CRIME MILITAR EXTRAVAGANTE DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA

Avatar


02 de janeiro3 min. de leitura

No art. 343 do Código Penal Militar, está capitulado o delito de denunciação caluniosa, com a seguinte descrição típica:

Art. 343. Dar causa à instauração de inquérito policial ou processo judicial militar contra alguém, imputando-lhe crime sujeito à jurisdição militar, de que o sabe inocente:

Pena – reclusão, de dois a oito anos.

Esmiuçando os elementos típicos, tem-se que o delito consiste na comunicação de fato (preciso e determinado), que é previsto como crime militar, ou melhor, crime sujeito à jurisdição militar, o que, é de se notar, sofreu um alargamento diante da Lei n. 13.491/2017. Assim, pode se referir a crime previsto na Parte Especial do Código Penal Militar como também crime previsto na legislação penal comum com a subsunção em uma das alíneas do inciso II do art. 9º do mesmo Código.

Essa comunicação, ademais, deve ensejar a instauração de IPM (Inquérito Policial Militar) ou de processo judicial militar (processo-crime na Justiça Militar).

A instauração de IPM, elementar do tipo, pode ser por qualquer das formas expressas no art. 10 do CPPM, especialmente a portaria de ofício pela autoridade competente.

Quanto à instauração de processo judicial militar, entenda-se o recebimento da denúncia formulada pelo Ministério Público pelo Juiz Federal da Justiça Militar ou Juiz de Direito do Juízo Militar.

Mas uma recente questão traz recomenda especial atenção a este delito, a saber, a edição da Lei n. 14.110, de 18 de dezembro de 2020, que deu nova redação ao crime de denunciação caluniosa previsto no Código Penal Comum, especificamente no art. 339 do referido diploma.

Surgem questões importantes para a reflexão, principalmente no que concerne à possibilidade de elementos típicos previstos no tipo penal comum ensejarem crime militar extravagante, já que não expressos no tipo penal militar do art. 343 do CPM.

Vamos com calma!

Primeiro, vejamos as redações do art. 339 do CP, com sua evolução legislativa.

 

ART. 339 DO CÓDIGO PENAL

Redação original:

Redação da Lei n. 10.028/2000:

Redação da Lei n. 14.110/2020:

Art. 339. Dar causa a instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:

Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: Art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente:

Facilmente, percebe-se que a inaugural redação preocupava-se com a persecução criminal, restringindo a conduta àquela que desse ensejo à instauração de investigação policial ou de processo judicial, mas sempre com a imputação de crime. Em 2000, embora se tenha acrescido a investigação administrativa, inquérito civil e a ação de improbidade administrativa, a imputação continuava a ser de crime. Agora, com a nova redação, há a subsunção da conduta que dá ensejo à instauração de inquérito policial, procedimento investigatório criminal, processo judicial, processo administrativo disciplinar, inquérito civil, ação de improbidade administrativa, mas o fato imputado não se restringe mais ao crime, podendo alcançar infração ético-disciplinar ou ato ímprobo.

Temos, assim, dois universos da denunciação caluniosa: um restrito à imputação de crime de competência da Justiça Militar, com toda a amplitude que a Lei n. 13.491/2017 trouxe, havendo subsunção do art. 343 do CPM, com pena de reclusão de 2 a 8 anos; outro abarcando a imputação de outras infrações, como crime que não seja de competência da Justiça Militar, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo, subsumindo-se a conduta no art. 339 do CP, com pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa.

No primeiro caso, por exemplo, haverá subsunção no Código Penal Militar (art. 343) no caso de um militar da ativa que impute a outro militar da ativa a prática de um crime previsto no Código Penal Militar, como o de peculato (art. 303 do CPM), sabendo, claro, que o imputado é inocente, mas dando ensejo à instauração de um inquérito policial militar. Igualmente, encontrará subsunção no art. 343 do CPM, se o fato imputado e ensejador de um inquérito policial militar se referir a um suposto delito de importunação sexual de um militar da ativa contra outro militar na mesma situação, que, embora previsto no Código Penal Comum (art. 215-A), passou a ser de competência da Justiça Militar após a Lei n. 13.491/2017.

No segundo universo, no entanto, não haverá subsunção da conduta de denunciação no Código Penal Militar, mas, mesmo assim, será possível a ocorrência de crime militar, permissão trazida pela mesma Lei n. 13.491/2017.

Imaginemos, por exemplo, que um militar da ativa impute a outro militar da ativa a prática de um ato transgressional, uma infração ético disciplinar, ensejando a instauração de um processo administrativo disciplinar, sabendo que o imputado é inocente. Descoberta a falsa imputação, ao menos em tese, haverá subsunção da conduta no art. 339 do CP e não no art. 343 do CPM, surgindo a indagação se a persecução penal desse delito deve estar adstrita à concepção de crime comum ou de crime militar.

Não resta dúvidas de que deverá se compreender o fato como crime militar.

Pela nova redação do inciso II do art. 9º do CPM, trazida pela já mencionada Lei n. 13.491/2017, as condutas tipificadas na legislação penal em geral, o que inclui o Código Penal Comum, podem ser caracterizadas como crimes militares se encontrarem subsunção em uma das alíneas do dito inciso e, no exemplo em discussão, a denunciação caluniosa foi praticada por militar em situação de atividade contra militar na mesma situação, ou seja, caso trazido pela alínea “a” do inciso II do art. 9º do CPM, portanto, um crime militar extravagante.

Como se trata de novidade legislativa, ainda que no Código Penal Comum, o tema aqui discutido é uma boa aposta para concursos.

Avatar


02 de janeiro3 min. de leitura