Covid-19 e Responsabilidade Internacional

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15 de abril2 min. de leitura

 

A pandemia de COVID-19 (novo coronavírus) e a notícia de ações ajuizadas contra a República Popular da China no Brasil e nos Estados Unidos da América fizeram emergir a questão sobre a possível responsabilidade internacional da China pela propagação global do vírus.

Para nós, esta é uma ótima oportunidade para revisar o tema da responsabilidade internacional, que deverá ser ainda mais cobrado nos próximos concursos da área jurídica.

A doutrina costuma definir responsabilidade internacional como a obrigação do sujeito internacional de reparar o dano decorrente de um ato internacionalmente ilícito.

Até hoje não há um tratado que codifique as normas da responsabilidade internacional. Por isso, a matéria é regida pelo costume, cujas principais regras estão consolidadas em um projeto de tratado: o Esboço de Artigos sobre Responsabilidade dos Estados por Atos Ilícitos Internacionais.

Para que se configure a responsabilidade de um sujeito internacional, ensina a doutrina, é necessária a concorrência de três elementos: o ato internacionalmente ilícito, a imputabilidade e o dano.

O ato internacionalmente ilícito é a violação de uma obrigação internacional. A imputabilidade significa a possibilidade de se atribuir a conduta ilícita a um sujeito internacional. O dano, por fim, é qualquer prejuízo a um sujeito de direito internacional.

Portanto, para saber se a China pode ser responsabilizada internacionalmente é preciso verificar se houve um ato internacionalmente ilícito a ela imputável que tenha causado dano a um sujeito de direito internacional.

As principais normas jurídicas internacionais relativas à propagação global de doenças estão contidas no Regulamento Sanitário Internacional (RSI), cuja última versão foi aprovada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2005.

Os propósitos do RSI são prevenir, proteger, controlar e dar uma resposta de saúde pública contra a propagação internacional de doenças, de maneiras proporcionais e restritas aos riscos para a saúde pública, e que evitem interferências desnecessárias com o tráfego e o comércio internacionais (art. 2º do RSI).

O RSI foi adotado pela Assembleia Mundial da Saúde (órgão plenário da OMS) com fundamento na sua competência para expedir regulamentos relacionados a determinados aspectos da saúde global. Esses regulamentos submetem-se ao regime de “opt-out”, ou seja, vinculam todos os Estados Partes da OMS, a não ser que esses comuniquem a sua rejeição ou reservas (arts. 21 e 22 da Constituição da OMS).

Portanto, embora não seja um tratado, não há dúvida de que as normas do RSI têm força jurídica vinculante para os Estados Partes.

A principal obrigação estatal contida no RSI é a de notificar o Secretariado da OMS, no prazo de 24 horas, sobre todos os eventos em seu território que possam se constituir numa emergência de saúde pública de importância internacional.

Logo, se a China não cumpriu tempestivamente a obrigação de notificar o Secretariado da OMS sobre o surgimento do novo coronavírus, cometeu um ato internacionalmente ilícito, o que pode ensejar a sua responsabilidade internacional, já que a imputabilidade e o dano, nesse caso, não oferecem dúvidas.

Diante disso, qual o foro competente para declarar essa responsabilidade e impor a obrigação de reparar o dano?

Não é, certamente, a Justiça nacional de qualquer Estado. Há uma antiga norma costumeira no direito internacional que assegura imunidade de jurisdição aos Estados perante o foro estrangeiro por atos de império, ou seja, atos que os entes estatais praticam no exercício de suas prerrogativas públicas.

O foro competente para solucionar a controvérsia é estabelecido pelo próprio RSI em seu art. 56: primeiro, os Estados devem recorrer aos meios diplomáticos, como negociação, bons ofícios, mediação e conciliação.

Se os meios diplomáticos não forem suficientes, os Estados envolvidos podem submeter a controvérsia ao Diretor-Geral da OMS.

E, se nada disso resolver, a controvérsia pode ser submetida ao Tribunal Permanente de Arbitragem, situado na Haia, cuja decisão sobre o litígio será vinculante e final.

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