Correção das questões de Direito Penal – XVIII Exame de Ordem

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1 de Dezembro de 2015

Confira o vídeo com a correção feita pelo professor Flávio Daher das questões de Direito Penal do XVIII Exame de Ordem:


Segue abaixo o texto de cada questão e devida correção:
XVIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO – TIPO 01 – BRANCA/FGV – DIREITO PENAL
Questão 59 – Mário subtraiu uma TV do seu local de trabalho. Ao chegar em casa com a coisa subtraída, é convencido pela esposa a devolvê-la, o que efetivamente vem a fazer no dia seguinte, quando o fato já havia sido registrado na delegacia. O comportamento de Mário, de acordo com a teoria do delito, configura

  1. A) desistência voluntária, não podendo responder por furto.
  2. B) arrependimento eficaz, não podendo responder por furto.
  3. C) arrependimento posterior, com reflexo exclusivamente no processo dosimétrico da pena.
  4. D) furto, sendo totalmente irrelevante a devolução do bem a partir de convencimento da esposa.

Observações:

  1. A primeira coisa a ser analisada é o momento consumativo do furto. Uma vez ocorrendo o resultado já não há mais o cabimento, seja da desistência voluntária (que pressupõe a cessação dos atos de execução com impedimento do resultado), seja do arrependimento eficaz (que pressupõe o impedimento do resultado mesmo após findo os atos de execução). Como se sabe existem 4 teorias sobre a consumação no furto:
Contrectatio Amotio (apprehensio) Ablatio Ilatio
Basta o agente tocar na coisa, dipensando o seu deslocamento O furto se consuma quando a coisa subtraída passa para o poder do agente, mesmo que não haja posse mansa e pacífica e mesmo que não haja deslocamento da coisa. Para a consumação do furto é necessário o deslocamento da coisa, retirando-a da esfera de vigilância do dono Para a consumação do furto é preciso que além do deslocamento que a coisa seja levada para o local desejado pelo agente e mantida a salvo, tendo o infrator agora posse sem oposição

Palavras chaves sobre consumação no furto:

  1. Inversão da posse: vítima perde a posse que passa ao infrator
  2. Retirada da esfera de vigilância: a vítima pode não saber que o bem já foi subtraído mas o infrator ainda não goza de posse pacífica pois ainda está sob o jugo da vigilância do dono e caso o infrator exiba o bem estará sujeito a legítima defesa. (ex.: empregada que furta anel da patroa e o esconde em sua bolsa, ainda estando dentro da residência da patroa)
  3. Cessação da clandestinidade (posse desvigiada): com a retirada da esfera de vigilância o infrator já pode realizar a finalidade prevista no art. 155 do CP, qual seja agir como dono do bem subtraído ( conforme expressão típica “para si ou para outrem”)

2) STJ e STF adotam a teoria da AMOTIO, ou seja não existe necessidade de deslocamento, ou de retirada da esfera de vigilância ou de posse mansa e pacífica.
Assim sendo resta caracterizado no caso da questão que o furto está inequivocamente consumado. Mesmo para as teorias que demandam mais requisitos para a consumação do furto (e que não são mais usadas pelos nossos Tribunais) ele já teria ocorrido. Afastado os institutos do art. 15 do CP (Ponte de Ouro) resta então verificar a possibilidade de enquadramento no art. 16 do CP (Ponte de Prata)
Art. 16 – Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços
São requisitos do arrependimento posterior:
a) Delito cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa.A violência contra a coisa não exclui a minorante. A doutrina entende cabível o arrependimento posterior nos crimes violentos contra a pessoa frutos de conduta culposa.
b) Reparação total do dano ou restituição integral da coisa.
c) Até o recebimento da denúncia ou da queixa.Após o recebimento, pode-se falar da circunstância atenuante prevista no artigo 65, III, “b”, CP.
d) Ato voluntário do agente. O ato não precisa ser espontâneo.
Como se viu todos os requisitos estão presentes, tornado o item “C” correto.
Questão 60 –  Glória é contratada como secretária de Felipe, um grande executivo de uma sociedade empresarial. Felipe se apaixona por Glória, mas ela nunca lhe deu atenção fora daquela necessária para a profissão. Felipe, então, simula a existência de uma reunião de negócios e pede para que a secretária fique no local para auxiliá-lo. À noite, Glória comparece à sala do executivo acreditando que ocorreria a reunião, quando é surpreendida por este, que coloca uma faca em seu pescoço e exige a prática de atos sexuais, sendo, em razão do medo, atendido. Após o ato, Felipe afirmou que Glória deveria comparecer normalmente ao trabalho no dia seguinte e ainda lhe entregou duas notas de R$ 100,00. Diante da situação narrada, é correto afirmar que Felipe deverá responder pela prática do crime de

  1. A) violação sexual mediante fraude.
  2. B) assédio sexual.
  3. C) favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual.
  4. D) estupro.

A análise da questão não demanda nenhuma esforço interpretativo. Apenas a leitura dos tipos penais

Violação sexual mediante fraude
Art. 215.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima
Assédio sexual
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável. 
Art. 218-B.  Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone
Estupro 
Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso

Questão 61 – No ano de 2014, Bruno, Bernardo e Bianca se uniram com a intenção de praticar, reiteradamente, a contravenção penal de jogo do bicho. Para tanto, reuniam-se toda quarta-feira e decidiam em quais locais o jogo do bicho seria explorado. Chegaram, efetivamente, em uma oportunidade, a explorar o jogo do bicho em determinado estabelecimento. Considerando apenas as informações narradas, Bruno, Bernardo e Bianca responderão

  1. A) pela contravenção penal do jogo do bicho, apenas.
  2. B) pela contravenção penal do jogo do bicho e pelo crime de associação criminosa.
  3. C) pela contravenção penal do jogo do bicho e pelo crime de organização criminosa.
  4. D) pelo crime de associação criminosa, apenas.

Só haverá o delito do art. 288 quando a associação tiver a finalidade de cometer crimes e não contravenções pela taxativa exigência típica.

Associação Criminosa
Art. 288.  Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes

Poderia haver o enquadramento na organização criminosa uma vez que o art. 1º da lei 12850/13 não fala em crimes mas sim em infrações penais (“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”). No entanto falta uma pessoa (são apenas três) e o jogo do bicho não tem a priori caráter transnacional ou pena máxima superior a 4 anos

Art. 58. Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou      exploração:
Pena – prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa, de dois a vinte contos de réis.

Questão 62 – Cacau, de 20 anos, moça pacata residente em uma pequena fazenda no interior do Mato Grosso, mantém um relacionamento amoroso secreto com Noel, filho de um dos empregados de seu pai. Em razão da relação, fica grávida, mas mantém a situação em segredo pelo temor que tinha de seu pai. Após o nascimento de um bebê do sexo masculino, Cacau, sem que ninguém soubesse, em estado puerperal, para ocultar sua desonra, leva a criança para local diverso do parto e a deixa embaixo de uma árvore no meio da fazenda vizinha, sem prestar assistência devida, para que alguém encontrasse e acreditasse que aquele recém-nascido fora deixado por desconhecido. Apesar de a fazenda vizinha ser habitada, ninguém encontra a criança nas 06 horas seguintes, vindo o bebê a falecer. A perícia confirmou que, apesar do estado puerperal, Cacau era imputável no momento dos fatos. Considerando a situação narrada, é correto afirmar que Cacau deverá ser responsabilizada pelo crime de
A) abandono de incapaz qualificado.
B) homicídio doloso.
C) infanticídio.
D) exposição ou abandono de recém-nascido qualificado.
Primeiro devemos excluir as alternativas “A” e “B”, ambas pelo critério da especialidade no conflito aparente de normas. Objetivamente a hipótese pode se enquadrar em qualquer umas das 4 incidências propostas nas assertivas: mas o homicídio é afastado pelo infanticídio (pela presença do estado puperperal), e o abandono de incapaz pelo abando de recém-nascido (pela descrição específica do objeto material do delito).

Primeiro Conflito Aparente de normas
121 X 123 Prevalece 123: especialidade (estado puerperal)
133 X 134 Prevalece 134: especialidade (recém-nascido)

Resta então verificar se a adequação típica será no art. 123 do CP ou no art. 134. E para isso devemos averiguar o tipo subjetivo: o dolo era de ocisão ou de abandono? A caracterização da vontade ou assunção de matar o recém-nascido só restaria inequívoca caso o abando fosse em local ermo e com pouca chance de alguém encontrar o bebê. Assim sendo, considerando a morte culposa prevalece a incidência no art. 134,. §2º do CP (modalidade preterdolosa).
 Exposição ou abandono de recém-nascido
Art. 134 – Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

  • 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – detenção, de um a três anos.

  • 2º – Se resulta a morte:

Pena – detenção, de dois a seis anos.
Questão 63 – Maria mantém relacionamento clandestino com João. Acreditando estar grávida, procura o seu amigo Pedro, que é auxiliar de enfermagem, e implora para que ele faça o aborto. Pedro, que já auxiliou diversas cirurgias legais de aborto, acreditando ter condições técnicas de realizar o ato sozinho, atende ao pedido de sua amiga, preocupado com a situação pessoal de Maria, que não poderia assumir a gravidez por ela anunciada. Durante a cirurgia, em razão da imperícia de Pedro, Maria vem a falecer, ficando apurado que, na verdade, ela não estava grávida. Em razão do fato narrado, Pedro deverá responder pelo crime de
A) aborto tentado com consentimento da gestante qualificado pelo resultado morte.
B) aborto tentado com consentimento da gestante.
C) homicídio culposo.
D) homicídio doloso.
Em relação ao aborto trata-se de crime impossível por absoluta impropriedade do objeto (não existe feto para o abortamento). Em relação ao homicídio Pedro não tinha vontade ou assumiu o risco de provocar a morte de Maria, mas sim agiu com imperícia, uma das modalidades de quebra de dever de cuidado característica do tipo culposo.
Flávio Daher

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Flávio Daher é Delegado de Polícia Federal lotado na DELEFIN/SR/DPF/DF, Mestre em Direito Constitucional e Doutorando em Direito Penal. Professor de Cursos Preparatórios e Pós Graduação em todo Brasil. Palestrante do IBCCRIM.

 

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1 de Dezembro de 2015