função”[6].

Destaque-se que em julgados recém analisados e divulgados no Informativo de Jurisprudência do STF nº 1000, o plenário da Corte ratificou sua posição indicando que as Constituições Estaduais não podem atribuir foro por prerrogativa de função a autoridades diversas daquelas arroladas na Constituição Federal (CF). As normas que estabelecem hipóteses de foro por prerrogativa de função são excepcionais e, como tais, devem ser interpretadas restritivamente. A regra geral é que todos devem ser processados pelos mesmos órgãos jurisdicionais, em atenção ao princípio republicano (CF, art. 1º), ao princípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII) e ao princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput).

Apenas excepcionalmente, e a fim de assegurar a independência e o livre exercício de alguns cargos, admite-se a fixação do foro privilegiado. O legislador constituinte não disciplinou a matéria apenas na esfera federal, mas determinou quais seriam as autoridades em âmbito estadual e municipal que seriam detentoras dessa prerrogativa. Fora dessas hipóteses, a Constituição estadual só pode conceder o foro privilegiado a autoridades do Poder Executivo estadual por simetria com o Poder Executivo federal. Justamente por isso, não é possível, por exemplo, previsão de foro por prerrogativa de função para (i) Procuradores e (ii) Defensores Públicos Estaduais.

Mas e em relação aos Vereadores? Houve alguma novidade em 2020?

Apesar de não se tratar de decisão definitiva e tampouco manifestação do Plenário da Corte, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RHC 181895 AgR, sinalizou expressamente a tendência de reconhecer a impossibilidade de previsão de prerrogativa de foro para os Vereadores no âmbito da Constituição Estadual.

De acordo com o Ministro Alexandre de Moraes, assim como a inviolabilidade ou imunidade material – de que ora não se discute e que foi estendida, em termos, aos vereadores pela Constituição Federal (CF, art. 29, IV) – e a prerrogativa de sigilo – de que cogita o §6º do art. 102, cuja extensão aos vereadores se questiona -, são matéria de direito penal, as imunidades processuais são tema de Processo Penal: porque se compreendem substancialmente em áreas de competência legislativa exclusiva da União (art. 22, I), afora e acima da lei federal, só a Constituição da República pode dispor a respeito. Silente a Constituição Federal sobre prerrogativas processuais penais dos integrantes das Câmaras Municipais, plausível é a conclusão de que não se deixou espaço à inserção de normas constitucionais locais.

Esse é um tema espinhoso, bastante interessante para ser arguido em provas e que, cada vez mais, vai se encaminhando para uma definição nas Cortes Superiores.

 

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

 

 

 

Vamos em frente.

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

 

 

 

[1] Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. CABIMENTO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA DE OFÍCIO AO CORRÉU. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (RHC 181895 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 22/06/2020).

[2] RHC 80477, Relator(a):  Min. NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, julgado em 31/10/2000.

[3] ADI 558 MC, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 16/08/1991.

[4] RE 464935, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 03/06/2008.

[5] CC 116.771/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012.

[6] STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019 (Info 940).

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22 de Dezembro de 2020