A Administração Pública normalmente possui inúmeros contratos administrativos através dos quais empresas colocam empregados à disposição para a prestação de serviços, em típica terceirização de mão de obra.
Aliás, sobre esse tipo de contrato com dedicação exclusiva de mão de obra, veja o disposto no art. 6º, XVI, da Lei 14.133/21:
“Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
XVI – serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra: aqueles cujo modelo de execução contratual exige, entre outros requisitos, que:
a) os empregados do contratado fiquem à disposição nas dependências do contratante para a prestação dos serviços;
b) o contratado não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos;
c) o contratado possibilite a fiscalização pelo contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos;”
Ocorre que, nessa espécie de contratação, sempre se discute se eventuais normas coletivas que criam ou aumentam direitos podem influir na repactuação dos valores do contrato perante a Administração. Explica-se.
Se uma convenção coletiva regular estabelece um reajuste de salário aos empregados, é evidente que a empresa precisa cumprir essa obrigação trabalhista. No entanto, poderia a empresa pedir que esse aumento de custo seja considerado pela Administração para repactuar (no caso, aumentar) o preço do contrato para manter o equilíbrio econômico-financeiro? Ou a empresa terá que suportar esse aumento sozinha?
O Superior Tribunal de Justiça, aplicando as regras da Lei 8.666/93, vinha negando essa possibilidade. Veja um julgado exemplificativo:
“ADMINISTRATIVO. CONTRATO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO- FINANCEIRO. REAJUSTE SALARIAL. PREVISÃO NO DISSÍDIO COLETIVO. AUSÊNCIA DE CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO. 1. Cuida-se de inconformismo com acórdão do Tribunal de origem que possibilitou a repactuação de preços em contrato administrativo, devido à existência de majoração de salários de empregados da contratada. 2. O art. 65, inc. II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993 prevê que só é admitida em caráter excepcional a repactuação de preço de contrato administrativo quando há “fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”. 3. Diante desse cenário legislativo, e utilizando interpretação a contrario sensu, percebe-se que é vedada a repactuação de preços de contrato administrativo em virtude de ocorrência de situação previsível (como é o caso do reajuste salarial determinado por convenção coletiva de trabalho). 4. Ora, não pode ser aplicada a Teoria da Imprevisão para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo (Lei 8.666/1993, art. 65, II, “d”) na hipótese de aumento salarial dos empregados da contratada em decorrência de dissídio coletivo, pois constitui evento certo que deveria ser levado em conta quando da efetivação da proposta. Precedentes: REsp 411.101/PR, Segunda Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 8.9.2003; REsp 134.797/DF, Segunda Turma, Min. Paulo Gallotti, DJ de 10.08.2000; AgRg no REsp 417.989/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 24/3/2009; REsp 668.367/PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 5/10/2006, p. 242; REsp 650.613/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ 23/11/2007, p. 454. 5. Recurso Especial provido. (REsp 1824099/GO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 29/10/2019)”
No entanto, a nova lei de licitações e contratos estabelece a possibilidade genérica de repactuação:
“Art. 135. Os preços dos contratos para serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou com predominância de mão de obra serão repactuados para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, mediante demonstração analítica da variação dos custos contratuais, com data vinculada: II – ao acordo, à convenção coletiva ou ao dissídio coletivo ao qual a proposta esteja vinculada, para os custos de mão de obra.”
Por outro lado, não é toda previsão normativa que pode gerar esse direito, por força de uma limitação prevista no mesmo preceito, no parágrafo primeiro do art. 135:
“§ 1º A Administração não se vinculará às disposições contidas em acordos, convenções ou dissídios coletivos de trabalho que tratem de matéria não trabalhista, de pagamento de participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados do contratado, ou que estabeleçam direitos não previstos em lei, como valores ou índices obrigatórios de encargos sociais ou previdenciários, bem como de preços para os insumos relacionados ao exercício da atividade.”
Note que, caso haja o estabelecimento de um direito não previsto em lei, não haverá essa vinculação da Administração Pública.
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